Barbeiro mais antigo de Manaus recorda a vida dedicada ao trabalho, em 65 anos de profissão

Barbeiro mais antigo de Manaus conta história de superação ao longo das últimas décadas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Alessandra Leite – Da Revista Cenarium

MANAUS – Mais de meio século depois de tirar o primeiro alvará de funcionamento para serviços de barbearia, em 6 de abril de 1970, o barbeiro mais antigo de Manaus, Edmilson da Costa Barreiros, dono do Salão Tropical – localizado no Centro Histórico da capital amazonense – ostenta muita lucidez, disposição e vitalidade, aos 83 anos de idade, sendo 65 dedicados à profissão pela qual ele se apaixonou ainda na década de 1950.

Natural da comunidade do Supiá, no interior do município de Manacapuru (a 68 quilômetros de Manaus), o caçula de seis irmãos trabalhava com plantação de banana, juta, feijão e outros produtos da cultura rápida, até que a enchente histórica de 1953 obrigou a família a se mudar para Manaus. “Meu pai morreu quando eu tinha um ano e sete meses de vida. Então um tio juntou as duas famílias e ajudou em nossa criação. Viemos todos juntos para Manaus, empurrados pela grande enchente. Em 1956, eu me alistei no Exército e comecei a cortar o cabelo dos meus colegas soldados. Saí em 1957 já com a profissão definida”, relembra o barbeiro.

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O ofício de barbeiro deu ao Edmilson uma vida de alegrias, desafios e empreendedorismo (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Em entrevista à equipe da REVISTA CENARIUM, na sede do salão, na manhã dessa sexta-feira, 30, o homem que vem cortando o cabelo de tantas gerações, diz que nunca teve dúvida sobre mudar de profissão e tem, como sua maior herança, a honestidade, o trabalho e a formação que proporcionou aos quatro filhos graças ao ofício na barbearia. “O trabalho representa a minha vida, a minha família é o meu legado. Todos os meus filhos são bem-sucedidos na vida, sendo um procurador da República, a outra delegada de polícia, um engenheiro e um jornalista. Sempre trabalhei para dar bons exemplos a eles”, conta, orgulhoso.

Neste sábado, 1º de maio, Dia Internacional do Trabalho, Barreiros abrirá o salão normalmente, respeitando todas as medidas de segurança no combate à pandemia de Covid-19. “Se fosse uma sexta-feira, eu não abriria, seria feriado. Mas como o sábado é o melhor dia do salão, abriremos normalmente”, disse.

O início do empreendimento

Barreiros guarda o primeiro alvará de funcionamento do salão, liberado em 6 de abril de 1970 (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

O seo Edmilson lembra a primeira vez que comprou “uma cadeira” em uma barbearia localizada no bairro Cachoeirinha, na zona Sul de Manaus. “Naquele tempo a gente comprava a cadeira para trabalhar. Depois, juntei umas economias e comprei um espaço maior, com duas cadeiras, por um conto e meio”, conta, relembrado a moeda da época.

Em 30 de dezembro de 1969 surgiu a oportunidade, segundo Barreiros, de comprar o local onde hoje funciona o Salão Tropical. “Hoje eu vejo o quanto foi bom vir para Manaus. Se eu não tivesse vindo, nada disso teria acontecido e eu não teria tido a oportunidade de formar os meus quatro filhos. No interior a gente não sabe fazer quase nada além da roça”, ressalta.

O barbeiro relembra que no começo trabalhava de domingo a domingo, mas parou de abrir o salão aos domingos, há 30 anos, para dar mais atenção aos filhos, além de ter tido o carro – um fusca com um mês de uso – levado da frente da Igreja de São Sebastião, prédio vizinho à barbearia. “Quando levaram meu carro novo da frente da igreja eu percebi que não valia a pena aquele trabalho no domingo. Desde então passei a dedicar esse dia a minha família”, conta.

Clientes viram grandes amigos

Uma das maiores alegrias da profissão, segundo Barreiros, é a amizade construída com seus clientes ao longo das últimas décadas. De situações engraçadas a troca de confidências, o seo Edmilson diz que a cadeira onde os seus clientes sentam é, muitas vezes, uma espécie de divã ou mesmo um confessionário. Questionado sobre as milhares de histórias ouvidas ao longo desses anos, ele ri e compara a escuta durante o corte de cabelo a uma confissão com o padre. “Depois de 40 anos de convivência não são mais clientes, são amigos. São segredos de confessionário. O que eles me contam aqui eu não compartilho com ninguém. Sou reservado e isso me trouxe até aqui, com a confiança dos clientes que são meus amigos”, orgulha-se.

Das histórias que não são segredos, ele relembra a de um cliente francês, que chegou ao salão há um ano e meio, falando poucas palavras em Português. “Ele ficou incrédulo de que seria eu o barbeiro, pela minha idade. Mostrou no celular como queria o corte, mas eu nem precisava disso. Depois de 60 anos de profissão não precisamos olhar na internet. Cortei o cabelo dele, depois ele fez uma selfie comigo e falou que mostraria no país dele o barbeiro mais antigo do Brasil e voltaria outras vezes, pois vem ao Brasil uma vez por ano”, diverte-se.

Entre seus clientes conhecidos, Barreiros tinha o ex-senador Gilberto Mestrinho, morto em 2009. “O último corte dele fui eu que fiz. Era um amigo atencioso, bom ouvinte e falava pouco. Ele lembrava de detalhes das nossas conversas, mesmo depois de meses”, recorda.

Adaptação do salão à pandemia

Edmilson com os funcionários em frente ao tradicional salão Tropical (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Fechado pelos decretos que visam conter a contaminação pelo novo coronavírus durante três meses em 2020 e dois meses em 2021, o salão Tropical passou por dificuldades. De acordo com Edmilson Barreiros, “aqui e acolá é preciso recorrer às economias para pagar as contas e os funcionários”.

“Não foi fácil. Eu cumpri todos os decretos e mantive o salão fechado por cinco meses ao todo. Tinha algumas economias para uma emergência e essa emergência chegou, foi a pandemia. “Faço questão de trabalhar, se eu ficar em casa morro em seis meses”, disse.

A despeito da idade avançada e de ser considerado do grupo de risco para a doença e ter sido contaminado, Barreiros enfrentou o desafio e adaptou a rotina do salão às medidas de precaução, como uso obrigatório de máscaras, oferta de álcool em gel e limitação da quantidade de clientes. “Tenho muitos clientes idosos e eles ainda estão com receio de vir ao salão, então nós tomamos todas as medidas necessárias para que o salão possa funcionar em segurança”, ressalta.

Infectado pelo coronavírus em setembro de 2020, Barreiros recorda que “teve muita sorte de não agravar”, além de ter contado com o apoio e o acompanhamento de um médico amigo e cliente durante sua recuperação. “Fiquei oito dias internado e precisei de oxigênio. Tive muita sorte. Trabalhei normalmente no sábado, dia 5 de setembro, domingo comecei a tossir e dia 7 fui internado. A Covid é algo que não tem explicação, você agrava em questão de horas”, lembra.

Seo Edmilson disse que até nesses momentos de aflição com a internação pela Covid-19, os amigos que fez no salão estiveram presentes, dando-lhe suporte. “Perdi um amigo para essa doença. Um amigo de mais de 40 anos. Ele morreu em janeiro e, em setembro, quando adoeci, ele chegou á minha casa 15 minutos depois de eu ter recebido alta, para você ver o que é a amizade que a gente faz nessa cadeira. E não aceitou pagamento pela consulta. Disse que estava lá como meu amigo”, recordou, com os olhos marejados, apontando para a cadeira da barbearia.

O Salão Tropical está situado à rua Tapajós, 13, no Centro Histórico de Manaus e funciona de segunda a sábado, de 9h às 19h, respeitando o decreto governamental e todas as medidas de segurança no combate ao Coronavírus.

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