‘Celebremos nossa mulheridade com mais oportunidades e qualificação’, desejam mulheres trans no Dia Internacional da Mulher

A data concebida em 1910 e reconhecida em 1977 pelas Nações Unidas reforça a importância da figura feminina que luta por direitos e atua contra a desigualdade em diversos âmbitos (Reprodução/Internet)

Priscilla Peixoto — Da Revista Cenarium

MANAUS — No dia 8 de março é celebrado o “Dia Internacional da Mulher“, momento em que se destaca as conquistas e anseios no campo social, político e econômico. A data concebida em 1910 e reconhecida em 1977 pelas Nações Unidas reforça a importância da figura feminina que luta por direitos, atua contra a desigualdade em diversos âmbitos, principalmente, quando o assunto envolve o mercado de trabalho, um ambiente desde sempre desafiador para mulheres, em especial, mulheres trans, vítimas de um mercado, na maioria das vezes, discriminatório aliado à deficiência na qualificação e formação ao longo da vida.

Segundo os últimos dados publicados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2020, o percentual de mulheres trans e travestis que vivem da prostituição chega ao preocupante índice 90%, contra apenas 6% que se encontram inseridas no mercado de trabalho com carteira assinada. A consultora de vendas Alexia Damasceno integra essa menor parte das que conseguiram entrar para o mercado de trabalho formal.

PUBLICIDADE

Há pouco mais de um mês empregada, Alexia, de apenas 19 anos, se diz uma jovem de sorte por estar na contramão da maioria das colegas trans. Para ela, conseguir um emprego é bem mais que passar em um processo de seleção entre inúmeros candidatos. “É símbolo de respeito, não é só uma escolha, mas um acolhimento, uma oportunidade de mostrar que eu também posso ser uma cidadã trabalhadora e não preciso cair na prostituição para garantir meu sustento”, comenta Alexia.

Alexia Damasceno, 19 anos, mulher trans (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Dificuldades

A consultora relembra as dificuldades que ela e tantas outras mulheres trans passam até obter uma oportunidade e ressalta que ultrapassar a fase do desemprego é só início de uma longa caminhada para a quebra de tabus e preconceitos.

“Para uma mulher cis já é difícil se estabelecer no mercado por todos os pontos que já conhecemos, como menor salário, barreiras para obter cargos de lideranças, assédio etc. Agora imagine para uma trans que além de tudo isso existe o preconceito, o medo de não ser aceita pelo público ou colegas de trabalho, ainda que sua postura na empresa seja infalível. É muito difícil”, compartilha.

Em fase de transição, Alexia comemora pela primeira vez o Dia das Mulheres se apresentando para a sociedade como uma transexual e ressalta. “Este ano a data vai ter um gostinho especial para mim, pois é a primeira vez que comemoro a data como eu me vejo e realmente sou. Mulheres, entendam que não queremos competir com vocês, somos todas mulheres, cada uma com sua particularidade, e que possamos nos apoiar e termos muito para celebrar com nossas conquistas, lutas e ocupando melhores espaços no mercado de trabalho”, destaca.

Qualificação

Para a presidente da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (Assotram) e gerente LGBTQIA+ da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (Semasc), Joyce Alves, além dos preconceitos contra a comunidade T, outros fatores contribuem para que as transexuais sejam empurradas para prostituição e barradas no mercado formal, dentre eles, o âmbito educacional prejudicado ou mal aproveitado por essa parcela da população.

“É uma mistura de tudo. E quando a gente vai trabalhar a questão do acesso ao mercado de trabalho para a população trans, nós não podemos deixar de frisar a ausência de qualificação, pois sem ela há uma série de consequências na vida de quem tem essa deficiência educacional. Infelizmente, a maioria não tem nem o Ensino Médio completo aliadas a outras questões internas que não são bem resolvidas. Essa historicidade precisa ser trabalhada e aí focamos nessa pauta, que é mercado de trabalho”, explica Joyce.

Presidente da Assotram, Joyce Alves (Reprodução/ Arquivo Pessoal)

Não reconhecimento

A presidente da Assotram destaca ainda que a maioria das mulheres trans não se reconhecem enquanto trabalhadoras. De acordo com Joyce, para as trans, as constantes dificuldades enfrentadas no cotidiano e a exclusão no setor trabalhista acaba fazendo com que elas assimilem o trabalho como algo que lhes pertence. “Eu executo, mas eu não me reconheço naquele processo e isso dificulta até mesmo no posicionamento perante uma seletiva de emprego, por exemplo”, comenta.

Para Joyce, uma das soluções para diminuir a alta porcentagem excludente do mercado seria implementar melhorias nos setores educacionais, que são a base de toda sociedade. Trabalhar pautas como questões de gêneros, o combate à violência contra a mulher (cis ou trans) e a pluralidade existente na sociedade seria umas das alternativas que renderia resultados positivos.

“Sabemos que o processo educacional não é para todos, embora devesse ser, pois temos a questão dos bullyings, a má qualificação dos professores e o processo de recepção dos outros grupos para além das meninas trans que vão para a escola e tudo isso resulta numa evasão escolar dessa população que sente as consequências lá na frente aliado ao preconceito”, explica.

Feliz mulheridade

Quando questionada sobre o significado do dia voltado para homenagear as mulheres, Joyce reforça da importância da data e atenta para a união da pluralidade feminina, do acolhimento e da sororidade. “Creio que todas têm uma pegada pedagógica, elas nos proporcionam momentos como este, de falarmos sobre assuntos relevantes. Enquanto não tivermos ciência que a união fortalece e que não existe direito só de uma ou de outra, mas que o direito é de todas e cada uma com sua especificidade, nada vai para frente. Não parem, continuem, lutem! Que possamos viver nossa mulheridade e sermos respeitadas por sermos, acima de tudo, humanas”

Dados da transfobia

Conforme levantamento publicado pela Antra, em dezembro de 2020, em média 70% das pessoas trans não concluiu o Ensino Médio e apenas 0,02% estavam no Ensino Superior. Dados que endossam o posicionamento de Joyce e revelam a luta da população transexual para garantir o acesso a direitos básicos como educação, saúde e trabalho.

Em 2021, segundo dados do relatório ‘Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, realizado pela Antra com apoio de universidades como a Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Federal de São Paulo (Unifesp) e Federal de Minas Gerais (UFMG), foram registrados 140 assassinatos de pessoas trans no Brasil.

Segundo o documento, deste total, 135 foram vítimas travestis e mulheres transexuais e cinco foram homens trans. Embora abaixo do que fora registrado em 2020, quando 175 pessoas trans foram assassinadas, o Brasil ainda ocupa o cargo de País mais perigoso para uma pessoa trans viver, sendo pelo 13º ano consecutivo, o lugar que mais mata trans no mundo.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.