Biólogo descobre nova espécie de ‘Tartaruga-da-Amazônia’ em região do Pará
05 de janeiro de 2022
Biólogo Fábio Cunha com exemplar da nova espécie. (Arquivo pessoal)
Rômulo D’Castro – Da Revista Cenarium
ALTAMIRA (PA) – Poças temporárias formadas pelo acúmulo de água da chuva. Foi nesse ambiente improvável que o biólogo Fábio Cunha, especialista em quelônios, fez sua maior descoberta. O doutorando em Ecologia Aquática e Pesca, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), entra para o seleto grupo de cientistas que se dedicam à pesquisa integral sobre quelônios. A descoberta ocorreu em 2018, mas somente agora foi catalogada por conta do processo burocrático.
Foi durante uma tarde de “folga”, catalogando espécies que ele já conhecia, que veio a descoberta. “Toda a parte livre da minha vida eu estou em campo e foi numa tarde dessas, procurando indivíduos de espécies já conhecidas, que eu encontrei”, comemora.
O estudo se concentra no município de Juruti, na parte chamada de Juruti-Velho, Oeste do Pará. Daí o nome dado pelo pesquisador: Mesoclemmys jurutiensis (junção das palavras “tartaruga“, em grego, e “Juruti”, em latim). Em português livre, significa “tartaruga de médio porte de Juruti”. Confira o artigo completo neste link.
Registro mostra animal em seu habitat natural. (Arquivo pessoal/ Fábio Cunha)
Entre os exemplares para comparação na pesquisa, Fábio encontrou uma fêmea que media 20 centímetros, tamanho de uma mão aberta.
O doutorando garante que a Mesoclemmys jurutiensis é totalmente diferente das registradas anteriormente ao achado no interior do Pará. “Possui carapaça (região superior do casco) em tonalidade avermelhada, o plastrão (parte inferior do casco) é amarelo-queimado. Outra característica peculiar é a cabeça triangular com grandes olhos próximos às narinas”, detalha.
Tartaruga com “mania” de urso
Durante a pesquisa, a equipe comandada por Fábio Cunha, com colaboração de Iracilda Sampaio e Richard Vogt fez, ainda, outra descoberta espetacular para a Ciência. Os cientistas observaram que a nova tartaruga da Amazônia “dorme” durante boa parte do ano. É algo parecido com o que acontece com ursos de zonas temperadas, quando o grande mamífero descansa ao longo do inverno, economizando energia para, quando as temperaturas subirem, estar preparado para o ciclo de reprodução e busca por alimentos.
Animal desacelera o metabolismo no período do verão amazônico. (Arquivo pessoal/ Fábio Cunha)
Mas, com clima bem diferente de áreas predominadas pelo frio constante e fortes geadas, a nova tartaruga da Amazônia pratica a “estivação” (parecido com o processo de hibernação, mas em épocas diferentes do ano). Ocorre no período de estiagem, no chamado verão amazônico, quando diminui a oferta de alimentos e áreas para reprodução. O processo pode durar até seis meses.
“Quando aparecem as primeiras chuvas, como elas sabem que vão ter parceiros para fazer a reprodução, alimento, recurso, ambiente e água disponível, elas saem desse processo de estivação e entram em atividade”. A pesquisa apontou que o comportamento se repete ano após ano.
Além da Mesoclemmys jurutiensis, descoberta pela equipe de Fábio Cunha, o Brasil possui outras 32 espécies de tartaruga de água doce. A nível global, o planeta tem registradas 357 espécies de tartarugas, incluindo as marinhas que podem chegar a 180 quilos. A pesquisa que terminou com a descoberta da Mesoclemmys jurutiensis foi oficializada no dia 29 de novembro de 2021, com a publicação de artigo publicado pela revista Chelonian Conservation and Biology e está disponível em diversos idiomas, incluindo o português.
Mas, o processo até aqui foi longo, explica o doutorando em Ecologia, pela Universidade Federal do Pará. “É minucioso, delicado e lento. Desde o início, com a primeira captura em 2018 […] é um processo extremamente importante e necessário, pois a Ciência se constrói com dados e, quanto mais robustos forem esses dados, melhor para garantir que a hipótese científica seja aceita”, finaliza Fábio Cunha.
Descoberta e comunidade
Para ter êxito no andamento sobre a nova espécie que foi descoberta em 2018, Fábio e sua equipe tiveram que respeitar os limites e, principalmente, contar com autorização e apoio da comunidade onde a pesquisa foi realizada, em Juruti-Velho, no Oeste do Pará. “A comunidade participou ativamente do processo com captura dos animais […] a fim de acrescentar mais dados à pesquisa. Somente com conhecimento técnico-científico atrelado ao conhecimento tradicional, muitas descobertas foram possíveis”, comemora o mais novo integrante do quadro seleto de descobridores de espécies de tartarugas no planeta.
Características do animal são detalhadas em artigo publicado. (Arquivo pessoal/ Fábio Cunha)
Ameaça
Entre as espécies do rico bioma da Amazônia, a tartaruga de água doce é a mais ameaçada de extinção, segundo levantou a pesquisa do doutorando da UFPA. Descobrir uma nova tartaruga em ambiente hostil para esse animal aquático é um avanço e tanto. Fábio alerta que “a Amazônia é uma área prioritária para a conservação das espécies de tartarugas do planeta. Além disso, a região tem alto ‘endemismo’, ou seja, uma vez que desaparecerem daqui, desaparecerão do globo”.
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