Cientistas descobrem novo dinossauro carnívoro brasileiro

O fóssil foi encontrado nas rochas do sítio de Caiera, região de Peirópolis, próximo ao município de Uberaba (MG) (Guilherme Gehr)
Com informações da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO – Um novo dinossauro carnívoro brasileiro acaba de “sair do forno”. A espécie, batizada de Ypupiara lapoi, é o primeiro registro de um dromeossaurídeo (ou “lagartos corredores”) para o País, grupo de dinossauros terópodes que inclui os raptores, dos quais sem dúvida o mais famoso é o Velociraptor.

O nome do gênero vem do tupi e significa “aquele que vive nas águas” e o nome específico é em homenagem a Alberto Lopa, que ajudou o primeiro paleontólogo brasileiro, Llewellyn Ivor Price, e que achou o material.

A descoberta foi descrita na edição desta quinta-feira, 5, da revista britânica Papers in Palaeontology, uma das mais importantes da área de paleontologia. O trabalho é uma parceria de pesquisadores do Museu Nacional, do Rio de Janeiro, do Museu da Amazônia, da Universidade Federal do ABC e do Museu de Ciências da Terra, do Serviço Geológico do Brasil, também do Rio.

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O fóssil foi encontrado nas rochas do sítio de Caiera, região de Peirópolis, próximo ao município de Uberaba (MG), pertencente à formação Marília, uma das mais importantes de rochas sedimentares do Cretáceo Superior (entre 72 e 66 milhões de anos) do País.

O material estudado inclui dois fragmentos de ossos, um do maxilar com dentes (parte superior da mandíbula) próximo da região do focinho e um pedaço da mandíbula inferior. Com esses pedaços diminutos de ossos, no entanto, foi possível identificar o fóssil como um dromeossaurídeo, ao comparar com outras duas espécies recentemente encontradas na Argentina: Austroraptor cabazai Buitreraptor gonzalezorum.

“O conjunto anatômico encontrado no fóssil é único e mostra que realmente se trata de uma nova espécie para a localidade e, mais do que isso, do primeiro dromeossaurídeo brasileiro”, disse Arthur Souza Brum, primeiro autor do estudo.

Os dromeossaurídeos são conhecidos desde o meio do Jurássico até o final do Cretáceo, quando, assim como os outros dinossauros não-avianos, foram extintos. Esses bichos possuíam um tamanho de pequeno a médio, incluindo algumas espécies com até 6 m de comprimento, e viviam em todos os continentes, exceto na Antártida, mas há pouquíssimos registros de fósseis na América do Sul, onde eles formam um grupo menor chamado unenlagíneos.

Como as duas formas argentinas possuem o focinho longo com muitos dentes, característica associada a uma alimentação baseada principalmente em peixes, similares ao de Ypupiara, essa é uma evidência forte a favor da sua alocação como um unenlagíneo. Esses animais seriam mais próximos a outros dromeossauros encontrados na Ásia, como uma espécie chamada de Halszkaraptor escuilliei, que segundo as reconstruções mais aceitas teria um tamanho próximo a um cisne ou um ganso e também continha muitos dentes na boca.

No caso do Ypupiara, o seu tamanho é estimado entre 2 m e 3 m, a partir da reconstituição dos ossos do crânio. Além do tamanho, a forma dos dentes, que são cônicos e sem serrilhas, são outras características únicas desse animal. A região da formação de Marília no período cretácico era mais úmida, com rios, e provavelmente se assemelhava ao que hoje é o Pantanal. “Ele se alimentaria de peixe, mas não exclusivamente de peixes, seria semelhante às garças, hoje: peixes, pequenos lagartos, anfíbios, entre outros animais”, diz Brum.

A história do novo dino, no entanto, é no mínimo curiosa. O material permaneceu na gaveta da coleção do Museu Nacional do Rio por quase 80 anos sem que nenhum palpite sobre a qual animal pertencia fosse acertado. “Quem coletou esse fóssil foi o paleontólogo Llewellyn Ivor Price, em algum momento entre as décadas de 1940 e 1960, mas ele registrou como um vertebrado indeterminado. Nós começamos então a perguntar e comparar o dente com tudo o que conhecíamos e foi assim que vimos que se tratava de um dromeossaurídeo”, afirmou Brum.

Não foi o mero chute que ajudou a determinar qual era o animal desconhecido. À época de Price, não havia nenhum registro de dromeossaurídeos na América do Sul. Foi só a partir de 2005 que foram descritas as duas espécies argentinas que possibilitaram desvendar o mistério.

“A Argentina, apesar de passar por uma crise financeira recente, ainda possui um forte investimento em ciência e principalmente em paleontologia. E, claro, a vegetação mais árida e o clima mais desértico [na região da Patagônia, por exemplo] favorecem a descoberta de novos fósseis”, disse a paleontóloga Kamilla Bandeira, também uma das autoras do estudo.

Apesar de ter permanecido todo esse tempo desconhecido em uma gaveta na coleção do museu, a relevância da descoberta vai além de ser o primeiro registro do grupo para o território brasileiro. O material tipo, que é também chamado de holótipo, foi infelizmente perdido no incêndio que atingiu o Museu Nacional, em 2018. Assim, o artigo científico publicado hoje permanece o único registro do animal disponível para a comunidade.

Para Rodrigo Pêgas, segundo autor do estudo e que faz sua pesquisa de doutorado no Museu Nacional, o fato de o holótipo ter sido perdido quase fez com que o trabalho não saísse. “Nós estávamos fazendo várias análises que não deram tempo de concluir. Felizmente, entre aspas, conseguimos fotografar e fazer a descrição desse material, mas quantos não tiveram a mesma sorte?”, indaga, com a voz embargada e os olhos marejados ao lembrar do fogo que deixou marcas também pessoas em todos os pesquisadores da instituição.

A tragédia que ocorreu no Museu Nacional ainda não foi totalmente computada, e o resgate do acervo ainda é realizado pelos funcionários e voluntários. Mas é importante registrar que o ocorrido deixe um exemplo de como a cultura e os acervos devem ser valorizados, explica a paleontóloga Lucy Souza, que também participou do estudo. “Se a gente deixar de cuidar da nossa história, se fizermos a restauração da cultura a cada vez, em vez de progredir, vamos deixar de ser seres humanos, diferenciados dos demais primatas, em zerar a cultura.”

Para o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional e que também colaborou com o estudo, o paradeiro desconhecido do holótipo após o incêndio sem dúvida é um evento triste, mas não desmerece em nada o trabalho. “Os jovens pesquisadores aqui que estão encabeçando esse trabalho conseguiram tirar leite de pedra. Eu fico orgulhoso deles, porque é um trabalho lindo, aceito em uma revista de alto nível, e com o material perdido.”

A expectativa de Kellner é que mais exemplares do animal estejam ainda preservados na localidade. “Precisamos aumentar os esforços de coleta no Brasil, só assim conseguiremos ter uma visão completa da riqueza de espécies fósseis encontradas no País.”

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