Chamadas para atos antidemocráticos têm anúncios pagos nas redes sociais


26 de novembro de 2022
Manifestação contra o STF, em Brasília (Dida Sampaio/Estadão)
Manifestação contra o STF, em Brasília (Dida Sampaio/Estadão)

Da Revista Cenarium*

BRASÍLIA – “Nós não vamos deixar um ladrão assumir nossa nação, e as Forças Armadas têm a obrigação de nos defender. Nós não estamos pedindo para eles, nós estamos exigindo deles que nos dêem amparo”, escreveu Sergio Bolsi na página Desperta Brasil Sergio Bolsi. O post foi veiculado por uma semana, entre 15 e 22 de novembro, no Facebook, Instagram e Messenger e foi visto entre 40 mil e 45 mil vezes. Impulsionado, custou menos de R$ 100 para o anunciante. 

Assim como ele, a Agência Pública identificou ao menos outros 65 anúncios publicados no Facebook e Instagram por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) que não aceitam a derrota do líder nas urnas. Os textos divulgam protestos antidemocráticos e defendem um golpe para impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e já foram vistos no mínimo 414 mil vezes desde o início de novembro. Anúncios com teor antidemocrático e que propagam desinformação sobre as eleições não são permitidos pelas políticas da Meta. Ainda assim, apenas quatro das publicações analisadas foram removidas pela plataforma até a publicação desta reportagem.

Os anúncios também foram usados para propagar a narrativa falsa de que as eleições foram fraudadas, como no conteúdo postado pela página Robô Reacionário. Em um vídeo de quatro minutos, a página diz apresentar dez fatos sobre as eleições, mas se detém em disseminar dúvidas sobre a segurança do sistema eleitoral e apresentar uma série de argumentos já desmentidos por agências de checagem e pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Chamada para atos antidemocráticos (Reprodução/Biblioteca de anúncios da Meta)

O vídeo afirma, por exemplo, que o TSE retirou seu site do ar após receber denúncias de fraude, o que é mentira. Ao final do vídeo, os autores pedem que as pessoas que duvidam do resultado eleitoral se manifestem: “o futuro de sua família e do Brasil dependem disso”. O conteúdo gerou de 100 mil a 125 mil impressões e custou entre R$ 200 a R$ 299. 

Ao menos outros 3, dos 20 anúncios veiculados pela Robô Reacionário, em novembro, chamaram as urnas de “inauditáveis” e atribuíram a eleição de Lula a uma suposta fraude. A página já gastou mais de R$ 1,7 mil com anúncios entre agosto e 20 de novembro, dos quais R$ 666 foram investidos a partir do dia 14 de novembro, véspera do feriado da Proclamação da República e de uma série de atos antidemocráticos que pedem a manutenção de Bolsonaro no poder na frente dos quartéis. 

A segunda semana de novembro respondeu pelo maior número de publicações impulsionadas. Entre os anúncios que buscavam chamar mais gente para os atos de 15 de novembro, um deles divulgava um ônibus gratuito entre a capital paulista e Brasília (DF): “olá amigos patriotas de #saopaulo vamos marchar rumo a #brasilia defender nosso País”. A passagem gratuita era só de ida, sem data de retorno. O conteúdo foi postado pela página Nahand, que diz ser de uma loja on-line, mas não tem seguidores, curtidas e nem apresenta produtos a serem vendidos. Os únicos dois posts feitos pela página são sobre política e pró-Bolsonaro.

“Se qualquer agente de guarda municipal, policiais estaduais ou federais, tentarem retirar as pessoas de frente dos quartéis, procurem o oficial de dia no quartel imediatamente! Os três comandantes das Forças já emitiram nota permitindo as manifestações”, orientou outra mensagem, em caixa alta no original. O anúncio foi veiculado no Instagram entre 13 e 14 de novembro e foi visto entre 1 mil e 2 mil vezes. 

Ao menos outros quatro conteúdos impulsionados citaram uma nota emitida pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica como prova de que os manifestantes teriam o apoio das Forças Armadas na empreitada antidemocrática. A nota defendeu a existência das manifestações, mas, como mostra a reportagem da Pública, a alta cúpula do Exército não pretende colocar tanques na rua.

Diversas publicações pediram, ainda, que as pessoas compartilhassem as postagens sobre as manifestações — um dos anúncios chegou a defender que mais gente pagasse por alcance, na Meta, ou seja, anunciasse na plataforma.

“Participe e ajude os acampamentos nos quartéis, os caminhoneiros, e fechem as empresas, caso contrário, o prejuízo será muito maior, por quatro anos no mínimo! Compartilhe, anuncie, é barato”, dizia o conteúdo, também escrito em caixa alta. O anúncio foi publicado pela página “15 Dias de Saúde”, que diz vender suplementos com desconto. Como o conteúdo não foi classificado pelo Facebook como de “temas sociais, eleições ou política”, única categoria que permite transparência com acesso aos dados de impressões e valor gasto, não há como saber quantas pessoas viram a publicação, nem quem pagou por ela.

A maior parte dos anunciantes pagou menos de R$ 100 para levar seu conteúdo a mais gente, mas alguns anunciantes chegaram a desembolsar entre R$ 200 e R$ 300. 

Um dos quatro anúncios removidos pela moderação da Meta pedia “intervenção federal”. Foi visto entre 4 e 5 mil vezes antes de ser retirado de circulação (Reprodução/Biblioteca de anúncios da Meta)

Em retorno à reportagem, a Meta afirmou em nota que “diante da escala de nossos serviços, proibir determinados conteúdos não significa incidência zero” e ressaltou que, do início da campanha eleitoral até o 1° turno, rejeitou “cerca de 135 mil conteúdos impulsionados, direcionados ao Brasil, de anunciantes que não haviam concluído o processo de autorização ou de posts que não continham o rótulo ‘Pago por’ ou ‘Propaganda Eleitoral'”.

“Proibimos anúncios questionando a legitimidade da eleição brasileira e removemos publicações com pedidos de intervenção militar no País”, acrescentou a empresa. A Meta também afirmou que se preparou “extensivamente para as eleições brasileiras de 2022” e está comprometida em “seguir aprimorando a aplicação” de suas políticas.

(*) Com informações da Agência Pública

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