Cigarro eletrônico vira ‘moda’ e especialistas avaliam riscos de uso

O crescente uso do objeto eletrônico, principalmente entre os jovens, preocupa médicos e até mesmo a Organização Mundial da Saúde (Reprodução/ internet)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Os dispositivos vaporizadores, conhecidos como vapes ou cigarros eletrônicos, têm levantado debates na área da saúde envolvendo a temática sobre o tabagismo. Aparentemente “menos nocivo”, a popularidade e o crescente uso do objeto eletrônico, principalmente entre os jovens, preocupa médicos e até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) que tentam alertar quanto ao uso e perigos à saúde.

De acordo com o pneumologista David Luniere, a fama de menos nocivo, na realidade é classificada por ele como uma “falácia”, ocasionada pela falta de alcatrão na composição do dispositivo. “Isso é uma história onde as pessoas acham que é verdade, mas o cigarro eletrônico faz tão mal quanto o convencional. Muitos acham que não faz mal pela ausência do alcatrão que, inclusive, dá aquele cheiro característico, mas não é bem assim”, alerta o pneumologista.

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O especialista explica que apesar dos cigarros eletrônicos ou até mesmo os narguilés não apresentarem queima do alcatrão, eles contêm outras substâncias não quantificadas ou catalogadas de maneira adequada fazendo com que o usuário evolua para a chamada “lesão pulmonar”. “Na prática é como se fosse uma pessoa que consome esses dispositivos tendo seus pulmões queimados de forma química por substâncias contidas ali, evoluindo para danos irreversíveis ao pulmão”, explica Luniere.

Os cigarros eletrônicos, muitas vezes são procurados por aqueles que buscam largar o tradicional (Reprodução/Internet)

Danos pulmonares

Lançado no comércio no início dos anos 2000, como um possível substitutivo ao convencional cigarro, os vaporizadores eletrônicos, até hoje são procurados por aqueles que buscam aos poucos, abandonar o hábito de fumar. Porém, o especialista alerta para o que ele classifica como “ilusão” e método quase ineficaz.

“Isso não se confirma, a não ser que o indivíduo seja um grande tabagista e use essa o cigarro eletrônico como uma ponte. O problema é que muitos pacientes fazem disso um hábito, mesmo com outros meios para conseguir o ‘desmame’ do fumo, sem que haja inalação de vapores. A goma de mascar à base de nicotina e o adesivo são métodos que podem substituir o cigarro”, explica o médico.

Dentre os danos, os vapores inalados pelo usuários podem causar a lesões, que levam a posteriores problemas como fibrose, bronquites, bem como lesões agudas, sequelas anatômicas do pulmão e ainda, déficit da capacidade de absorção de oxigênio e até a morte.

O médico salienta a necessidade de entender que não existe uma padronização do refil da ampola, que é colocada dentro dispositivo vaporizador para então ser inalado. “Não existe uma informação certa da quantidade de nicotina e seus aromatizantes. Cada empresa tem um volume diferente, o que leva obviamente a dependências e lesões pulmonares diferentes, vale ressaltar que os estudos dessa questão são bem iniciais”, destaca David.

De acordo com a OMS, mais 80 países, não contam com quaisquer iniciativa voltada ao combate da disseminação desencadeada destes produtos (Reprodução/ Internet)

OMS alerta

Em julho deste ano, OMS publicou um relatório, para alertar sobre a necessidade de melhoria na regulamentação dos dispositivos. “A nicotina é muito viciante, e os cigarros eletrônicos são perigosos e devem ser regulamentados”, destacou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

De acordo com informações do relatório, até o momento, 32 países proíbem a venda dos cigarros eletrônicos de nicotina. A quantidade sobre para 79, quando o assunto é alguma medida voltada para limites no uso do cigarro. Ainda de acordo com a OMS, o tabagismo mata oito milhões de pessoas por ano, das quais um milhão são fumantes passivos.

Além de preocupações voltadas à saúde, o documento também alerta para a crescente abrangência do produto tendo como um dos principais alvos adolescentes, pré-adolescentes e até mesmo crianças. O uso desses dispositivos por menores de 20 anos preocupa a OMS, principalmente, por conta dos efeitos severos da nicotina no desenvolvimento do cérebro nesta faixa etária.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibe qualquer comercialização, propaganda ou importação dos cigarros e dispositivos eletrônicos. Apesar disso, não é difícil encontrar pontos comerciais que disponibilizem o produto no mercado.

Atrativo

A universitária Marcela Fernandez, de 23 anos, revela que encontra facilmente o produto em Manaus. Ela afirma que fumou cigarro tradicional dos 16 aos 20 anos, e voltou a fumar após conhecer o Vape. Sem fumaça, ou bituca – nome popular do filtro do cigarro – ou cheiro forte e com inúmeras opções de aromas e sabores, o objeto se torna um atrativo para os que possuem curiosidade ou já fumaram em algum período da vida.

“Além do fato do vape ter um gosto melhor, ele se tornou mais fácil de usar em festas, por exemplo. Quando eu queria fumar cigarro, precisava me afastar das mesas por causa do cheiro. Hoje em dia, com o vape, uso em qualquer lugar e não fica tanto cheiro. Não incomoda tanto”, diz Marcela.

Mesmo com o alerta dos profissionais de saúde em relação aos malefícios do cigarro eletrônico, Marcela destaca que os efeitos sentidos ao fumar diariamente são mais leves que o cigarro tradicional. “O motivo que me fez parar de usar cigarro tradicional, foram os danos que ele me faziam, como muito enjoo, dor de cabeça, tontura e mal-estar. O vape não me causa isso e consegue ter menos nicotina, sendo mais agradável na hora de usar”, conta a fumante.

Em formato de “pen drive”, o vape se tornou popular entre os jovens (Reprodução/Internet)

Dano celular

Em agosto, um estudo realizado pela Universidade da Califórnia (Ucla) e publicado pela revista científica JAMA Pediatrics revelou que 30 minutos de vaporização pode aumentar o estresse oxidativo celular, que ocorre quando o corpo apresenta um desequilíbrio entre os radicais livres (moléculas que causam danos às células) e os antioxidantes.

A pesquisa estudou pouco mais 30 homens e mulheres, com idades entre 21 a 33 anos. Os participantes foram divididos em três grupos: nove fumantes regulares de cigarros, 11 não fumantes e 12 fumantes regulares de cigarros eletrônicos. Os pesquisadores coletaram células imunes dos voluntários, antes e depois de uma sessão de vaporização para medir e comparar as mudanças entre os grupos.

Dentre os vários pontos, os estudiosos destacaram que no caso dos não fumantes, os níveis de estresse oxidativo eram de duas a quatro vezes mais altos do que os fumante regulares e de cigarros eletrônicos após sessão de vaporização. Muito provavelmente por conta de níveis básicos de estresse oxidativo já serem elevados entre os fumantes de cigarros tradicionais ou eletrônicos.

Manifesto

Recentemente a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) publicou um manifesto contra o ex-colunista da Folha São Paulo, um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre (MBL) e deputado federal eleito em 2018 pelo partido Democratas, Kim kataguiri.

Na ocasião, o político publicou nas redes sociais um vídeo na qual propunha a legalização e liberação dos cigarros eletrônicos no Brasil. Em nota, a SBPT considerou a intenção de Kataguiri “um desserviço que coloca em risco a saúde pública dos brasileiros”.

O manifesto ressaltou que o Brasil é pioneiro no controle ao tabagismo e que a proposta de Kim, beneficiaria apenas os fabricantes em detrimentos a saúde dos brasileiros. A contestação traz à tona a preocupação em fazer do cigarro eletrônico um “novo normal” para o ato de fumar, como explica o pneumologista David Luniere.

“Eles querem que isso se torne sociável, algo comum como se fosse um ato saudável a ser praticado e não é. Mas apesar de não ter uma legislação específica, muitas pessoas consomem em ambientes sociais fechados, pois como não há queima de alcatrão, a pessoa não estaria contra a lei. Mas na verdade, todos que sintam mal ou ameaçados pela fumaça tem que se afastar e por isso a SBPT é contra a iniciativa de normatizar aquilo que faz mal”, complementa David.

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