‘Caso Fernando’: atriz indígena que denunciou transfobia diz que ser identificado como LGBT+ pode matar


Por: Ana Pastana

08 de julho de 2025
‘Caso Fernando’: atriz indígena que denunciou transfobia diz que ser identificado como LGBT+ pode matar
Maria do Rio Negro Kaxinawá se manifestou sobre o caso em vídeo no Instagram (Fotos: Ricardo Oliveira/Cenarium; Reprodução/@mariadorionegrokaxinawa | Composição: Lucas Oliveira/Cenarium)

MANAUS (AM) – A atriz indígena Maria do Rio Negro Kaxinawá, que denunciou transfobia e racismo em uma academia de Manaus (AM), afirmou, em vídeo no Instagram, nessa segunda-feira, 7, que ser confundido com alguém da comunidade LGBTQIAPN+ pode levar à morte, referindo-se ao caso do estudante Fernando Vilaça, que foi violentamente agredido e morreu após questionar outros jovens sobre o motivo de o chamarem de “viadinho”.

Não há confirmação, da parte da família, se o adolescente era homossexual ou heterossexual, mas Maria observou que isso não o poupou de ser vítima de homofobia. A atriz também observou que o preconceito não mata apenas pessoas LGBTQIAPN+, pontuando que qualquer pessoa que vá contra as “brincadeiras” da sociedade está sujeita a sofrer as consequências do ódio contra a comunidade.

A homofobia não mata só pessoas LGBTQIAPN+, mata qualquer um que fuja daquilo que a sociedade espera, qualquer um que seja diferente aos olhos dos outros. A gente vive em um País onde ser confundido com uma pessoa LGBTQIAPN+ pode ser motivo de morte, e isso deveria assustar todo mundo. Homofobia é um problema de todos nós, e mais do que isso, esse não é um caso isolado”, afirmou.

A liderança indígena ainda acrescenta, no vídeo, que o caso Fernando Vilaça retrata uma realidade do Brasil onde discursos de ódio seguem matando diariamente crianças, jovens, adultos e quem questiona o preconceito.

É um retrato do Brasil de hoje onde discursos de ódio continuam matando. A gente quer mudanças reais, o nome dele era Fernando, ele só queria comprar um pacote de leite e ele acabou não voltando para casa, e é assim a história de diversas crianças e adolescentes aqui, em Manaus”, afirmou Maria do Rio.

Por fim, a ativista afirma esperar que a memória de Fernando Vilaça gere reflexão e mobilização contra a violência à população LGBTQIAPN+. “A gente espera que isso não se repita e que a memória dele possa virar um grito, que a gente possa começar a se manifestar e lutar pelas nossas crianças, não só as crianças LGBTQIAPN+, mas todas as crianças para que elas tenham seus direitos garantidos de expressão e que crianças héteros não sejam agredidas nas ruas por serem confundidas com pessoas LGBTQIAPN+“, declarou.

Homotransfobia

No texto “Uma crônica-denúncia sobre homotransfobia“, a escritora Aritana Tibira observou que a morte brutal de Fernando expõe a face mais cruel da homotransfobia: a que mata. Ela analisou que a LGBTfobia não afeta apenas quem integra a comunidade, mas qualquer pessoa que não se encaixe na cisheteronormatividade.

Aritana Tibira pontuou que o preconceito não pede identidade ou orientação. “Ele ataca por reflexo, ela mata por suspeita”, afirmou, relembrando casos como o da personal trainer impedida de usar o banheiro feminino de uma academia em Recife (PE), após um casal suspeitar que ela era uma mulher trans, e o de um pai e filho agredidos após andarem de mãos dadas em São Paulo, em 2011.

O caso

Relatório preliminar do Instituto Médico Legal (IML) do Amazonas apontou que as causas da morte do adolescente Fernando Vilaça, 17 anos, em Manaus (AM), foram edema cerebral, traumatismo craniano, hemorragia craniana e ação contundente. Testemunhas relataram que o estudante foi agredido até a morte após questionar outros jovens, ainda não identificados, sobre o motivo de chamarem-no de “viadinho”.

O caso ocorreu na quarta-feira, 2, na Rua Três Poderes, bairro Gilberto Mestrinho, Zona Leste de Manaus (AM). Vídeo divulgado nas redes sociais mostra os suspeitos fugindo do local após a agressão. O adolescente aparece jogado ao chão, com uma parte do corpo em cima da calçada e a cabeça em via pública. Fernando Vilaça morreu no sábado, 5, no Hospital e Pronto-Socorro Dr. João Lúcio, na capital amazonense.

Vídeo compartilhado em grupos de mensagens do momento em que os irmãos de Fernando Vilaça tentam defender a vítima da agressão (Reprodução)

Abalada, sem conseguir dormir e convivendo com a incerteza de um dia superar a perda de um dos seis filhos, a mãe do estudante afirmou à CENARIUM, nessa segunda-feira, 7, que os dias têm sido de profunda dor.

Ela, que preferiu não se identificar, disse que os dias após a tragédia não têm sido fáceis e que o próximo passo da família deve ser mudar da residência onde morava Fernando, pois, segundo ela, todos os lugares e cômodos da casa trazem lembranças do filho.

“Não foi fácil, nem sei dizer se eu vou superar, chegar aqui em casa e meu filho não ‘tá’ aqui. E outra coisa, meus filhos todos reunidos, cadê o outro? É difícil, meu filho que criei com tanto carinho, proteção e cuidado. Eu não quero mais ficar aqui, o sofá me lembra ele, ele ficava fazendo a tarefa dele aqui”, declarou.

A mãe de Fernando Vilaça (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

O vazio da casa também é sentido pelos irmãos e, principalmente, pela irmã, identificada como Ana, que é Pessoa Com Deficiência (PCD). A mãe afirma que Fernando era um bom filho, bom irmão e conselheiro, e que a ajudava com os cuidados da irmã que, após a tragédia, enfrenta dificuldades para dormir.

Fernando era um menino muito bom, muito bom, conselheiro, bom filho, irmão maravilhoso, ajudava a irmã dele porque eu tenho uma filha especial. Ele a ajudava e, nesse momento, ela está passando por uma dificuldade tão grande que até adoeceu, ela adoeceu. Ela estava com febre ontem [domingo], nem queria dormir no quarto“, relata a mãe do estudante.

Leia mais: ‘Nunca esperei perder um filho’, diz mãe de estudante morto em ataque homofóbico

Nas redes sociais, o colégio onde Fernando Vilaça estudava, a Escola Estadual Jairo da Silva Rocha, manifestou pesar pela morte do aluno. Ele cursava o 3º ano. “Pedimos a Deus que o Espírito Santo console o coração de todos os familiares, amigos e colegas de turma. À família, receba as nossas condolências! Nossa escola está de luto hoje“, disse o perfil oficial.

Manifestação

A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) acionou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) para acompanhar a investigação sobre o caso de homofobia contra o adolescente Fernando Vilaça da Silva, segundo informou nas redes sociais.

Estou requerendo, ao Ministério dos Direitos Humanos, o acompanhamento da investigação da morte do menino Fernando Vilaça, assassinado aos 17 anos em um crime de motivação homofóbica em Manaus“, declarou a deputada. “É dilacerante pensar que uma pessoa, que tinha a vida toda pela frente, teve sua trajetória interrompida por questionar o porquê de estarem lhe chamando de ‘viadinho’”, disse a parlamentar.

Na publicação, Erika Hilton também afirmou que é “revoltante saber que pessoas a mando dos agressores – que já foram identificados e estão foragidos – compareceram ao velório de Fernando para filmar o caixão”. A deputada colocou o seu “mandato à disposição” dos familiares da vítima. “Aos familiares de Fernando, dedico os meus mais sinceros pêsames e coloco o meu mandato à disposição para tudo que nos for possível“, escreveu.

A publicação de Erika Hilton ocorreu após a parlamentar ser mencionada por internautas para se posicionar sobre o caso. “É inaceitável um jovem sair para comprar leite e, pela homofobia alheia, não voltar pra casa. É dilacerante pensar que uma pessoa, que tinha a vida toda pela frente, teve sua trajetória interrompida por questionar o porquê de estarem lhe chamando de viadinho“, seguiu a deputada.

Veja a publicação da deputada:
Leia também: Erika Hilton aciona Governo Lula após morte de jovem por homofobia em Manaus

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