Blocos afro denunciam Prefeitura de Belém por exclusão no Carnaval
Por: Fabyo Cruz
28 de fevereiro de 2025
BELEM (PA) – Os blocos afro de Belém (PA), que há décadas marcam presença na abertura oficial do Carnaval da cidade, denunciam que foram excluídos da programação oficial de 2025. À CENARIUM, o babalorixá Edson Catendê, presidente da Associação dos Filhos e Amigos do Ilê Axé (Afaia), afirmou nessa quinta-feira, 27, que a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Semcult) não incluiu o Afoxé Ita Lemi Sinavuru e o Bloco Afro Axé Dudu na organização das festividades deste ano.
“A gente sempre abriu o Carnaval. Nunca foi uma questão de concorrer, mas sim de ocupar um espaço que é nosso por direito. Este ano, simplesmente, fomos deixados de fora. Não fomos convidados, não fomos chamados para dialogar. É um apagamento da nossa cultura”, denunciou Catendê à reportagem.
A história dos blocos afro em Belém remonta a 1987, quando foi criado o Bloco Afro Axé Dudu pelo Centro de Defesa e Estudos do Negro do Pará (Cedenpa). Desde então, o grupo participou ativamente da folia, trazendo os ritmos afro-brasileiros, como o ijexá, para as ruas da capital paraense. Em 2003, foi fundado o Afoxé Ita Lemi Sinavuru, um bloco diretamente ligado às comunidades de terreiro, resultado da união entre o Ilê Iyá Omi Asé Ofá Kare, de tradição Ketu, e o Mansu Nangetu, de tradição Bantu.
Nos primeiros anos, os blocos eram convidados pela prefeitura para abrir o Carnaval, recebendo uma subvenção para cobrir custos de estrutura, indumentária e logística. No entanto, segundo Catendê, a relação com o poder público começou a se desgastar a partir de 2013, na gestão do então prefeito Zenaldo Coutinho.
“Nós abrimos o Carnaval por mais de dez anos, então foi um choque quando disseram que não podíamos mais sair. A justificativa era de que atrapalhávamos os horários das escolas de samba. Tivemos que recorrer ao Ministério Público Estadual para garantir nossa permanência na festa”, relembra Catendê.

Após a denúncia, a prefeitura voltou a permitir a participação dos blocos afro naquele ano, mas retirou o apoio financeiro. “Antes, recebíamos uma ajuda de custo para organizar o desfile, mas a prefeitura cortou. Disseram que, se quiséssemos sair, teríamos que nos virar sozinhos. E nós fomos, porque não vamos abrir mão desse espaço que conquistamos com luta”, comentou.
Nos últimos anos, a relação com a administração municipal oscilou. Em 2023, na gestão do ex-prefeito Edmilson Rodrigues, os blocos participaram do Carnaval, mas sem apoio financeiro, contou Catendê. Já em 2024, a prefeitura voltou a conceder uma subvenção de R$ 8 mil para cada grupo. No entanto, para 2025, a exclusão dos blocos da programação oficial reacendeu o alerta sobre a invisibilização da cultura negra na cidade.
A decisão da Semcult gerou forte reação entre coletivos e movimentos negros, que divulgaram uma nota de repúdio denunciando a exclusão como um caso de racismo institucional. O manifesto, assinado por diversas associações culturais e religiosas de matriz africana, ressalta que a retirada dos blocos afro da programação do Carnaval não é um ato isolado, mas sim parte de um apagamento sistemático das tradições negras na cidade.
“O Carnaval, que deveria ser uma celebração da diversidade e resistência, torna-se, neste contexto, um campo de violação dos direitos humanos, evidenciando um racismo social e estrutural que se estende até as festividades. A exclusão dos blocos afro é um ataque às raízes, à identidade e à luta das comunidades negras, e não será aceita.”
A nota também convoca a sociedade a se mobilizar e reforça a realização do Circuito Afro Antirracista “Mãe Raimundinha da Cocada”, criado pelos blocos como forma de protesto contra o racismo cultural.
MPF dá 24 horas para prefeitura se manifestar
Diante da exclusão do Carnaval deste ano, os blocos já acionaram o Ministério Público Federal (MPF). A entidade requisitou, no dia 26 de fevereiro, que a Semcult se manifeste, no prazo de 24 horas, sobre o fato de blocos afro e afoxé terem sido excluídos da programação oficial do Carnaval deste ano na capital paraense.
Além de expressar sua posição a respeito do suposto ato de racismo institucional, o MPF pediu à secretária municipal de Cultura e Turismo de Belém, Cilene Sabino, que apresente resposta sobre as ações que serão implementadas para solucionar as questões e atender às reivindicações levantadas pelas organizações sociais.
“Se a prefeitura não nos escuta, vamos recorrer à Justiça. O Carnaval é um espaço de todos, e a cultura negra não pode ser apagada. Belém precisa entender que o Carnaval sem afoxé, sem bloco afro, sem a presença do povo de terreiro, é um Carnaval incompleto”, conclui Edson Catendê.
A CENARIUM solicitou um posicionamento sobre o caso à Semcult. Leia abaixo na íntegra:
“A Prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, informa que não houve previsão orçamentária para a inclusão de subvenção a nenhum bloco que previamente desfilava durante os Desfiles de Carnaval.
A Secretaria ressalta, ainda, que foi aprovada a participação dos blocos na abertura do segundo dia de desfiles do grupo especial. No entanto, sem qualquer subvenção ou apoio financeiro.
A não-inclusão de apoio financeiro aos blocos se deu por conta da situação financeira encontrada, pela nova gestão, no município, com estruturas precarizadas e diversas dívidas que levaram a necessidade de cortes de gastos e reestruturação da prefeitura, como tem sido amplamente divulgado.
A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo reitera seu compromisso com a cultura do nosso povo, sem qualquer discriminação, e segue empenhada em contribuir na eliminação de qualquer ato de discriminação racial”.