Aumento do neonazismo no Brasil escancara perfis de ódio na internet


01 de julho de 2024
Pesquisa indica o crescimento do discurso de ódio online (Composição/Wesley Santos/Midjourney)
Pesquisa indica o crescimento do discurso de ódio online (Composição/Wesley Santos/Midjourney)

Carol Veras – Da Cenarium

MANAUS (AM) – O crescimento de células de grupos neonazistas no Brasil cresceu 270% entre janeiro e maio de 2021 e se espalhou por todas as regiões do País, segundo pesquisa da antropóloga Adriana Dias divulgada em 2024. No início de 2022, o levantamento identificou mais de 530 núcleos extremistas em todo o Brasil.

Esse avanço teria sido impulsionado pela disseminação de discursos de ódio e narrativas extremistas, principalmente na internet, por meio das redes sociais e de fóruns. A CENARIUM fez um levantamento e investigou grupos e perfis que compartilham ódio contra minorias em ambientes virtuais. Nesses espaços, participantes compartilham repúdio contra feministas, judeus, negros e a população LGBTQIAPN+.

O neonazismo é um movimento político que surgiu na Europa após a Segunda Guerra Mundial e que tem como inspiração os ideais do nazismo. Os neonazistas utilizam os ideais nazistas para reproduzir uma visão de mundo deturpada, a fim de promover o ódio contra determinados grupos.

Representação de pessoa oprimida em ambiente virtual (Reprodução/Shutterstock)

O gamer e entusiasta de história na internet Pedro Canário afirma que, frequentemente, testemunha episódios de neonazismo compartilhado em grupos. “Neonazismo e fascistas, em geral, são bem comuns nas áreas de história e jogos na internet, pelo que pego, na real todos os que eu conversei de fato acabaram vindo desses círculos”, pontua. Ele destaca, ainda, que é importante não generalizar e não associar a prática com todos os grupos do nicho.

Na pesquisa, a reportagem constatou que não é difícil encontrar grupos extremistas que compartilham abertamente opiniões de ódio contra minorias. No Facebook, a comunidade chamada “Intankavel o Mundil” acumula perfis falsos compartilhando abertamente conteúdo sensível on-line. Em uma livre tradução da linguagem utilizada pela comunidade extremista na internet, um membro afirma que o namoro entre um homem branco e uma mulher parda pode “estragar a linhagem sanguínea” do rapaz.

ATENÇÃO: O conteúdo abaixo pode ser sensível para algumas pessoas

Postagem em grupo do Facebook (Reprodução/Redes Sociais)

Em uma outra publicação, um jovem faz apologia à prática de pedofilia “Se esperar demais, fica madura”

Comentário em grupo extremista (Reprodução/Redes Sociais)

Ainda no Facebook, um usuário debocha de uma mulher solteira e sem filhos, invalidando o direito da mulher da escolha de ser mãe.

Usuário de grupo publicou “meme” de mulher solteira (Reprodução/Redes Sociais)

Na rede social ‘X’, do bilionário Elon Musk, não é diferente. Um estudo realizado pelo Instituto para o Diálogo Estratégico revelou que as postagens antissemitas em inglês aumentaram mais de duas vezes após a aquisição do antigo Twitter pelo empresário. A Comissão Europeia, em um relatório, indicou que a interação com contas pró-Kremlin subiu 36% na plataforma no primeiro semestre deste ano, após Musk suspender as políticas de mitigação. Em um tweet, um perfil direcionado ao ódio a homossexuais se refere à orientação como “doença mental”.

Postagem no X (Reprodução/Redes Sociais)
Fóruns

Na rede de fóruns ‘4-chan’, famosa por abrigar perfis anônimos, o usuário não precisa se cadastrar, fornecer e-mail ou se identificar de nenhuma forma, o que facilitou a criação de vários sub-fóruns (boards) com temas diversos, como /tv/, que discute filmes e séries, /o/, focado em automóveis. Na subcomunidade /b/, a CENARIUM constatou além de compartilhamento de mensagens racistas, o uso de ‘deepfake’ para reproduzir pornografia de pessoas sem o consentimento das mesmas.

O fórum também é protagonista de um documentário investigativo da Netflix ‘A Rede Antissocial: Dos Memes ao Caos‘. A produção apresenta depoimentos de usuários e as consequências que as brincadeiras no fórum trouxeram para suas vidas.

“Apito de Cachorro”

De acordo como relato do estudante Pedro Canário à CENARIUMexistem os famosos apitos de cachorro, que podem ser um pouco mais difíceis de pegar, mas infelizmente eles vão muito direto ao ponto na internet, provavelmente pela própria impunidade que eles acreditam ter”.

O termo “apito de cachorro”, tradução direta do inglês “dog wistle”, é utilizado para definir sinais que só pessoas do mesmo nicho conseguem entender. A nomeclatura se dá devido ao som do apito de cachorro ser audível apenas por cães, e não por humanos.

O internauta listou à CENARIUM alguns códigos utilizados em grupos de ódio na internet:

  • “Repare a paleta”: Utilizado para se referir a cor da pele de uma pessoa;
  • “((()))”: Tanto sozinho quanto em palavras se refere a judeus;
  • “ESG”: Sigla para “Elites Secretas Globais”;
  • “Msol”: Código para mãe solo;
  • “14/88”: 14 é o número de palavras pra “Devemos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas”. 8 Se refere à a oitava letra do alfabeto, H. HH seria a expressão “Hail Hitler”
  • Beber leite puro: O símbolo se originou de uma antiga interpretação que afirmava que apenas pessoas brancas conseguiriam digerir lactose. Isso gerou um estigma, associando essa ideia aos nazistas.

O caso de “apito de cachorro”, que repercutiu nacionalmente envolve o nome do ex-secretário Especial da Cultura do Brasil, Roberto Alvim. Em 2020, Alvim fez um discurso que incorporava elementos reminiscentes das apresentações do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels.

Jornalistas de diversos veículos notaram várias semelhanças marcantes: a foto de Jair Messias Bolsonaro ao centro, evocando a imagem de Hitler nos discursos de Goebbels; um cenário minimalista destacando apenas uma Cruz de Caravaca e a bandeira do Brasil, simbolizando ideias nacionalistas como religião e pátria; a retórica do secretário refletia o discurso de Goebbels sobre “a nova direção da arte nazista”; e a trilha sonora do vídeo era a ópera Lohengrin, composta por Richard Wagner, um dos favoritos de Hitler.

Frame do vídeo onde Roberto Alvim é acusado de acionar alguns apitos de cachorro (Reprodução/Redes Sociais)
Leia também: Células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil, alerta estudo
Editado por Adrisa De Góes

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