Cientista denuncia ex-ministros de Bolsonaro por falta de oxigênio em Manaus
10 de junho de 2024
Da esquerda à direita: Eduardo Pazuello, Lucas Ferrante e Tarcísio de Freitas (Composição: Weslley Santos/Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Mais de três anos depois do que ficou conhecido como a crise do oxigênio em Manaus (AM), os ex-ministros de Saúde e de Infraestrutura do Governo Bolsonaro, Eduardo Pazuello e Tarcísio de Freitas, respectivamente, foram denunciados ao Ministério Público Federal (MPF) por improbidade administrativa, negligência na gestão pública e manipulação política que agravaram a segunda onda de Covid-19 na cidade e contribuíram para a escassez do insumo.
A denúncia é do cientista Lucas Ferrante, principal autor do artigo que aborda como vidas e a saúde pública foram “sacrificadas” na pandemia, publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, na revista científica Nature. O pesquisador cita, entre os pontos da denúncia, que os ministros sabiam da escassez iminente do oxigênio e preferiram mandar o insumo por uma rota demorada, a BR-319.
A manifestação PR-AM-00044094/2024, protocolada nesse domingo, 9, aponta que Pazuello foi informado com antecedência sobre a segunda onda da doença que estava prevista para afetar Manaus, e que teve seu “ápice” com a falta de oxigênio, no dia 14 de janeiro. A alegação repercutiu em matérias publicadas em sites nacionais.
Eduardo Pazuello admitiu, à imprensa, na época, que tomou conhecimento do risco de escassez do insumo no dia 8 de janeiro de 2021. “Sua omissão contribuiu diretamente para a escassez crítica e as consequentes mortes“, acrescenta Ferrante.
Matéria da Folha de S. Paulo aponta que Pazuello confirmou ter tido conhecimento, com antecedência, da falta de oxigênio (Reprodução/Folha de S. Paulo)
Quando à Tarcísio de Freitas — hoje governador de São Paulo —, o cientista afirma que o então ministro de Infraestrutura preferiu enviar o oxigênio pela BR-319, uma “decisão logisticamente inadequada“, como forma de avançar com interesses políticos e econômicos.
Ferrante indica que o Ministério de Infraestrutura, junto ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), ainda omitiu da população que a rota mais eficiente para o envio do insumo ao Estado era pelo Rio Madeira. Na rota indicada no artigo, o custo — que ficou em R$ 1,5 milhão — também seria reduzido.
“O Dnit e o ministro de Infraestrutura omitiram da população a rota mais eficiente e rápida por barcaças pelo Rio Madeira, apontando que a rota alternativa demoraria mais de 6 a 7 dias. Dados do estudo científico anexo indicam que, se o oxigênio tivesse sido enviado pelo Rio Madeira, este insumo essencial teria chegado com pelo menos 44 horas de antecedência que via rodovia BR319. Além de economizar cerca de R$ 1,5 milhão em comparação com o valor gasto na rota“, denunciou.
Trecho da denúncia protocolada ao MPF (Reprodução)
Segundo Lucas Ferrante, as ações e omissões dos denunciados configuram:
Improbidade administrativa: violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Negligência na gestão pública: falta de planejamento e resposta adequada a uma crise anunciada.
Manipulação política: uso indevido de uma crise humanitária para promover interesses políticos e econômicos, neste caso, segundo Ferrante, para “acelerar as audiências públicas referente aos estudos ambientais da rodovia BR-319 excluindo os povos tradicionais afetados pelo empreendimento“.
A REVISTA CENARIUM questionou os ex-ministros, via assessoria de imprensa, sobre as acusações presentes na denúncia e aguarda respostas.
Responsabilização
O denunciante solicita ao MPF que quatro medidas sejam tomadas acerca da responsabilização pela crise do oxigênio na capital amazonense e as mortes decorrentes dela. As primeiras são investigar as ações e omissões de Eduardo Pazuello e Tarcísio de Freitas na crise do oxigênio em Manaus, além de apurar a responsabilidade criminal e administrativa dos dois denunciados pelas mortes e danos causados pela má gestão da crise.
Ferrante ainda solicita que o MPF implante medidas preventivas para evitar que crises futuras crises sejam manipuladas para fins políticos, assim como garantir que respostas a emergências de saúde pública sejam baseadas em critérios técnicos e científicos. Por fim, pede que o MPF garanta indenizações justas às famílias das vítimas e pacientes com possíveis sequelas em decorrência da crise de oxigênio em Manaus.
Trecho da denúncia protocolada ao MPF (Reprodução)
“Em resumo, a denúncia e o artigo anexo são fundamentais para chamar a atenção do Ministério Público para a gravidade das ações dos ex-ministros durante a crise de oxigênio em Manaus e para promover uma investigação abrangente que possa levar a medidas preventivas e justiça para as vítimas“, explicou à CENARIUM.
Após o recebimento da denúncia, um procurador da República vai analisar se há elementos suficientes que indiquem a prática de um crime ou de uma irregularidade administrativa. Se a denúncia for considerada procedente, pode ser instaurado um procedimento administrativo (Notícia de Fato, Procedimento Preparatório, Inquérito Civil, etc.) para aprofundar a investigação. Caso contrário, a denúncia pode ser arquivada.
Em caso de seguimento da denúncia, uma investigação será instaurada, com a juntada de provas como documentos, testemunhas, perícias e outras providências. Já após a conclusão desse procedimento, o MPF poderá propor uma Ação Civil Pública ou Ação Penal. A denúncia é encaminhada ao Poder Judiciário, que poderá condenar ou absolver os envolvidos.
Crise do oxigênio
Em abril deste ano, o MPF e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE/AM) ajuizaram ação na Justiça Federal pedindo a condenação da União, do Estado do Amazonas e do município de Manaus pela responsabilidade na falta de oxigênio medicinal nos hospitais da região, em janeiro de 2021.
Para o MPF e a DPE/AM, a “falta generalizada de oxigênio medicinal que ocorreu no Amazonas a partir de 14 de janeiro de 2021 causou uma tragédia humanitária“. Dezenas de pacientes internados faleceram pela falta do insumo.
Crise do oxigênio em Manaus (Marcelo Seabra/Fotos Públicas)
De acordo com estimativas do Sindicato dos Médicos do Amazonas, cerca de 60 pessoas morreram por asfixia apenas no dia 14. Na ação judicial, os órgãos defendem que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus são responsáveis pela crise instalada no período na saúde pública da capital, pois foram omissos no planejamento de ações no combate à pandemia de Covid-19.
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