‘Bois-bumbás por serem culturais são também políticos, porém, não partidários’

A direção dos bois Garantido e Caprichoso determinaram a proibição do uso de imagem dos itens oficiais e torcidas ligadas aos bois em eventos político-partidários (Reprodução/ Divulgação)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS- A direção dos bois Garantido e Caprichoso determinaram a proibição do uso de imagem dos itens oficiais e torcidas ligadas aos bois em eventos político-partidários. A determinação foi divulgada depois da visita do coronel Menezes (sem partido) ao município de Parintins, (369 quilômetros de Manaus), no último sábado, 19. Após o aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) e pré-candidato ao Senado aparecer em imagens ao lado de um simpatizante representando o Boi Caprichoso, no aeroporto Júlio Belém, o caso repercutiu negativamente na mídia e redes sociais.

As determinações dos bumbás trazem à tona a reflexão de como pode ser complexa a ligação cultural com questões políticas e de como isso pode gerar “problemas” para a democracia, uma vez que pretensos candidatos podem se validar da abrangência de uma manifestação popular para reverter em votos. Na análise do sociólogo e cientista político Helso Ribeiro, é inquestionável que a política se faz presente em todos os âmbitos da sociedade, mas é necessário entender quando isso é usado como promoção política.

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“Os bois têm ligação política, sabemos disso, o que é estranho é quando percebemos alguém que nunca teve uma ligação visceral com isso, utilizar de ícones dessas manifestações culturais para catapultar uma campanha política. Entendo que, ninguém tendo ou tendo ligação, deveria usar agremiações, pois se você ver bem, os simpatizantes, tanto de Caprichoso, Garantido, Fluminense, Flamengo, seja lá de onde for, eles são heterogêneos em suas escolhas políticas e, então, ninguém deve se apropriar destas imagens para uma promoção política”, analisa Helso.

Coronel Menezes (Reprodução/ Internet)

Interesses X Verdade

Embora os interesses eleitoreiros não sejam algo incomum de acontecer, o cientista político salienta para entendimento de que um candidato pode, sim, se preocupar em fomentar atividades culturais. “Quando um outsider tenta se apropriar, fica mais feio ainda porque percebemos um interesse meramente eleitoreiro. Lógico que há aqueles preocupados mesmo em fomentar, mas é diferente”, explica o sociólogo e cientista que relembra episódios do tipo.

“Nesse momento pré-eleitoral vamos ver essas cenas que beiram ao ridículo. Nunca esqueço de um certo candidato, numa quadra, sambando, sem ao menos nunca ter pisado numa escola de samba. Nesse momento, tal qual candidatos carregam criancinhas, tiram fotos com pessoas carentes e afins, eles também tentam se apropriar da popularidade que essas manifestações culturais desenvolvem. Já outros, a gente sabe que de fato possuem ligações com estas manifestações, mas quando é caindo de paraquedas a foto fica igual aqueles políticos que odeiam crianças, mas pousam e carregam para as câmeras durante as eleições”, considera.

Cultura e democracia

Na leitura do antropólogo Ademir Ramos, qualquer manifestação cultural no contexto democrático tem que ser marcada pela democracia. A cultura não pode afrontar o direito democrático, ela eleva a democracia, a partir do momento em que ela afirma uma determinada identidade social, regional, nacional marcada pela diversidade de valores, numa conjuntura política em prol da democracia, seja ela participativa ou representativa.

“Qualquer manifestação cultural no contexto democrático tem que seguir as práticas da democracia que se caracteriza pelo imperativo da norma, da lei, do direito e da justiça, numa conjuntura plural. Elas estão profundamente articuladas. A democracia torna-se legítima por meio cultural, pelos seus valores, princípios, identidades de um povo. É importante que antes de tudo entendamos isso”, destaca Ademir que comenta sobre os grandes movimentos de massa serem constantemente procurados tanto pela direita quanto pela esquerda, por conta da forte abrangência que possui.

“A cultura de massa interfere no comportamento da população e do eleitor? Ora, vemos muitos artistas envolvidos com o boi que se candidataram e não ganharam, também há os que vieram do boi e conseguiram se eleger. Veja só como há um peso e um contrapeso, mas não tem uma decisão direta. O fato é que o boi, sendo uma manifestação cultural, participa desse processo, mas não é um fator determinante para seduzir os eleitores às urnas (…) a cultura possui grande valor, sim, procurado tanto pela direita, quanto pela esquerda que pode, diretamente ou indiretamente, influenciar, isso é possível, mas não determinante”, pontua Ademir.

O estudioso atenta que os bois-bumbás por serem culturais são também políticos, porém, não partidários, e reduzir os bois a interesses de determinadas candidaturas se torna um processo eleitoral que pode ter um peso junto aos seguidores das instituições. “É ideológico, é político e cultural, e reduzir isso à candidatura, creio que afronta o próprio estatuto deles, mas é necessário ler para se respaldar”, diz Ramos.

Posicionamento

Procurado pela equipe da REVISTA CENARIUM para saber qual o posicionamento diante da repercussão do assunto, o pré-candidato ao senado coronel Menezes declarou que a ideia de ser recebido pelos bois foi de apoiadores bolsonaristas da ilha e que a assessoria, abraçando a ideia, mandou a solicitação para as devidas associações pedindo a presença dos bumbás para recepcionar a chegada do pré-candidato ao município.

De acordo com Menezes, após a assessoria enviar a solicitação o Garantido não teria confirmado a presença, mas o Caprichoso, ao contrário do que afirmou em nota divulgada nas mídias, teria conhecimento sobre a presença do boi no aeroporto.

Ofício de solicitação (Reprodução/ Arquivo pessoal)

“Sábado à noite eu vi a repercussão na internet, ainda em Parintins. Os bolsonaristas do Garantido questionando porque o boi deles também não estava nas fotos. No domingo, o presidente do Caprichoso lança uma nota, por pressão política, afirmando que não sabia do que estava acontecendo e falando que o boi que estava lá (aeroporto) não era o deles. Ninguém tira boi do curral de ninguém e ninguém faz boi fake e, quando ele emitiu isso, os apoiadores de Parintins pegaram a nota e falaram: ‘olha, presidente, o senhor sabia, sim’ e, inclusive, falaram que foi você quem levou o boi, então, ele (presidente) está faltando com a verdade”, diz Menezes, que não identificou os nomes que teriam levado o boi de pano para a recepção no aeroporto.

Ele completa sugerindo uma auditoria para provar a verdade e ressaltando que o Garantido não teria sido liberado por conta de favores pendentes a um determinado político da região.

“Se ele não recebeu o ofício, alguém recebeu pra ele e não falou com ele, isso é um problema da casa dele, mas o boi que estava no aeroporto era o boi do curral. É só apurar, fazer uma auditoria para ver que ele está mentindo. Agora, no caso do Garantido, a não liberação se comenta à ‘boca miúda’ que o presidente não liberou a ida do boi por conta de favores que ele deve a um certo senador. É só vê a afinidade, vermelho, PT, esquerdista”, comenta o coronel.

Ofício de solicitação (Reprodução/ Arquivo pessoal)

Tirando proveito

O coronel afirma que se a intenção era prejudicar a figura dele por conta de questões políticas, na verdade, a situação o ajudou na visibilidade, embora não tenha sido algo planejado. Questionado se teria ido à cidade para cumprir agenda política, Menezes negou e afirmou ter ido para um encontro a convite feito por apoiadores do presidente.

“Eu não me sinto prejudicado e estou morrendo de rir com essa situação. Eu saí de lá com toda a população de Pin e dos arredores querendo saber quem sou eu, e mostrando, exatamente, o lixo que são esses camaradas políticos que se acham o dono do Estado, e o lixo que é a qualidade da política que eles fazem”, salienta Menezes.

Caprichoso

Procurada pela CENARIUM, a assessoria de imprensa do Boi Caprichoso informou que, de fato, recebeu o ofício de solicitação, mas não houve a liberação do boi e tampouco o pedido respondido de volta para a assessoria do coronel.

A Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso, através do seu presidente Jender Lobato, vem por meio desta nota comunicar que não autoriza o uso da imagem do Boi, dos seus itens e de sua torcida para fins político-partidários. (…) Em um contexto de polarização político-partidária, não nos posicionamos. Acolhemos, em diferentes contextos, a todos os visitantes e colaboradores de nossa Associação Cultural. Recebemos de braços abertos, como o contrário aliás, diferentes autoridades da República e do Estado do Amazonas, todas eleitas democraticamente. Mas, não fazemos campanha nem temos lado, pois nosso partido é a cultura popular e a preservação do patrimônio”, determina um trecho da nota.

Trecho da nota publicada pelo Boi Caprichoso (Reprodução/ Instagram)

Em relação à recepção feita para o coronel Menezes, onde aparece o boi que defende as cores azul e branco nas imagens, a assessoria do Boi-Bumbá Caprichoso informou que não sabia que o bumbá seria levado para uma recepção no aeroporto de Parintins e, segundo o documento, nem o boi e nem o tripa (pessoa que dá vida e movimento ao boi de pano) eram oficiais ou substitutos da associação.

Sobre o ocorrido e sua repercussão em sites de notícias e redes sociais, não sabíamos que o Boi Caprichoso seria levado para uma recepção no aeroporto de Parintins. Ressaltamos, ainda, que nem o boi que foi levado nem o tripa eram os oficiais; nem oficiais nem substitutos. (…) Ainda sobre o ocorrido, deixamos claro que os responsáveis serão autuados, não como retaliação por filiar-se a partidos ou grupos, mas porque os Bumbás devem zelar pela isonomia e equidade de tratamento a todos os cidadãos, inclusive aos representantes do Estado e, em especial, aos trabalhadores da cultura“, ressalta o documento.

Garantido

Assim como o Caprichoso, o Boi Garantido também foi procurado para saber qual seu posicionamento perante as declarações de Menezes. Em resposta, o boi vermelho e branco respondeu que não dará mais continuidade sobre o assunto e que o posicionamento do bumbá está exposto em nota divulgada na mídia.

A diretoria da Associação Folclórica Boi-Bumbá Garantido (AFBBG) comunica a todos os corpos artísticos, gestores de coletivos, representantes administrativos, associações vinculadas e demais colaboradores, que está TERMINANTEMENTE PROIBIDA a participação do Boi Garantido ou corpos artísticos integrantes da associação folclórica em eventos de natureza político-partidária sem a anuência ou devida autorização por parte da presidência da AFBBG. A insistência será considerada como ato infracionário e terá pronta resposta da diretoria do Boi Garantido“, consta a nota.

Nota do Boi-Bumbá Garantido (Reprodução/ Instagram)

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