Cenarium no Pantanal: a positiva inquietação das lideranças locais

Da Revista Cenarium*

MT, PANTANAL – “Eu já estava cansado de ficar em casa vendo tudo isso acontecer”, disse Victor Hugo, uma das lideranças do Projeto Amigos do Pantanal. Pergunte a qualquer um envolvido na luta contra as queimadas, seja na batalha contra o fogo ou no atendimento a pessoas e animais feridos.

O que levou essa pessoa que assistia todos os dias as mesmas notícias a se levantar do sofá e começar a fazer algo para ajudar o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia a passar por essa crise? A resposta vai ser a mesma, inquietação.

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Foi o que levou Lais Turi a criar recentemente o Projeto Amigos do Pantanal criando uma rede de participantes, entre eles biólogos, psicólogos e acadêmicos da área ambiental.

O projeto vem tentando arrecadar doações e apoio para que sejam enviados caminhões-pipa para a transpantaneira, assim como outras demandas que possuem um custo maior; mas a maior demanda é a de água, assim como a locomoção do item nas áreas mais afetadas pela seca e pelas queimadas.

É uma área imensa o Pantanal. Estou em Cáceres, que faz divisa com a Bolívia e tem os municípios de Mirassol d’Oeste, Barra do Bugres, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Porto Esperidião, Curvelândia, Glória d’Oeste e Porto Estrela como municípios limítrofes. São mais de vinte e quatro mil e trezentos quilômetros de terra para uma iniciativa solidária cobrir e o trabalho solidário é feito de forma solitária.

Em três dias na cidade percorrendo áreas atingidas pela calamidade, por rio e por terra, não vi envolvimento da Prefeitura de Cáceres ou do Governo do Estado do Mato Grosso.

O único momento em que vi a presença municipal foi quando três caminhões carregando materiais de construção passaram por mim na Transpantanal, indo para a fazenda do Prefeito. Políticos sendo políticos.

Missão

A missão de hoje é a mesma de todos os dias. Levar alimentos como pão, uvas, mangas, melancias, bananas e água em áreas extremamente secas, onde se torna impossível para os animais como as cutias, capivaras, pássaros, veados-campeiros, antas e muitos outros conseguirem alimento.

Dessa forma, é possível restabelecer um equilíbrio na fauna fazendo com que esses animais voltem a exercer suas funções no meio em que vivem. Esse trabalho desenvolvido pelo Projeto Amigos do Pantanal talvez seja um o mais importante e é essa atividade que vai trazer de volta as relações sociais entre os animais.

A Anta é conhecida como a jardineira da floresta porque se alimenta por quilômetros o dia todo e essa alimentação é o que distribui sementes pela floresta. Graças à Anta, a floresta continua saudável e germinando de acordo com seu ciclo natural.

Agora imagine o que acontece quando a espécie da Anta entrar em extinção ou deixar de se alimentar? Adeus floresta. E essa é só uma das espécies da fauna com função vital na flora. Nosso grupo anda por uma região esma e sem vida que, aos poucos, vai nos atrasando em velocidade de locomoção. É o calor. Ele acaba com a vontade de viver e são muitos fatores que contribuem para o cansaço na atividade.

Botas pesadas, mochilas com equipamentos, água, roupas grossas, caixas com frutas, andando em um calor de 47 graus, desviando de árvores com espinhos que cortam braços, lábios, rosto, orelha e observando cuidadosamente animais rastejantes peçonhentos como a jararaca ou a cascavel.

Detalhes

Se encontramos fezes de cutia, por exemplo, precisamos saber se o material está seco ou é recente. Precisamos ter atenção às pegadas. Tuiuiús deixam pegadas grandes assim como as onças pintadas. Veados campeiros deixam pegadas parecidas com as de anta, mas com leves diferenças de peso na parte dianteira da pegada.

A comida precisa ser pulverizada na área e nunca se deve repetir o mesmo lugar onde se deixou da última vez, mas é preciso sempre averiguar o local anterior para se ter noção da frequência com que os animais vêm comer. Em nosso caminho, vemos algumas espécies como o veado-campeiro e a ema passeando próximos a entulhos de matéria seca, como galhos e folhas, que os fazendeiros mandam fazer para que sejam queimados e assim limpar o terreno.

Adivinha o que acontece quando esse fogo pula para o meio da mata seca sem alagados? Finalizamos a missão da manhã e voltamos para casa para se preparar para a missão da tarde que será pelo rio. No caminho de volta, encontro um foco de queimada pequeno que no retorno já está descontrolado. Os integrantes do Amigos do Pantanal estão apopléticos com o tamanho do fogo e a quantidade de fumaça.

Só aí percebo que os meninos e meninas trabalhando nas queimadas, ainda não haviam tido contato direto com o fogo. Sabiam do fogo e viam fumaça em Cáceres, mas esse choque de ver ainda não havia ocorrido. Entramos no carro para distribuição de mais comida, agora pelo rio, e a temperatura de 47 graus vai despencando vertiginosamente.

“Olha só a diferença que a chuva faz no nosso clima”, fala Larissa Gabriela Araújo Goebel, uma menina com cabelo curto de mechas pintadas de azul, que é mestre em biologia e pesquisa mamíferos frutígeros (que se alimentam de frutas). Larissa recolhe sementes de jatobá para triturar e colocar pequenos pedações nas frutas. Assim os animais comem e depois fazem um replantio natural da mata pantaneira.

Ciência

Tudo é pensado baseado na ciência e na pesquisa. Tudo é inteligente e estudado. Talvez Larissa não tenha um lugar no Brasil. Talvez tivesse se o seu trabalho envolvesse o Agro. Na estrada encontramos uma anta atropelada. Gigante.

Deitada à beira do caminho. Fedendo em uma poça de sangue. Não fotografo o animal, pois a imagem é pesada demais. Ninguém deveria publicar essas imagens. Só os cadernos policiais de jornais de mau gosto fazem isso.

Chegamos à pousada onde iremos descer o rio e a fumaça domina completamente a visão. Fotografar se torna quase impossível. Meus olhos estão afetados pela fumaça. Vermelhos e cansados já não conseguem focar. Fumaça densa. Depois da chuva a temperatura chega a 21 graus. Nem acredito. Aqui, até o vento é quente.

Descemos para deixar o alimento e, quando já nos aprontávamos para ir embora, sentimos o cheiro de animal morto mais uma vez. Um indivíduo de porco-espinho deitado em folhas secas e molhadas com cinzas e madeira queimada por debaixo dele. Toda a área foi recentemente queimada pelo fogo que passeou lambendo a mata dias antes. O porco-espinho morreu asfixiado. Não tem marcas de agressão ou tiro.

As patas estão um pouco queimadas e os dentes de fora também. Que animal lindo. Queria ver um desses vivo. O ânimo cai depois do encontro com a morte no meio da mata. Voltamos para Cáceres cansados, sujos, feridos e com a sensação de que é necessário mais do que o Projeto Amigos do Pantanal vem desenvolvendo.

As doações precisam aumentar e os amigos precisam fazer mais amigos nesse caminho onde o fogo pavimenta as relações da Animalidade. Procure o projeto no Instagram @projetoamigosdopantanal e se informe como é possível ajudar. O projeto é muito sério e faz prestação de contas nas redes. AJUDE! 

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