‘Caráter discriminatório’, diz única candidata negra aprovada em concurso anulado pela USP


Por: Mari Furtado

16 de outubro de 2025
‘Caráter discriminatório’, diz única candidata negra aprovada em concurso anulado pela USP
A doutora em Literatura, Érica Bispo (Reprodução/Redes Sociais)

MANAUS (AM) – Após ser aprovada em primeiro lugar para a única vaga do concurso para professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP), a doutora em Literatura Érica Cristina Bispo teve o resultado invalidado depois que outros seis candidatos acionaram o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e a instituição, questionando a qualificação da profissional e pedindo a anulação da banca avaliadora.

O concurso, regido pelo edital FFLCH/FLC nº 024/2024, ocorreu entre 17 e 21 de junho e previa posse ainda neste ano. Érica era a única candidata negra. Segundo ela, seis participantes brancos apresentaram recurso coletivo alegando falta de capacidade técnica de Érica Cristina Bispo e suspeição da banca. “Eles alegaram que eu tive favorecimento, mas fui aprovada por mérito, em primeiro lugar”, afirmou em vídeo nas redes sociais.

Em julho, Érica foi notificada sobre a abertura de um processo administrativo para revisar a seleção. No documento, os concorrentes contestavam o volume da produção científica dela e a pontuação atribuída pela banca. A professora apresentou defesa no prazo, com manifestação técnica de advogados, mas afirma que o material não foi incluído no processo. “Quando o julgamento ocorreu, descobri que minha defesa não estava no processo”, afirmou.

Segundo o parecer da Procuradoria da USP, postagens em redes sociais, com fotos em eventos acadêmicos entre 2019 e 2022 e legendas como “entre amigos é muito bom”, indicariam “amizade íntima” com membros da banca. A candidata nega a relação. “São registros de congressos, em contextos profissionais, e definitivamente não indicam amizade íntima”, declarou.

A Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) havia homologado o resultado e rejeitado o recurso dos candidatos, mas a decisão foi revertida após parecer da Procuradoria e votação do Conselho Universitário. Segundo Érica, o conselho deliberou sem considerar a defesa. “Esse recurso tem caráter discriminatório. Quando uma mulher negra chega ao topo, as regras mudam”, afirmou.

Esclarecimento

Em nota, a USP confirmou a decisão do Conselho Universitário. O diretor da FFLCH, Adrián Pablo Fanjul, afirmou que “o concurso foi anulado porque o órgão considerou haver indícios de relações de proximidade entre a candidata e integrantes da banca”. Segundo ele, “a decisão é definitiva no âmbito da universidade e só pode ser revertida na Justiça”. O concurso foi reaberto e as inscrições estão em andamento.

O escritório Naves e Ribeiro Advogados Associados, que representa Érica, informou que acionou o Judiciário para reverter a decisão. Em nota, o grupo apontou quatro irregularidades: ausência de provas concretas de suspeição, cerceamento de defesa, arquivamento anterior do caso pelo Ministério Público e apresentação fora do prazo das alegações.

Serão adotadas todas as medidas cabíveis para garantir a suspensão do novo edital e o restabelecimento do direito da professora de assumir o cargo que conquistou”, diz o comunicado.

O caso segue em tramitação e é acompanhado pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. A nova seleção aberta pela USP para a mesma vaga ainda não tem data prevista para divulgação do resultado final.

Editado por Marcela Leiros

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