Carrefour e outros supermercados boicotam carne do Brasil com origem em pasto de área desmatada

Montagem mostra carne a vácuo sobre pasto e área desmatada em segundo plano. (Arte: Catarine Hak/ CENARIUM)

Luís Henrique Oliveira – Da Revista Cenarium

MANAUS – Já tem um tempo que uma parcela da população mundial passou a discutir sobre a importância do meio ambiente para as gerações futuras. Mesmo que alguns ainda não tenham entendido que a floresta em pé gera muito mais riquezas que sua derrubada, a pauta ambiental sempre volta à tona. Nesse sentido, na quarta-feira, 15, algumas redes de supermercados da Europa, entre elas o Carrefour, anunciaram que não irão mais vender carne bovina do Brasil devido aos laços com o desmatamento da Floresta Amazônica. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.

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De acordo com a Folha, a decisão ocorreu após uma denúncia da entidade Repórter Brasil, que alegou que a JBS, maior exportadora de carne do País, utilizou carne de vacas criadas em pastos de áreas desmatadas ilegalmente. O esquema, conhecido como “lavagem de gato”, ocorre quando o gado criado em um lote de terra desmatado ilegalmente é vendido a uma fazenda legítima antes da venda para um abatedouro, para ocultar sua origem.

O relatório alemão Fleischatlas 2021 (Atlas da carne 2021, em português), divulgado no início do ano, indicou que 63% das áreas desmatadas na Amazônia servem de pasto para gado e, por isso, sugere que a carne bovina é um fator que impulsiona o desmatamento no Brasil. Produzido pela Fundação Heinrich-Böll, pela organização ambientalista Bund e também pela edição alemã do jornal francês Le Monde Diplomatique, o estudo aponta que 50% dos produtos agrícolas enviados à União Europeia, fornecidos pelo Brasil, são resultado de desmatamento, principalmente, carne bovina, café e soja.

Recentemente, uma matéria veiculada pela CENARIUM mostrou que a Amazônia perdeu 10.476 mil km² de vegetação entre agosto de 2020 e julho de 2021. O acumulado fechou como a pior marca desde 2012, quando o resultado, em igual período, foi de 1.047 km². A destruição atual foi 57% maior que a mensurada no ano passado, ocorrida entre 2019 e 2020. Os dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) compreendem o período chamado de “calendário do desmatamento“.

Além disto, denúncias do Greepeace dão conta de que a falta de políticas públicas para preservação e o desmonte de órgãos de controle e fiscalização, por parte do governo Bolsonaro, também contribuem para essa prática de crime ambiental. Na última semana, o próprio jornal Folha de S. Paulo denunciou que João Cleber (MDB), prefeito de São Félix do Xingu, no Pará, tem desmatado, pelo menos desde 2008, áreas de sua fazenda Bom Jardim. A propriedade, segundo dados cruzados pelo Greenpeace, encontra-se em uma floresta pública não destinada, na Amazônia, e não tinha autorização para desmate, fatores que indicam ilegalidade no processo e grilagem – como é conhecida a ocupação ilegal de terras. A fazenda consta na declaração de bens de João Cleber, da eleição municipal de 2020, na qual foi eleito, no primeiro turno.

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Ao jornal, o prefeito afirmou que a área é de sua família desde 1984 e que “estamos em processo de regularização da fazenda e suas atividades junto aos órgãos competentes”, mas não enviou à reportagem documentação que comprovasse a posse da terra.

JBS se justifica

O desmatamento da Amazônia brasileira, a maior floresta tropical do mundo, tem disparado desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, em 2019, e revogou medidas de proteção ambientais. Ele defende mais agricultura e mineração na região, inclusive, em reservas indígenas. Em 2021, o desmatamento atingiu uma alta de 15 anos. A maior parte das terras devastadas é usada para a criação de gado.

A JBS disse à Reuters que tem ‘tolerância zero’ com o desmatamento ilegal e que descartou mais de 14 mil fornecedores, por não se adequarem às suas políticas. A empresa disse que o monitoramento de fornecedores indiretos — aqueles que antecedem o vendedor final para o abatedouro — é um desafio para todo o setor, mas que a JBS instituirá um sistema capaz de fazê-lo até 2025.

Boas práticas

Uma pecuária mais produtiva e que agrida menos o meio ambiente é uma prática possível. Um estudo feito pelo engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), demonstra que a região pode produzir, em maior escala, sem desmatar, com o uso de técnicas adequadas e recursos já disponíveis.

As boas práticas na pecuária também são fundamentais para o avanço nas metas estipuladas pelo Brasil, que foram apresentadas durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), que foi realizada em novembro, na Escócia. A redução de emissões de gases de efeito estufa está intimamente ligada com a diminuição do desmatamento.

Desafios

De acordo com projeções do Ministério da Agricultura e Pecuária, ao longo da próxima década, a demanda brasileira por carne bovina deve crescer entre 1,4 e 2,4%. Segundo o estudo do pesquisador do Imazon, para atender a essa demanda sem desmatar, os pecuaristas teriam de reformar entre 170 mil e 290 mil hectares de pasto degradado, por ano, até 2030, ao custo de R$ 3 mil por hectare. A produtividade das pastagens deveria passar dos atuais 80kg por hectare para 300kg.

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Os recursos para pôr em prática essa nova forma de produção já existem, conforme revela a pesquisa: os produtores da Amazônia Legal precisariam de um valor que pode variar entre 3 e 9,5% do crédito rural contratado para a região em 2020.  O maior desafio seria mudar o cenário atual, com o poder público criando formas de induzir o uso mais produtivo das terras e desestimular a especulação fundiária e o desmatamento. A pesquisa também destaca a necessidade de promoção de treinamento e assistência técnica continuados para proporcionar ganhos de produtividade.

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