Cientistas usam IA para detectar doença ocular na Amazônia
Por: Fred Santana
26 de outubro de 2025
MANAUS (AM) – Uma inteligência artificial (IA) capaz de identificar pterígio – crescimento fibrovascular na conjuntiva que pode avançar sobre a córnea e causar cegueira evitável – demonstrou alto desempenho no diagnóstico da doença a partir de fotos tiradas com celular em comunidades remotas da Amazônia.
A tecnologia foi testada no estudo piloto “Diagnostic accuracy of a deep learning model for pterygium detection in Barcelos, Brazilian Amazon”, conduzido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e instituições parceiras.
O estudo avaliou moradores de Barcelos (AM), cidade a 399 quilômetros de Manaus, onde a combinação de alta exposição à radiação UV e escassez de oftalmologistas torna o pterígio uma das principais causas de deficiência visual. A doença pode causar irritação, vermelhidão e perda progressiva da visão. Embora tenha tratamento cirúrgico, o maior desafio é o acesso ao procedimento.

Para contornar esse problema, técnicos de enfermagem foram capacitados para fotografar a superfície dos olhos com smartphones e uma fonte de luz auxiliar posicionada para melhorar a nitidez das imagens. As fotos foram analisadas por um modelo baseado em deep learning, técnica que treina computadores a aprender padrões da mesma forma que os humanos, repetindo observações até reconhecer o que está diante de si.
“A ideia do deep learning é como ensinar uma criança. Você alimenta o sistema com uma série de imagens e mostra o que é um gato e o que é um cachorro, até que uma hora ela aprende. Fizemos o mesmo com as imagens dos olhos”, explica Diego Casagrande, um dos autores do estudo.
Segundo o pesquisador, o objetivo da tecnologia é complementar e não substituir a atuação médica. “A IA é um auxílio, não um diagnóstico final, pois a relação médico-paciente é insubstituível. Mas ela nos ajuda a organizar ações controladas para ir até os lugares que mais precisam”, afirma.

Desempenho da IA no diagnóstico
No experimento realizado nas unidades básicas de Barcelos, foram analisados 76 olhos de 38 participantes, com prevalência de pterígio de 46,05%, índice que reforça a gravidade do problema na região. Em quase um terço dos casos, os pacientes apresentaram lesões nos dois olhos.
O modelo de IA alcançou 91,43% de sensibilidade e 90,24% de especificidade. Isso significa que a ferramenta é capaz tanto de identificar corretamente quem tem a doença quanto de reconhecer quando não há pterígio. O desempenho se aproximou do diagnóstico feito por oftalmologistas experientes, referência clínica no estudo.
Para Casagrande, esse resultado indica que a tecnologia pode se tornar uma aliada estratégica no combate à cegueira prevenível na Amazônia. “Invista nesse estudo para a melhora da plataforma. Isso certamente pode diminuir uma das principais causas de cegueira no estado do Amazonas e em outras regiões do mundo”, destaca.
A plataforma utilizada é de baixo custo, funciona on-line e permite que mais agentes de saúde sejam treinados para atuar em áreas de difícil acesso, expandindo o alcance do diagnóstico.

Teleoftalmologia e missões cirúrgicas
A equipe agora pretende aprimorar o treinamento de profissionais locais para que a captura de imagens se torne ainda mais precisa. De acordo com Casagrande, essa evolução pode ampliar o acesso de pacientes a especialistas à distância. “Acreditamos que isso vai melhorar ainda mais a precisão da inteligência artificial e o acesso de um oftalmologista à distância, fortalecendo a teleoftalmologia na região”, afirma.
Com a validação inicial concluída, o próximo passo é utilizar a triagem auxiliada por IA para mapear áreas de maior necessidade e organizar missões cirúrgicas direcionadas às comunidades mais afetadas. Para o pesquisador, essa estratégia permitirá direcionar recursos de forma mais eficiente.
“O uso da IA na triagem permitirá priorizar regiões com maior incidência de casos e otimizar recursos, ampliando o combate a uma das principais causas de cegueira evitável na Amazônia”, conclui.