‘Estigmatização e promoção da homofobia’, dizem especialistas após Bolsonaro associar Monkeypox a homossexuais
11 de agosto de 2022
Bolsonaro associou a Monkeypox com a homossexualidade (Reprodução)
Priscilla Peixoto – Da Agência Amazônia
MANAUS – O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), foi denunciado no Ministério Público Federal após fala considerada homofóbica durante uma entrevista ao Flow Podcast no último dia 8 de agosto. A representação é assinada pela vereadora de São Paulo Erika Hilton (PSOL) e a suplente de vereadora Natasha Ferreira também do (PSOL), em Porto Alegre, que acionaram o MPF na quarta-feira, 10.
Ao conversar com o apresentador Igor Rodrigues Coelho, o ‘Igão’, sobre vacinas e questões epidemiológicas, Bolsonaro associou a Monkeypox (popularmente conhecida como varíola dos macacos) com a homossexualidade. “Tu não me engana. Eu tenho certeza de que você quer tomar”, disse o presidente em tom de piada para o apresentador ao confirmar que tomaria vacina contra a doença.
“Pode parecer que ele está sendo somente ‘babaca’ mas, na verdade, Bolsonaro está sendo homofóbico mais uma vez (…). Quando ele faz uma piada desse jeito, ele está tentando relacionar uma população inteira vinculada, especificamente, à varíola dos macacos. É a mesma coisa que fizeram com a gente, com o estigma do HIV e da AIDS”, frisou Natasha Ferreira na rede social Instagram.
Em entrevista ao Estadão, a vereadora Erika Hilton declarou que a ação é um modo de impedir os estigmas de violência promovidos pelo presidente. “Se tem algo que Bolsonaro aprendeu nesses anos foi cometer crimes contando com a impunidade, disfarçando suas falas como piadas. Entramos no Ministério Público, novamente, pois, nenhum tipo de estigma negativo e violência, desde os mais sutis aos mais explícitos, podem passar impune”, disse a vereadora engajada em pautas sociais e pautas trans.
A representação é assinada pela vereadora de São Paulo Erika Hilton (Reprodução/Internet)
Consequências negativas
Na leitura do professor de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutor em educação e militante social, Jeffeson William, a postura do presidente, além de estigmatizar, pode levar à “normalidade”, como ocorreu na década de 1980 em que, embora, qualquer pessoa que tivesse relações sexuais poderia contrair o vírus do HIV, a doença ficou conhecida como “peste gay”.
“Ou seja, a população LGBTQIAP+, sobretudo, o seguimento gay, foi estigmatizado socialmente, e isso trouxe inúmeros problemas. Nessa época, o preconceito, a discriminação e a violência lgbtfóbica aumentaram exponencialmente“, conta o professor.
Jeffeson William destaca, ainda, que a população em geral deve muito à militância do Movimento LGBTQIAP+, que desde cedo, e a partir das relações de solidariedade, criou estratégias de reação à epidemia de HIV reivindicando a situação como de saúde pública e inserindo na agenda do Estado a prevenção e o tratamento da enfermidade o que, atualmente, beneficia milhares de pessoas.
“Repetir o mesmo erro com a Monkeypox é, no mínimo, querer setorializar um problema que não pertence a grupo A ou B, mas, sim, a toda sociedade, considera Jeffeson.
Declaração polêmica
Outra fala polêmica em relação ao tema foi do próprio diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, ao anunciar medidas de contenção da varíola, no final do mês de julho deste ano. Logo após o pronunciamento, profissionais da saúde, a fala do diretor foi um tanto quanto precipitada.
“A melhor maneira de fazer isso é reduzir o risco de exposição. Isso significa fazer escolhas seguras para você e para os outros. Para homens que fazem sexo com homens, isso inclui, no momento, reduzir o número de parceiros sexuais, reconsiderar o sexo com novos parceiros e trocar detalhes de contato com esses novos parceiros para permitir o acompanhamento, se necessário“, declarou Tedros.
Para o ativista e educador em saúde, com foco na população LGBTQIA+, Lucas Brito, a declaração do representante da OMS teria, primeiramente, que informar sobre o contágio de maneira geral.
“O número de casos cresce entre esse grupo de homens, mas é importante entender que ainda que seja baseada em dados, a declaração feita precisava reforçar/evidenciar que a Monkeypox pode e já está atingindo outros grupos“, diz o ativista que complementa.
“E quando a gente pensa no HIV/AIDS e na forma que esses estigmas e preconceitos se estendem, até hoje, enquanto pessoas LGBTQIA+ ligadas à saúde ou não, entendemos e recebemos essa declaração com preocupação. Queremos nos proteger e lutamos para que essa proteção se estenda a ‘todes‘. E o foco, hoje, precisa e deve ser entender os sintomas e tratar e, principalmente, vacinar a população. Por que a declaração não foi sobre a necessidade dos governantes focarem em vacinar a população antes que os números cresçam descontroladamente?“, questiona.
A infectologista Ana Galdino ressalta que doença não escolhe perfil. Ao falar de vírus, o correto é abordar as formas de transmissão. Segundo a profissional, por ser uma doença com mais possibilidade de ser transmitida por contato, qualquer pessoa pode ser suscetível à contaminação.
“No caso da Monkeypox, temos a transmissão de contato e à via gotícula, sendo esta segunda opção a mais difícil de acontecer. Todos precisam ficar atentos, ela não é, de modo algum, uma doença restrita aos LGBTQIA+”, explica a médica.
“Temos, sim, relatos de homens que fazem sexo com outros homens, que se contaminaram com a varíola, mas volto a reforçar que não para ser associada a este grupo. Prova disso é que já temos notificações de crianças e mulheres grávidas com a doença. O estigma é algo que nós profissionais não aprovamos e nosso foco é a prevenção, o cuidado e a informação correta“, finaliza.
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