Balaio de Oxum une catolicismo e religiões de matriz africana em Manaus


Por: Letícia Misna

08 de dezembro de 2024
Dom Hudson Ribeiro (a esq.) e Pai Alberto Jorge (Marcela Leiros/CENARIUM)
Dom Hudson Ribeiro (a esq.) e Pai Alberto Jorge (Marcela Leiros/CENARIUM)

MANAUS (AM) – Manaus sediou, neste domingo, 8, o 20º Balaio de Oxum, evento que reverencia a orixá das águas doces, do amor, da fertilidade e da prosperidade. Neste ano, a celebração foi marcada pelo respeito entre religiões de matriz africana e a Igreja Católica na capital amazonense. A data tem duplo simbolismo, uma vez que celebra Oxum e Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Amazonas.

Celebrantes comemoram 20º Balaio de Oxum, no Centro Histórico de Manaus (Letícia Misna/CENARIUM)

“O ecumenismo é o diálogo entre as igrejas cristãs e o diálogo interreligioso com outras religiões, porque a igreja compreende que toda forma de intolerância é violência, toda forma de preconceito é violência, toda forma de discriminação é violência”, disse o bispo auxiliar de Manaus, dom Hudson Ribeiro, uma das vozes do encontro.

Segundo o representante da Igreja Católica em Manaus, o acolhimento também é uma forma de mostrar que as religiões lutam por causas em comum, como a paz, os direitos humanos e a proteção ambiental – especialmente das águas.

“Em vez de ficar discutindo diferenças doutrinais e outras coisas que não nos aproximam, a gente discute aquilo que de fato nos aproxima para algo positivo em favor da vida dos povos da floresta, dos povos do mundo urbano e de outros contextos onde a vida é ameaçada, e as religiões podem dar uma resposta a partir dessas espiritualidades vividas”, ressaltou o bispo.

Tradição negada

Uma das principais tradições das religiões de matriz africana no Brasil é a lavagem de escadarias, ato que remete ao período colonial quando escravizados eram obrigados a lavar as escadas das igrejas. Atualmente, o ato simboliza luta, resistência e fé.

Em Manaus, porém, a permissão de perpetuar a tradição só foi dada a essa comunidade há apenas 20 anos, quando puderam, pela primeira vez, entrar em uma catedral.

“Foi uma luta de muito tempo. Nós sofríamos muito preconceito, muita discriminação, violência policial nos nossos terreiros… Mas, no instante em que a Arquidiocese [de Manaus] abre suas portas e diz que nós não somos demônios, que nós não somos tudo aquilo de ruim que a sociedade dizia, houve uma mudança de paradigma”, relembrou Xɛ́byosɔnɔ̀ Ọba Méjì Alberto Jorge, coordenador-geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana (Aratrama).

De acordo com ele, essa abertura ocorreu em 2004, fruto de um diálogo e união com o então arcebispo de Manaus dom Luiz Soares Vieira e o padre Luiz Souza.

“E hoje, quando nós temos como bispo auxiliar dom Hudson, que é alguém que dialoga conosco, sempre dialogou, sempre teve esse respeito; quando nós temos dom Leonardo Steiner, que é um bispo, um cardeal, que tem uma abertura muito grande, uma compreensão para essa diversidade religiosa, isso nos deixa muito felizes e crentes em uma cultura de paz”, ressaltou o pai de santo.

Deus é um só

A advogada Luciana Santos, participante do evento, destacou que um encontro como esse é importante especialmente no cenário brasileiro, onde o racismo religioso é recorrente.

“Os crimes de ódio de caráter religioso geralmente recaem sobre as pessoas que fazem parte do axé, das religiões de matriz africana. Então quando lideranças e a comunidade de diversos credos se unem contra essa violência, que é um crime definido em lei, demonstra uma vontade realmente de união, de progresso, de humanidade”, disse.

Participantes de várias idades entoaram canções e demonstraram sua fé (Letícia Misna/CENARIUM)

Ela lembrou ainda que “Deus é um só”, mas chamado por diferentes nomes em diferentes crenças. “Até porque a África é um continente com diversas línguas diferentes. Então, é claro que Deus vai ter uma outra denominação, mas, no fundo, Ele é um só e Ele olha por todos nós”, ressaltou.

Cortejo fluvial

O festejo teve início com um cortejo e uma missa na Igreja Catedral de Nossa Senhora da Conceição, na Praça da Matriz, no Centro Histórico de Manaus, seguida por uma celebração ecumênica na Avenida Eduardo Ribeiro. Após os atos litúrgicos, o grupo seguiu para um cortejo fluvial no Encontro das Águas, para a entrega de “balaio” (presente) a Oxum, levando uma imagem em tamanho real da orixá.

Imagem de Oxum levada para o cortejo fluvial (Letícia Misna/CENARIUM)
Editado por Marcela Leiros
Revisado por Gustavo Gilona

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