Cinco cidades do Amapá concentram 69% da verba do ‘orçamento secreto’
Por: Ana Cláudia Leocádio
16 de novembro de 2024
BRASÍLIA (DF) – Cinco municípios do Amapá concentram quase 69% das verbas aprovadas no “orçamento secreto” do Congresso Nacional, nos anos de 2020 a 2023, entre os dez mais beneficiados por emendas parlamentares, considerando o critério populacional. É o que mostra o relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última terça-feira, 12, que aponta ainda a concentração de recursos nas regiões Norte e Nordeste, com destaque também para duas cidades do Ceará.
A auditoria foi solicitada pelo ministro Flávio Dino, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, movida em junho de 2021 pelo Psol contra o Congresso Nacional e a Presidência da República, em que questiona o cumprimento das emendas de comissão e de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto, por falta de transparência e rastreabilidade.
Em agosto deste ano, ao suspender a execução das emendas do orçamento secreto, Flávio Dino determinou à CGU que realizasse uma auditoria nos dez municípios que receberam o maior volume de recursos de emendas pelo critério da população.

Das dez cidades selecionadas na primeira auditoria, seis foram da Região Norte, sendo cinco delas no Amapá (Tartarugalzinho, Pracuúba, Cutias, Amapá e Vitória do Jari) e outra em Tocantins (Lavandeira). O relatório foi entregue na primeira semana de setembro ao STF e complementa o desta semana.
Com o resultado, o ministro concluiu que a amostra ficou limitada ao Norte, e emitiu um novo despacho determinando que a CGU selecionasse outros 20 municípios, dividindo-os pelas demais regiões, que são as cidades que compõem esse segundo relatório entregue dia 12. O ministro aguarda, agora, a manifestação das partes e da Procuradoria-Geral da República sobre o relatório para decidir sobre a matéria.
No total, foram fiscalizados R$ 787,865 milhões em emendas, sendo R$ 330,2 milhões repassados para os dez primeiros municípios e R$ 458 milhões para os 20 da última auditoria. Deste montante, duas prefeituras do Ceará, Tauá, com 61,2 mil habitantes, foi beneficiada com R$ 193,522 milhões, enquanto Russas, que tem 30,6 mil moradores, foi agraciada com 106,101 milhões. Para as outras 18 prefeituras, o maior valor foi para Bituruna (PR), R$ 26,164 milhões.

A CGU realizou 70 vistorias, in loco, nos dez primeiros municípios selecionados, e 137 nos outros 20, tanto em obras quanto para conferência de equipamentos, veículos e mobiliários, dentre outros bens adquiridos. Nesta segunda vistoria, entraram duas cidades da Amazônia Legal, do Estado do Mato Grosso, Figueirópolis D’Oeste e União do Sul.
Dentre as conclusões dos técnicos está a de que em termos de término de obras as unidades da federação da Região Norte “tiveram um desempenho menos satisfatório do que as demais regiões do País”, segundo a CGU.
Uma das explicações pode estar ligada ao tipo de obra e o tempo dos contratos, aponta o relatório da instituição. “Como na segunda amostra, há, em média, mais obras menores, afigura-se razoável imaginar que tais obras possam ser concluídas mais rapidamente. Nessa mesma linha de argumentação, nos 20 municípios ora analisados, há um maior número de instrumentos de transferência celebrados em 2020, sendo esperado que esses contratos mais antigos tenham, em termos físicos e financeiros, avançado mais”.
O ministro Flávio Dino aguarda as providências que o Congresso Nacional e o Poder Executivo tomarão para dar transparência e rastreabilidade na execução das emendas parlamentares. Uma das principais conclusões da CGU é justamente a falta de transparência na indicação dos autores dos recursos aos ministérios e na forma como as verbas devem ser utilizadas pelos gestores.
Na última quarta-feira, o Senado Federal aprovou o texto-base do Projeto de Lei (PL) que estabelece as novas regras para as emendas parlamentares. Após a votação dos destaques, o texto voltará para análise de Câmara dos Deputados. Entidades defensoras da transparência na política criticaram o projeto, porque não altera o atual cenário, que foi alvo da ação judicial no STF.
Recursos ao Amapá
Dos dez municípios auditados, somente os cinco do Amapá receberam, de 2020 a 2023, quase R$ 300 milhões de um montante de pouco mais de R$ 330 milhões. Ou seja, 68,64% do valor total, com destaque para Tartarugalzinho, que tem uma população de quase 13 mil habitantes e garantiu R$ 87,5 milhões da verba. Segundo informações do portal Metrópoles, a cidade é governada pelo prefeito reeleito Bruno Mineiro (União), aliado do senador David Alcolumbre, do mesmo partido.
A segunda prefeitura do Estado do Amapá a receber mais verbas de emendas parlamentares foi Vitória do Jari, com 11,2 mil moradores, que recebeu R$ 45,4 milhões; seguida pela cidade de Amapá, com cerca de 8 mil habitantes, que recebeu R$ 35,3 milhões. Completam a lista Cutias, que tem uma população de 4,4 mil pessoas e garantiu R$ 27,4 milhões; e Pracuúba, de 3,8 mil habitantes, que foi contemplada com R$ 20 milhões em quatro anos.
Campeã na destinação dos recursos, o relatório da CGU mostra que Tartarugalzinho recebeu verba para 14 obras, mas só havia concluído uma na época da auditoria, realizada em agosto deste ano. Mais de 60% das obras não foram iniciadas. Já no município de Pracuúba, mais de 90% das obras não haviam sido iniciadas.
Em Cutias, Amapá e Vitória do Jari, o estágio dos trabalhos encontrava-se em melhor situação. Mas a CGU chama a atenção para a quantidade de recursos destinados a campos de futebol em Pracuúba, quatro no total. Dois deles são destinados à comunidade Cujubim, considerando o tamanho da população do município. “Na vistoria, pode-se observar a existência de equipamentos semelhantes já em funcionamento, tanto na sede municipal quanto nas comunidades”.
A hipótese dos técnicos da CGU é de que as demandas dos prefeitos, feitas por meio de ofícios ou visitas aos gabinetes parlamentares, não passam por uma definição prévia das necessidades dos municípios, causando discrepâncias durante as solicitações das emendas.
Ainda segundo a auditoria, “parte relevante dos recursos do Ministério da Defesa foram enviados para municípios do estado do Amapá (em que pese Lavandeira/TO, também, ter sido contemplado), parte relevante dos recursos recebidos por Tartarugalzinho adveio do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e do Ministério das Cidades (MCid), e parcela significativa dos recursos aplicados em Itaguaçu/BA originou-se do MIDR”.
Fiscalização
O relatório dos outros 20 municípios, vistoriados entre 7 e 18 de outubro, mostra que 39% das obras ainda não haviam começado, 29% estavam em execução, 27% concluídas e 5% paralisadas.
Os técnicos da CGU salientam no documento que, “considerando o prazo e a capacidade operacional disponíveis, e ainda a situação de cada obra/equipamento e a sua distância da sede do município, não foi possível vistoriar todos os objetos”.
“Ao todo, nos 30 municípios selecionados, tanto em obras quanto para conferência de equipamentos, veículos e mobiliário adquiridos, foram realizadas 207 vistorias in loco, totalizando R$ 558.287.832,26, o que corresponde a 68% dos valores verificados no Transferegov.br e pelo Simec para a amostra de municípios”, informa o relatório.
O destaque foi o município de Bom Sucesso do Sul (PR), que apresentou 100% de obras concluídas, seguido por Araponga (MG) e Bituruna (PR), com índices de 70%. Já o município de Alto Bela Vista (SC) apresentou índice de 100% de obras paralisadas, dado que a única obra vistoriada estava paralisada.
Destinação de verbas
Entre os ministérios que mais direcionaram recursos para os 30 municípios selecionados na auditoria da CGU estão as pastas da Integração e do Desenvolvimento Regional, das Cidades, da Saúde e da Defesa. No caso do último, muito em razão do Programa Calha Norte, que contemplou os municípios do primeiro relatório dos dez municípios analisados em agosto.
“Em termos percentuais, a participação do Ministério da Saúde foi maior nessa segunda, e o MIDR e Ministério das Cidades, nas duas amostras, foram, com razoável vantagem, os órgãos que mais destinaram emendas parlamentares aos municípios selecionados”, concluiu o relatório.
O Programa “Desenvolvimento Regional, Territorial e Urbano” foi responsável por mais de 45% dos valores empenhados (na primeira amostra foi 50%). Mas a CGU alerta que, “entre suas finalidades estão o financiamento de obras de pavimentação e recapeamento, objetos que, historicamente, estão ligados a programas/ações orçamentárias cujas avaliações de órgãos de controle indicam fragilidades no processo de seleção de prioridades (não baseado em evidências), problemas de execução e a ausência de metas ou indicadores”.
Após constatarem as deficiências na transparência e rastreabilidade na execução das emendas em alguma ou várias fases dos trabalhos, os técnicos da CGU fizeram algumas recomendações no relatório, que agora deverão ser analisadas pelo ministro relator da ADPF 854, Flávio Dino.