Bruno Pereira tinha forte relação de amizade com indígenas e era visto como ‘protetor’ dos povos originários

(Gary Calton Photography)
Bruno Pacheco — Da Revista Cenarium

MANAUS — O indigenista Bruno Pereira, que estava licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) para acompanhar o jornalista britânico Dominic Phillips em uma missão na Amazônia, tinha forte relação de amizade com indígenas e era visto como protetor dos povos originários. Morto aos 41 anos, junto com o inglês, após eles serem ameaçados por pescadores na região do Vale do Javari, no Amazonas, o ativista deixa um legado e um ensinamento sobre como atuar em defesa das populações originárias.

A confiança — palavra que diz respeito à fé que se coloca em alguém – era algo depositado entre ambas as partes, seja dos povos originários para com Bruno, ou vice e versa. Da imagem do “ombro amigo” em que o indigenista cede para uma criança indígena, numa simples e singela foto que ilustra – tão bem – o elo de companheirismo existente entre ambos os lados e que viralizou nas redes sociais, ao vídeo em que Pereira surge entoando um cântico no idioma Kanamari, no meio da mata, era possível observar que o ativista era prestigiado e respeitado pelo povo da floresta.

Bruno Pereira entoando um cântico no idioma Kanamari, no meio da mata (YouTube)

“Além de parceiro e ativista, o Bruno era um amigo pessoal, um irmão do mato, meu e do Eliésio [Marubo], da Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari] e de todos os povos indígenas do Vale do Javari”, lembrou nessa quarta-feira, 15, o líder indígena Beto Marubo, após a Polícia Federal comunicar a localização de “remanescentes humanos” na área de buscas pelo corpo do indigenista e do jornalista.

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Beto é membro da Univaja e trabalhou, durante 14 anos (de 2003 a 2017), em uma das bases da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, região da Tríplice Fronteira entre Colômbia, Brasil e Peru, onde há grande presença do narcotráfico. O líder indígena conheceu Bruno há 12 anos, quando o indigenista iniciava a carreira na área. Com o passar do tempo e a convivência diária com as populações tradicionais, o ativista se tornou um dos maiores especialistas em indígenas isolados ou de recente contato do País.

Bruno Pereira rodeado de amigos indígenas (Foto: Survival International)

Nas redes sociais, Beto Marubo reafirmou a grandeza de Pereira como indigenista e afirmou que “qualquer lição que demonstre o contrário é com a intenção de desconstruir” a história dele na área. “Ele tem o nosso respeito e é o nosso herói do Vale do Javari”, disse Beto Marubo, no Twitter.

“Bruno Pereira é meu amigo há mais de uma década, além de ser um dos grandes indigenistas da atualidade”, destacou o líder indígena, na semana passada, ao pedir ajuda para cobrar as autoridades a encontrar Bruno Pereira e Dom Phillips.

Sabedoria linguística

A relação de Bruno Pereira com os indígenas não era meramente de amizade, mas de troca de conhecimento, cultura e sabedoria linguística. Além de atuar na busca pelos direitos dos povos originários como servidor da Funai na região de Atalaia do Norte, no Amazonas, por mais de uma década, ocupando ainda o cargo de coordenador regional, o indigenista falava quatro línguas das populações locais e participou de, pelo menos, dez longas expedições de localização de isolados.

Em língua Kanamari, cujo grupo indígena habita o Oeste do Amazonas, Bruno Pereira mostrou sua habilidade de fala cantando uma música tradicional desse povo. Em um vídeo emocionante e nacionalmente compartilhado na internet, o indigenista é filmado sorridente e, aparentemente, se divertindo com amigos em uma área florestal entoando o cântico.

Também conhecidos como “Tukuna”, a maioria dos Kanamari vive no alto-médio Rio Juruá e se espalha nas proximidades do alto do Itaquaí, afluente do Javari, e também no médio Javari e no Japurá. Ao jornal O Globo, o líder indígena Eliésio Marubo destacou que a canção entoada por Bruno tem forte apelo espiritual e costuma ser cantada durante o ritual da ayahuasca.

Fim trágico

Bruno Pereira e Dom Phillips desapareceram na região do Vale do Javari, no interior do Amazonas, em 5 de junho deste ano, após serem ameaçados em campo. Nessa quarta-feira, 15, a Polícia Federal (PF-AM) encontrou “remanescentes humanos” e acredita que são do indigenista e do jornalista. As autoridades policiais, no entanto, aguardam uma perícia para confirmar a identificação.

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