Dicionário amazonês: com 351 anos, Manaus mantém tradição e ‘grelha’ nas gírias populares

Linguajar amazonense é peculiar por trazer consigo expressões que somente o povo amazônida compreende (Arte: Samuelknf/ Revista Cenarium)

Carolina Givoni – Da Revista Cenarium

MANAUS – “Ei, tu é leso? Deixa de ser abestado e vem ler essa matéria chibata”. Esse é o jeitinho manauara de convidar os leitores da REVISTA CENARIUM para comemorar o aniversário da popular “Paris dos Trópicos”, que completa 351 anos neste sábado, 24, com um pequeno dicionário sobre os significados das gírias populares mais utilizadas na capital amazonense. 

Veja abaixo uma das principais expressões catalogadas pelo doutor em Linguística Sérgio Freire, responsável por uma verdadeira coletânea de “pérolas” faladas em Manaus e no Amazonas, sendo autor do livro “Amazonês”.

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Até o tucupi: Significa atingir o nível máximo de algo, por exemplo; “comi tanto, que estou até o tucupi”.

Brocado: O termo tem relação com o ato de estar com fome; “estou brocado”.

Agora se você precisa ir embora, em Manaus você vai “capar o gato”, e apesar do termo remeter a uma agressão aos felinos, nada disso é feito!

Já a expressão “chibata”, remete a algo muito bacana, divertido. “Assistimos a um filme chibata”.

Está com calor? Que tal se refrescar com um delicioso “dindim” de fruta? O dindim é uma variação local da sobremesa caseira gelada, conhecida em outros locais como chopp, sacolé ou “chup-chup”.

Em Manaus, se você faz sucesso e se destaca, você “grelha” demais.

Para expressar surpresa, os manauaras gostam de usar a expressão “ê caroço”. Além de “fuleiro” para mencionar aquele amigo que sempre desmarca o encontro de última hora.

Para matar a fome, nada como comer um “kikão”, palavra manauara do clássico cachorro-quente ou hot-dog.

Na capital amazonense e no interior do Estado, é comum ouvir “mana” e “mano” nas feiras, mercados livres e comércio local. É o modo carinhoso de chama aquela pessoa próxima. “Ei mana, vamos dar uma volta no Centro?”.

E quem perde tempo pensando em bobagens, tem que parar de “leseira baré”, expressão que indica como é chamado um momento de distração desnecessária.

Para perguntar se um amigo “ficou doido”, nada como um “telesé” para chamar atenção. “Ei mana, telesé? Vem para cá que a festa está boa”.

Agora se você gosta de coisas grandes, que tal usar “maceta” para se expressar? “Nossa, comi aquele prato “maceta” de sopa.

Para não deixar a lista das expressões “com defeito”, vamos encerrar com a palavra “escangalhar”, que significa quebrar algo, ou deixar algo malfeito.  

A língua é história

O especialista em linguística Sérgio Freire contou em entrevista à REVISTA CENARIUM qual sua expressão favorita, além da importância de manter vivo o dialeto popular na região amazônica.

“Gosto muito do jeito que o manauara enfatiza com o que ‘que só’, que é uma herança dos nordestinos que para cá, fugindo da grande seca e depois no segundo ciclo da borracha. E aprecio muito a inversão sintática de ênfase: ‘Gosto não eu’”, explicou inicialmente.

Para ele, manter vivas essas expressões populares são uma forma de expressar a identidade amazônica. “Língua é história. Registrar as expressões da língua oralizada é uma forma de registrar nossa própria identidade. E o linguista registra não para manter, porque não tem papel normativo sobre a língua, que é dona de si, mas para dizer para quem vem depois como a gente era antes”, declarou Freire.

No livro “Amazonês”, que já está na segunda edição, o autor afirma que fez mais de dez anos de pesquisa linguística. Ele conta uma curiosidade especial desse período, justamente sobre a palavra kikão. “Havia uma Kombi transformada em lanche nos anos 70 que vendia cachorro-quente. O nome do lanche era “lanche do Kiko”. Aí o dono, o pretenso Kiko, batizou o cachorro-quente que vendia – e que fazia sucesso – como KIKÃO. Com o tempo, o lanche se foi e a palavra ficou na língua. Hoje há variações, como KIKINHO, o cachorro-quente pequeno de um real”, finalizou.

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