Bolsonaro visita área de garimpo ilegal em terra indígena que prometeu anular

Bolsonaro usa cocar durante discurso em terra indígena. (Reprodução)

Com informações da Folha de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) visitou uma região de garimpo ilegal dentro da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol (RR), na terça-feira, 26. Em discurso, o mandatário voltou a defender a legalização da atividade.

A visita ocorreu na comunidade Flechal, município de Uiramutã, fronteira com a Venezuela.

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Um relatório recente do CIR (Conselho Indígena de Roraima), que criticou duramente a presença de Bolsonaro, afirma que o garimpo ilegal de ouro começou ali há cerca de dois anos, em meio a uma invasão generalizada de garimpeiros, incentivados pela promessas de regularização feitas pelo presidente.

“De maneira mais ampla, lideranças relatam que o garimpo ilegal na região das Serras tem agravado uso abusivo de álcool, cujo consumo é proibido em terras indígenas, e de drogas ilícitas, como a maconha”, diz o documento.

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“Há uma desestruturação social das comunidades porque jovens estão deixando de trabalhar nas roças, com a comunidade, já não colabora mais com ninguém para trabalhar apenas garimpando; tornaram-se ‘escravos daquele ritmo de vida’, relatam”, segue o texto.

Sem mencionar os impactos da atividade, Bolsonaro discursou: “Esse projeto não é impositivo. Diz: se vocês quiserem plantar, vão plantar. Se vão garimpar, vão garimpar, vão garimpar. Se quiserem fazer algumas barragens no vale do rio Cotingo, vão poder fazer”.

Trata-se de uma referência ao projeto de lei 191, apresentado no ano passado e que regulamenta mineração e exploração de recursos hidrológicos e de petróleo em terras indígenas.

Para líderes indígenas, a proposta provocará uma invasão de não indígenas aos seus territórios, com fortes impactos ao modo de vida das comunidades e ao meio ambiente.

O aumento dos garimpos ilegais durante o governo Bolsonaro já tem causado danos em diversas terras indígenas, como yanomami, em Roraima, e munduruku, no Pará.

“Houve surto de malária recentemente nas regiões de Flechal, Caracana, Monte Moriá, apenas contida após ação dos agentes indígenas de saúde e epidemiologistas indígenas para controle da epidemia”, diz o relatório do CIR.

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Localizada na fronteira com a Venezuela e com a Guiana, a homologação da TI Raposa Serra do Sol sofre oposição histórica de Bolsonaro e dos militares.

Após ser eleito, em 2018, a sua equipe de transição chegou a preparar um decreto para revogar a demarcação, ratificada pelo STF (Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, mas depois recuou.

“O avanço da Covid-19 também foi acelerado em função da circulação de pessoas, e há relatos de aumento de casos de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis). O desempenho escolar das crianças e adolescentes cujos pais estão no garimpo também fica prejudicado”, completa o documento.

Outro adversário da demarcação é o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general Augusto Heleno.

No governo do presidente Lula (PT), ele foi retirado da chefia do Comando Militar da Amazônia (CMA) ao criticar a demarcação da Raposa em palestra. Ele chamou a política indigenista da época de lamentável e caótica.

Na eleição de 2018, obteve 71,5% dos votos no segundo turno em Roraima, mas perdeu para Fernando Haddad (PT) nos três municípios localizados dentro da TI Raposa Serra do Sol: Pacaraima, Normandia e Uiramutã. A região é habitada pelos povos macuxi, wapichana, taurepang, ingaricó e outros.

A região é o reduto eleitoral da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), a única parlamentar indígena do país.

Em nota, o coordenador-geral do CIR, Edinho Macuxi, criticou a ida do presidente à terra indígena: “Repudiamos a presença do presidente. Ele não é bem-vindo na nossa terra”.

“A TI Raposa Serra do Sol é lar de 28 mil indígenas que obtiveram, após 35 anos, de lutas, mortes de lideranças e conflitos, o direito legal sobre este território, de 1,7 milhão de hectares, sendo assim soberana, e constitucional, a proteção desse território”, diz a nota.

Em minoria, os indígenas da região que defendem o garimpo estão ligados à Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), presente na visita de Bolsonaro.

Na semana passada, a Justiça Federal de Roraima condenou a Sodiur e um grupo de fazendeiros brancos a pagar R$ 200 mil por ataque a comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2004, durante o processo de demarcação. Na época, um grupo armado incendiou três comunidades.

Então deputado federal, Bolsonaro lutou desde o primeiro mandato contra a demarcação de terras indígenas, incluindo a Yanomami e a Serra do Sol, sob o argumento de que seriam ameaças à segurança nacional.

No discurso desta terça, afirmou: “Desde quando cedo, quando entrei no Exército brasileiro e, depois, em 1991, quando cheguei à Câmara dos Deputados, eu pensava em vocês”.

Depois da visita à Roraima, o presidente desembarcou na noite desta quarta-feira, 27, em Manaus, cidade que foi um dos epicentros de mortes por Covid-19 durante a pandemia, inclusive com falta de oxigênio nos hospitais em janeiro deste ano.

No mesmo dia em que foi alvo de pedido de indiciamento da CPI da Covid do Senado, que teve como um dos objetos de investigação as mortes em Manaus, o presidente participou de um baile de formatura de praças da Polícia Militar do Amazonas. Ele não usou máscara e gerou aglomeração.

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Bolsonaro ainda foi recebido em jantar, onde foi servido um peixe, na casa em Manaus do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que também integra relatório aprovado na terça, 26, pela CPI.

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