Cenarium no Pantanal: ‘Do céu, o rastro de destruição e a luta pela sobrevivência’

Um ecótono que a mídia erroneamente chama de bioma, foi rasurado pela falta de talento do bicho homem para conviver em equilíbrio com a natureza. (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimaãres)

João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium*

PANTANAL, MT – É uma região desfigurada o Pantanal. Um chão escuro e feio visto de cima. Algumas imagens que fiz, lembram até outro planeta, não lembram em nada aquele Pantanal da novela da década de 1990. Um ecótono, que a mídia erroneamente chama de bioma, foi rasurado pela falta de talento do bicho-homem para conviver em equilíbrio com a natureza. O sagrado.

Voo sob o Pantanal Matogrossense destruído após as chamas consumirem o verde. (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimarães)

Converso com o Comandante Jean que é o principal gestor de operação geral da região e ele me diz que na Operação Pantanal II, o aporte da estrutura de logística é considerável. Aeronaves do Corpo de Bombeiros, aeronaves do ICMBIO, PrevFogo e helicópteros da Força Nacional e da Marinha. Existe uma cooperação entre o Corpo de Bombeiros do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

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A terra seca e destruída pelo fogo. (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimarães)

Mas a maior preocupação é a RPPN do Deorochê, que fica perto de Porto Jofre e como a infiltração só é possível acessar de plataforma aérea, então fica muito mais difícil e perigoso.  Mas existe a “regra dos 30”, que é seguida à risca por todos aqui envolvidos na batalha. A regra é um mix de entendimentos. Temperatura acima de 30°, velocidade do vento acima de 30 km, umidade relativa do ar abaixo de 30%. E o principal que é estar mais de 30 dias sem chuva na região.

Essa é a regra que sempre utilizam para se ter um parâmetro de risco potencial de incêndios, assim como riscos de reignição do fogo nas áreas já controladas. Jean sabe o que faz. Além de se preocupar com o controle e extinção das queimadas, ainda se preocupa com a Covid-19 em meio aos oficiais e militares. Nada sai ao controle. Agradeço pela conversa e ele me deseja boa sorte.

O ar fica pesado fazendo com que a aeronave não se mantenha estável. (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimarães)

Antes de subir de helicóptero com a Força Nacional, vejo um Carcará bebendo água perto de brigadistas do ICMBIO, que buscam sombra debaixo da asa de um de seus aviões que despejam água nas chamas que não conseguimos ver ainda. O animal não tem o costume de chegar tão perto dos humanos, mas o calor é de 43 graus e água no Pantanal não é mais um comodities, é um milagre. O pássaro Carcará abandonou o medo do homem para sobreviver. 

Sobrevoo de reconhecimento da área de Reserva Ecológica de Taiamã, uma unidade de conservação do Governo Federal criada em 1981 e declarada como Patrimônio Nacional em 1988. (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimarães)

O helicóptero da Força Nacional levanta voo do Aeródromo do Sesc e eu vou junto para um sobrevoo de reconhecimento da área de Reserva Ecológica de Taiamã, uma unidade de conservação do Governo Federal criada em 1981 e declarada como Patrimônio Nacional em 1988. Também foi declarada Reserva da Biosfera Mundial e Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco. Próximo da reserva começa a ficar mais difícil de fotografar. A fumaça fora do helicóptero dificulta o sobrevoo. O ar fica pesado fazendo com que a aeronave não se mantenha estável.

Área de vegetação desmatada no Pantanal. (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimarães)

Dentro do helicóptero também há fumaça. Difícil acreditar que naquela altura e com a velocidade do vento, a fumaça ainda consiga brigar pra entrar. Meus olhos estão lagrimando. Tudo ao redor está cinza. Não existe verde abaixo.  O piloto avisa que há pássaros às onze horas e, por isso, é necessária precaução extra.

São garças, tuiuiús, gaviões e carcarás fugindo na mesma direção oposta ao fogo. Em terra, o gado foge desesperado e cervos pantaneiros se misturam ao grupo. Todos querem a mesma coisa. Viver.  Eu nunca vi chamas daquele tamanho. 40 metros de altura no mínimo. Os pilotos estão preocupados e conversam entre si sobre retornar ao aeródromo. Fico ansioso para chegar mais próximo e poder fotografar o paredão de fogo, mas com a trepidação do helicóptero começo a concordar em silêncio com os pilotos.

O helicóptero da Força Nacional levanta voo do Aeródromo do Sesc (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimarães)

Com o calor, a fumaça e as labaredas abaixo, fica impossível se manter no ar que fica mais pesado. Temos que voltar. No caminho de volta, o militar da Força Nacional me explica que a frente do fogo está indo na direção do rio e que pode se extinguir por ele mesmo, mas a calda está na direção da reserva e das fazendas. E, por isso, amanhã eles vão ter de ir combater.

A fumaça fora do helicóptero dificulta o sobrevoo. (REVISTA CENARIUM/João Paulo Guimarães)

O vento é o inimigo, o dia acaba com o Sol de coloração vermelha indo embora. Fica assim por causa da fumaça no ar. Já chega uma lua vermelha da mesma forma, sento no chão com a câmera a minha frente e me lembro da expressão do Comandante Jean, quando lhe perguntei se a batalha pelo Pantanal estava quase ganha. Ele riu, olhou para o lado e balançou a cabeça negativamente. 

(*) Correspondente especial

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