Com bonecas de pano, aposentada leva esperança para crianças carentes durante pandemia

Helena faz bonecas diversas, personalizadas, identitárias, mas as que mais fazem sucesso e ficam mais bonitas são as mais clássicas. (Mauro Souza/Reprodução)

Ricardo Oliveira – Da Revista Cenarium

MANAUS – A boneca ganhou uma
menina
que triste pelos cantos
vivia
A menina ganhou o encanto
pois seus olhos já sorriam.

Difícil ficou distinguir
menina, boneca, poesia…

(Mário Massari)

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O sonho de Maria Helena Freire de Souza, quando criança, era ter uma boneca. Poderia ser de pano, mas tinha que ter “cara de boneca” com braços, pernas, lacinhos no cabelo e – por que não? – vestidinhos caprichados. Ela própria não tinha roupas “caprichadas”, era tudo muito básico e ainda tinha que dividir tudo “de menina”, inclusive sapatos, com as outras irmãs de idades próximas.

Hoje, aos 77 anos (faz neste 8 de setembro), ela trabalha para oferecer a crianças em condições semelhantes a sua um pouco de encanto e alegria, presenteando-as com bonecas de pano que ela faz com muito carinho e dedicação.

Helena conta que a infância foi muito, muito pobre, e que o desejo de ter uma boneca certamente influenciou sua principal ocupação hoje. A mãe, viúva, se desdobrava para que os 11 filhos, sendo oito mulheres, não passassem fome e pudessem estudar e ter alguma chance na vida. “Presentes” eram um “luxo” inalcançável.

Maria Helena com sua coleção de bonecas (Mauro Souza/ Reprodução)

O máximo que dona Elisa Bessa Freire, mãe de Helena, podia dar de presente às suas filhas eram “bruxinhas” de pano que ela mesmo fazia e apenas no Natal. “Mas eram muito feinhas, não tinham pernas, nem mãos. Eram tipo uma cruzinha de pano com um cabelinho de tecido preto na cabeça como se fosse cabelo”, lembra Maria Helena.

O amor por sua “cria” tem raiz naqueles tempos de menina. “A gente morria de vontade de ter boneca, então, eu acho que isso ficou aqui dentro, sabe? Porque eu amo tanto as minhas bonequinhas. Eu faço, fico olhando como foram ‘criadas’ com tanto carinho e dedicação, eu me despeço delas quando vão, é engraçado… Mas saber que vão fazer a felicidade de uma criança, levando brilho aos seus olhos, me deixa muito feliz. É como se eu voltasse no tempo e me presenteasse com as bonecas que eu sempre quis ter”, diz, emocionada, acrescentando que as quase 50 “meninas de pano caprichadas” serão doadas no Dia das Crianças.

Ninho vazio

Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), desde 1994, Helena ainda continuou trabalhando na iniciativa privada até 2006, quando parou definitivamente de trabalhar fora e passou a se dedicar mais a coisas “de casa” – além de bonecas de pano, faz guardanapos bordados, caixinhas de costura, fuxicos, bordados e outros tipos de artesanato.

Tudo para ocupar o tempo, pois ficava em casa cuidando do marido, que sofria de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), morto em 2016. “Meus cinco filhos já estavam cuidando de suas vidas, era eu e meu velho, eu tinha tempo”.

Depois que o marido morreu, Helena conta que sentiu um “vazio enorme” e intensificou sua dedicação às bonecas de pano, porém, de forma mais esporádica, para presentear uma neta ou outra criança da família.

As roupinhas de bonecas de pano produzidas com muito carinho e dedicação. (Mauro Souza/Reprodução)

“As primeiras que fiz foi para as minhas netas [são nove, no total]. Então, eu comecei a fazer, fui aperfeiçoando aos poucos e me dedicando cada vez mais. Como nunca pensei em vender, resolvi fazer e doar para abrigos e em comunidades carentes. E todo ano, em dezembro, eu fazia um pouquinho, não tantas como agora, mas sempre dava uma vontade de agradar crianças que não têm nada, e aí fui fazendo, fui fazendo…”, conta.

Na família de Helena, há várias artesãs, entre as irmãs e cunhadas, que formaram o Maricotas do Artesanato. Todas toparam engrossar a minha campanha do Dia das Crianças e do Natal e estão fazendo “naninhas” para crianças pequenas e outras bonecas. A meta é chegar a 100.

“Nós vamos aos lugares onde sabemos que tem crianças que precisam, fazemos um levantamento de quantas crianças, se são meninas, meninos, se são branquinhas ou pretas, porque eu faço muitas bonequinhas pretas também, e aí a gente vai distribuir de acordo com o número de crianças. Campanha tem até hashtag: #bonequeirasemfamilia.

Pandemia e “fama”

Quando começou o isolamento social por causa da Covid-19, Helena estava em São Paulo, com uma das filhas. A viagem que deveria durar 10 dias se estendeu por três meses. Sem sua máquina de costura e seus apetrechos de fazer boneca, começou a fazer cursos de aperfeiçoamento pela Internet. Ela conta que bateu uma” vontade louca” de fazer as novas bonecas.

“Quando consegui voltar para Manaus, entrei de cabeça e fiz 30 bonecas para doar nesse Dia das Crianças – as demais foram produzidas pelas Maricotas. E foi também uma forma de agradecer a Deus porque tudo correu bem na minha família, ninguém pegou Covid”.

Após a repercussão nas redes sociais as encomendas surgiram e o pagamento, em vez de dinheiro, era mais material para nova produção. (Mauro Souza/Reprodução)

Desde que um de seus filhos publicou sua foto com a “cria” no grupo Faça Você Mesmo, na rede social Facebook, o trabalho de Helena ganhou o mundo. Vieram encomendas, e o pagamento, em vez de dinheiro, era mais material para nova produção.

“Quem levava uma boneca, me dava uma parte de material para eu continuar fazendo, e assim eu fui chegando a esse numero todo. Em relação à pandemia, especificamente, foi uma forma que encontrei de preencher meu tempo, de maneira agradável, e não me sentir tão ansiosa, porque esse isolamento social pesa para todo mundo. Esse entretenimento preencheu meu tempo com uma coisa útil”, diz.

Helena faz bonecas diversas, personalizadas, identitárias, mas as que mais fazem sucesso e ficam mais bonitas são as mais clássicas: Alice, Emília, principalmente, Moranguinho, Elsa, Anna de Arendelle, do filme Frozen, Chiquinha, Chaves e as princesas Branca de Neve, a Bela, de A Bela e a Fera, Cinderela, ou seja, as mais conhecidas.

“Essas são as preferidas das crianças. Você precisa ver como os olhinhos delas brilham, quando ganham”, relata, orgulhosa. Parafraseando o poeta, a boneca – de Helena – ganhou uma menina, e a menina ganhou o encanto.

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