Ausência de checagem incentiva preconceito, charlatanismo e revisão histórica


Por: Jefferson Ramos

11 de janeiro de 2025
Ausência de checagem incentiva preconceito, charlatanismo e revisão histórica
Fim da política de checagem de fatos foi anunciado pela Meta (Composição de Paulo Dutra/Cenarium)

MANAUS (AM) – O fim da checagem de fato por organismos independentes, promovido pela Meta, deverá ampliar o alcance de conteúdo com teor preconceituoso contra grupos vulneráveis, como comunidade LGBTQIAPN+, disseminação de medicamentos sem comprovação científica para tratamento de doenças, além de mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro.

Essa é a conclusão de especialistas consultados pela CENARIUM a respeito do impacto do anúncio da Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp de descontinuar a remuneração de checadores de fatos em suas plataformas após pressões do presidente dos Estados Unidos eleito, Donald Trump, que toma posse no próximo dia 20.

As novas diretrizes permitem, por exemplo, que usuários associem transexualidade e homossexualidade a doenças mentais e que imigrantes sejam chamados de “imundos”. Com o fim da checagem, qualquer usuário das redes poderá adicionar notas em postagens potencialmente enganosas.

A diretora-presidente da Casa Miga, em Manaus, Karen Arruda, destacou em reportagem à CENARIUM que a internet possui poucas regras de convivência, o que a torna uma “terra sem lei”. A dirigente enfatiza, ainda, que embora medidas judiciais no Brasil possam ser tomadas em casos de crimes virtuais, isso seria insuficiente.

“Com essa medida, as redes sociais se tornam solo fértil para a proliferação do preconceito e da LGBTfobia. Com o mínimo de segurança sendo retirado, perderemos ainda mais tempo nos defendendo”, afirmou Arruda.

A advogada e presidente do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM), Natividade Maia, avalia que a medida vai colaborar para que os direitos humanos de minorias raciais sejam relativizados nas redes sociais. Natividade adiciona também que fatos históricos poderão ser manipulados, o que, na visão dela, prejudica a percepção de estudantes e da população.

A expectativa dela é que a ausência de checagem instale uma espécie de “caos social” online. Ela defende que os responsáveis por páginas criadas em redes sociais sejam responsabilizados por eventuais danos causados por publicações nos moldes que acontece com veículos jornalísticos.

“O dono da página tem que ser responsabilizado porque liberdade de expressão não é um direito absoluto. Nem a vida é um direito absoluto. Há várias passagens na própria Constituição e no Código Penal que o direito à vida é relativizado. Da mesma forma, a liberdade de expressão. Ela encontra os seus limites quando a honra e dignidade do outro é violada”, avaliou Natividade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. Esse artigo determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas, se após decisões judiciais, os conteúdos não forem removidos. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro André Mendonça.

Fake news na Covid-19

O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Lucas Ferrante analisa que a pandemia de Covid-19, que teve seu ápice, em janeiro de 2021 com a falta de oxigênio, em Manaus, deu uma amostra de como as redes sociais foram usadas para propagação de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento do coronavírus.

Ferrante destaca que essas informações falsas e a ausência de checagem afetaram drasticamente a tomada de decisão de governos locais pelo País afora.

“Por exemplo, em Manaus, assim como no Brasil em geral, foi amplamente disseminado que medicamentos sem eficácia, como hidroxicloroquina e ivermectina, combatiam a COVID-19, enquanto, na realidade, esses medicamentos aumentavam o risco de morte pela doença. Ao mesmo tempo, essa desinformação foi usada como uma desculpa para que as pessoas não aderissem ao isolamento social, que, de fato, era a única medida eficaz para o controle da COVID-19”, relembrou o pesquisador.

Combate à desinformação

A advogada Denise Coelho, especialista em direito eleitoral, diferencia o combate à desinformação da censura. De acordo com ela, censura é silenciar opiniões legítimas e válidas, combate à desinformação é uma responsabilidade conjunta dos poderes públicos e de toda a sociedade, para fortalecer o estado democrático de direito e evitar que narrativas falsas comprometam a confiança nas instituições.

Coelho critica o Congresso Nacional por deixar de legislar sobre a questão, forçando o STF e o TSE a estabelecer limites a fim de responsabilizar disseminadores de notícias falsas. A especialista emenda alertando que a desinformação tem o poder mobilizar atos antidemocráticos como o 8° de janeiro em que simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) depredaram a sede dos três poderes em Brasília.

“A desinformação é uma ferramenta poderosa para mobilizar protestos anti-democráticos, manipulando fatos históricos e disseminando narrativas que desacreditam instituições e exaltam períodos autoritários, como a ditadura militar de 1964. Esses movimentos, alimentados por fake news, fragilizam o estado democrático de direito ao incentivar ataques às liberdades individuais e coletivas”, finalizou.

Leia mais: Meta altera moderação de conteúdos e enfrenta resistência do STF
Editado por John Britto

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