Câmara acelera legalização de cassino, bingo e jogo do bicho, apesar da resistência da bancada evangélica

Pedido de urgência precisava de ao menos 257 votos para ser aprovado; projeto deve ser votado só em fevereiro. (Folhapress)

Com informações da Folha de São Paulo

BRASÍLIA — A Câmara aprovou nesta quinta-feira, 16, requerimento de urgência do projeto que legaliza jogos de azar, como o jogo do bicho, bingo e cassino, apesar da resistência das bancadas evangélica e católica, contrárias à proposta.

O requerimento de urgência foi aprovado por 293 votos a 138 —precisava de pelo menos 257. O texto já poderia ser votado pelo plenário, mas, segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), isso só deve ocorrer em fevereiro.

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Lira afirmou que, para votar a urgência, houve uma composição com integrantes da oposição. Após o requerimento, seria apreciada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a não incidência de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) sobre templos de qualquer culto, ainda que as entidades abrangidas pela imunidade tributária sejam apenas locatárias do bem imóvel.

Ele negou qualquer relação entre as duas votações. “Na lista dos projetos prioritários da Frente Parlamentar Evangélica está a PEC 200. Nenhum compromisso vincula ela ao PL dos jogos. Nem pelo representante, presidente da frente parlamentar, nem por nenhum membro da frente parlamentar evangélica a quem eu tenho o maior respeito, consideração e gratidão”, disse.

Em entrevista antes da aprovação da urgência, Lira afirmou que a legalização dos jogos precisava ser discutida. “No Brasil, é uma questão que vem sendo debatida há muito tempo, e tem que ser feita às claras, tem que ser feita com muito debate, com todos os convergentes e divergentes”, disse. “Aí nós vamos ter a oportunidade de saber quem quer que o jogo continue sendo ilegal no Brasil como é hoje.”

Lira afirmou que “todos nós sabemos” que há jogo no Brasil. “Mas tem que existir na clandestinidade, para continuar sem gerar empregos formais no Brasil, sem pagar mais ou menos R$ 20 a R$ 25 bilhões de impostos para o povo brasileiro?”, questionou.

“Há propostas de acordo de se discutir à exaustão e parar na discussão e voltar com a votação do mérito para fevereiro, é possível.”

O projeto original, do deputado Renato Vianna (MDB-SC), é de 1991. O texto autoriza, entre outras coisas, a exploração de jogos de azar em todo o território nacional, “como instrumento de desenvolvimento social e econômico”.

O relatório ficou a cargo do deputado Felipe Carreras (PSB-PE). Ele aproveitou partes do substitutivo aprovado em 2016 pela comissão especial que avaliou o mérito do texto.

A intenção do relator é regulamentar a exploração de jogos de cassino, bingo, jogo do bicho, apostas de cota fixa, turfe (corrida de cavalo) e jogos de habilidade.

Segundo ele, a ideia é criar um sistema nacional de jogos de aposta. “Estamos pegando exemplos de segurança, confiabilidade e de jogo responsável no mundo para blindar tentativa de uso do jogo para lavagem de dinheiro e pelo crime organizado”, disse.

Carreras afirmou que será criado registro de jogadores para ajudar a identificar apostadores compulsivos. Nenhum jogador poderá participar de jogo ou aposta sem se cadastrar.

“O jogo está acontecendo, sobretudo no ambiente virtual. O Brasil não arrecada nada, não está gerando emprego e é urgente que o Parlamento e o poder público criem ferramentas para gerar oportunidades e emprego para o povo”, defendeu.

O mercado será regulado e supervisionado pela União, por meio de órgão regulador e supervisor federal a ser definido em lei própria.

O projeto cria a Cide-Jogos, com alíquota de 20% sobre a receita bruta decorrente da exploração de todos os jogos dos cassinos, 20% sobre receita bruta de jogos online e de 10% sobre a receita bruta auferida em decorrência da exploração de jogos em estabelecimentos físicos credenciados.

Para prêmios iguais ou acima de R$ 10 mil, haveria tributação de IR de 30% sobre o prêmio líquido para pessoas físicas.

Os recursos seriam distribuídos da seguinte forma, de acordo com o relatório: 4% para Embratur; 3% para financiamento de programas e ações na área do esporte; outros 3% para o financiamento de programas e ações de Politica Nacional de Proteção aos Jogadores e Apostadores.

Além disso, 3% de financiamento de programas e ações de defesa e proteção animal, 3% para financiamento dos programas e ações de saúde relacionadas a ludopatia (compulsão pelo jogo); mais 3% destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública; 3% ao fundo nacional da cultura; e 3% para o Fundo Nacional para a Criança e Adolescente.

Segundo o relatório, a União destinará 25% do produto da arrecadação da Cide-Jogos ao Fundo de Participação dos Estados e 50% ao Fundo de Participação dos Municípios.

De acordo com a minuta, seria criado um rol de “crimes contra o jogo e a aposta”, para criminalizar a conduta de quem explora qualquer espécie de jogo, físico ou virtual, sem atender requisitos da regulação.

Também seria punido quem frauda o resultado do jogo ou aposta, permite que menor de 18 anos participe de jogos e quem realiza ou autoriza transações financeiras por meio de cartão de crédito, empréstimo ou outra espécie de financiamento com empresas ou sites estrangeiros na internet que explorem a atividade de jogos. Há ainda uma punição para quem dificulta a fiscalização.

A urgência do tema é contestada. Presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) disse ser contra jogos de azar.

“E​u sou contra, a bancada evangélica é contra. Isso não impede que vá para a pauta, porque vivemos em um país democrático. Mas não podemos deixar esses projetos prosperarem nem na Câmara, nem no Senado”, afirmou.

Para ele, o Brasil não está preparado para a pauta. “O jogo de azar não cabe no Brasil, porque estimula a prostituição, estimula os mais pobres, aposentados, a gastarem seu dinheiro, a ficarem mais pobres”, disse. “Nós, bancada evangélica e bancada católica, vamos obstruir.”

O deputado disse que o lobby de grupo de empresários que quer explorar os jogos de azar é antigo.

“Eles acham que vai gerar emprego, pensam em pegar lugar no Nordeste e criar um resort”, afirmou. “E eles estão certos, querem gerar renda, fazer crescer o país. Mas hoje eu não vejo a nossa população com essa base”, afirmou.

Governo sinaliza apoio à liberação de jogos de azar

Já o governo sinaliza apoio à pauta. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o ministro Paulo Guedes (Economia) apoiou a liberação dos jogos de azar.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) já falou em transformar o município de Angra dos Reis (RJ) na Cancún brasileira.

Em 1941, foi promulgada a Lei das Contravenções Penais, tornando o jogo ilegal. Em 1946, o general Eurico Gaspar Dutra, então presidente, fechou os cassinos e proibiu a prática ou exploração de jogos de azar, em que concorre só a sorte do jogador, e não sua habilidade.

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