Chefe da PF quer tirar autonomia de delegados em casos de suspeito com foro especial

Paulo Maiurino propôs a medida em um documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (ALESP/Divulgação)

Camila Mattoso e Fabio Serapião – Da Folhapress

BRASÍLIA – O diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, propôs em um documento enviado ao Supremo Tribunal Federal uma reestruturação interna no órgão que tira a autonomia de delegados nas investigações de autoridades com foro especial e pode conceder superpoderes ao próprio chefe da corporação. A manifestação veio após pedido da PF para apurar supostos crimes do ministro Dias Toffoli delatados pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral.

Investigadores ouvidos pela reportagem veem na proposta um ataque do novo chefe da polícia às recentes ações do órgão. Falam que se trata de uma tentativa de controle de apurações por parte do diretor-geral. Maiurino afirmou no documento, ao qual o jornal Folha de S.Paulo teve acesso, que a “direção da Polícia Federal vem estudando a implementação de mecanismos de supervisão administrativa e estruturação organizacional nos moldes daqueles adotados pela Procuradoria-Geral da República”.

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No modelo do Ministério Público Federal sugerido pelo diretor, todos os inquéritos que tramitam no STF e no Superior Tribunal de Justiça passariam pela equipe do procurador-geral da República.

A medida seria necessária, escreveu o diretor-geral indicado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro, para a “melhor supervisão das investigações”, de modo a evitar “o ajuizamento de medidas” que refletem “tão somente o posicionamento individual de autoridades policiais”, mas que estão “em dissonância da posição institucional da PF”.

Na prática, na visão de investigadores ouvidos pela reportagem, a proposta é uma tentativa de controle e pode dar superpoderes ao diretor-geral, porque todas as investigações de autoridades com foro teriam que ter obrigatoriamente supervisão da cúpula da PF. Além disso, pedidos de medidas cautelares, como buscas, quebras de sigilo e prisões, necessitariam de ciência prévia de Maiurino.

A proposta consta de um memorando produzido pela direção-geral para subsidiar a votação dos ministros no julgamento do recurso da PGR que pede anulação do acordo de delação de Sérgio Cabral. A PF pede aos ministros que analisem a possibilidade de a corporação continuar negociando acordos de delação sabendo que a tal reestruturação resultará em reforço dos “mecanismos de supervisão e orientação institucional”.

O ministro Gilmar Mendes utilizou um trecho do memorando em sua decisão pela anulação do acordo de Cabral. Antes de citar a manifestação de Maiurino, Gilmar diz em seu voto que chamou atenção no caso dos inquéritos com base no acordo de Cabral o fato de o delegado ter poder de enviar pedidos diretamente ao STF, sem passar por um gabinete central, como no MPF.

Nos bastidores, o memorando é defendido por aliados de Maiurino como única forma encontrada de evitar que a discussão sobre a anulação da delação de Cabral resultasse numa mudança de entendimento do STF sobre a possibilidade de a PF fechar acordos de colaboração.

A ideia seria sinalizar que possíveis erros não serão mais cometidos e que haverá controle maior para evitar acordos problemáticos. Mas delegados ouvidos pela reportagem veem a proposta como retaliação aos dois casos recentes que envolveram investigados com foro: o pedido de inquérito contra Toffoli e o pedido de busca e apreensão contra o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).

Pelo novo modelo, a solicitação de apuração contra Toffoli teria que ter passado por Maiurino, que no passado foi subordinado a Toffoli como chefe da segurança do STF. Hoje a PF centraliza no Sinq (Serviço de Inquéritos Especiais), atrelado à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado, a maioria dos casos que envolvem autoridades com foro.

Mas há também casos conduzidos por delegados lotados nas superintendências estaduais que tramitam no STF. A descentralização, segundo delegados, se dá excepcionalmente por alguns motivos. O primeiro e mais importante seria manter o investigador que iniciou a apuração quando não havia envolvidos com prerrogativa de foro.

Outro ponto é a falta de estrutura no Sinq, que não tem equipe para conduzir todos os inquéritos que tramitam no STF e no STJ. Um dos casos fora do Sinq é o de Salles, conduzido pela superintendência do Distrito Federal, que solicitou ao STF as buscas em seus endereços.

Maiurino, no documento enviado ao Supremo, diz que essa descentralização e a falta de regras no Sinq possibilitam o “ajuizamento de investigações” e a “propositura de medidas invasivas de produção de provas ou medidas cautelares sem qualquer tipo de supervisão ou orientação institucional”.

Diz que é necessário seguir o modelo de centralização da PGR para que as representações enviadas ao STF “reflitam o efetivo profissionalismo e tecnicidade” da PF e “não posições isoladas de autoridades policiais que, por inexperiência ou desconhecimento, não levam em consideração a devida ponderação entre os interesses coletivos de segurança pública e direitos individuais dos investigados”.

Esse trecho, em especial, foi visto por delegados como uma menção indireta aos casos de Toffoli e Salles e um ataque a investigadores. A cúpula da PF, desde que a Folha de S.Paulo revelou o pedido de investigação contra Toffoli e antecipou as buscas nos endereços de Salles, tem criticado nos bastidores o trabalho feito pelos delegados dos casos.

No caso de Toffoli, Maiurino não foi avisado sobre o envio do pedido de instauração de inquérito pelo delegado Bernardo Guidali. Outra reclamação é que Guidali não teria seguido as diretrizes da corporação para os acordos e deveria ter avisado a Justiça sobre citação ao ministro.

O acordo foi todo negociado e executado na gestão anterior da PF e todos os superiores sabiam do andamento do caso. A reportagem enviou perguntas à Polícia Federal, mas não obteve resposta até a conclusão deste texto.

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