Combinação de duas doses diferentes de vacina contra a Covid-19 tem riscos e benefícios

Frascos da vacina Pfizer/BioNTech contra Covid-19, em Londres (Daniel Leal-Olivas/AFP)

NOVA YORK — As vacinas contra a Covid-19 mais amplamente usadas são projetadas com inoculações em duas doses, e quase todas as pessoas no mundo que já foram completamente vacinadas receberam o mesmo imunizante nas duas vezes.

Mas isso está mudando, à medida que mais países estão permitindo — e até mesmo, em alguns casos, encorajando — a vacinação mista, com pessoas recebendo uma primeira dose de uma vacina e, em seguida, a segunda dose de outra diferente. 

Na terça-feira, 22, o governo alemão revelou que a chanceler Angela Merkel havia recebido duas doses de vacinas diferentes, aumentando o interesse em torno do assunto. 

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Algumas nações tentaram essa abordagem por necessidade, quando faltaram suprimentos de uma vacina em particular, ou por precaução, quando surgiram dúvidas sobre a segurança de uma marca depois que muita gente já havia recebido a primeira dose. Os reguladores dos EUA até agora têm relutado em encorajar a prática. Mas cientistas e formuladores de políticas de saúde estão interessados na possibilidade de que administrar vacinas diferentes na mesma pessoa possa ter vantagens significativas.  

Aqui estão algumas questões comuns levantadas pela vacinação mista. 

Quais são os potenciais benefícios? 

A mistura de vacinas — os cientistas chamam de vacinação heteróloga — não é uma ideia nova, e pesquisadores fizeram experiências do gênero no combate a várias outras doenças, como o Ebola. 

Os cientistas há muito teorizam que dar às pessoas duas vacinas ligeiramente distintas pode gerar uma resposta imunológica mais forte, talvez porque as vacinas estimulem partes ligeiramente diferentes do sistema imunológico ou o ensinem a reconhecer partes diferentes de um patógeno invasor.  

“O argumento é que um mais um são três”, disse John Moore, virologista da Weill Cornell Medicine. “O quão bem esse argumento se mantém na prática na área de Covid terá de ser julgado pelos dados reais.”

Além dos benefícios imunológicos potenciais, a combinação também “oferece a flexibilidade necessária quando os suprimentos de vacina são desiguais ou limitados”, disse Zhou Xing, imunologista da Universidade McMaster, no Canadá. 

O que dizem as pesquisas? 

Vários ensaios clínicos estão em andamento para determinar se há benefícios ou desvantagens. Pesquisadores da Universidade de Oxford estão testando diferentes combinações de vacinas — incluindo AstraZeneca-Oxford, Pfizer-BioNTech, Moderna e Novavax — no estudo chamado Com-Cov. 

Pesquisadores russos estão testando uma combinação de sua vacina Sputnik V com a da AstraZeneca. A Sputnik V é, em si, baseada em uma abordagem mista, com a primeira e a segunda doses tendo formulações diferentes. 

A maioria dos estudos ainda está nos estágios iniciais, mas alguns divulgaram resultados preliminares promissores. No mês passado, por exemplo, uma equipe de pesquisadores espanhóis anunciou que as pessoas que receberam uma dose da vacina AstraZeneca, seguida de uma dose da vacina Pfizer, mostraram uma resposta imunológica robusta. Este regime pareceu provocar uma resposta imunológica mais forte do que duas doses da vacina AstraZeneca, disse Zhou Xing. Ainda não está claro se é melhor do que duas doses da vacina Pfizer.

É seguro? 

Dados preliminares do estudo Com-Cov sugerem que misturar e combinar vacinas pode aumentar as chances de efeitos colaterais leves e moderados, incluindo febre, fadiga e dor de cabeça.  

Os dados sugerem que um regime misto “pode ter algumas desvantagens de curto prazo”, escreveram os pesquisadores, embora também seja possível que os efeitos colaterais possam ser um sinal de uma forte resposta imunológica. A maioria dos efeitos colaterais desapareceu em 48 horas.

No geral, os cientistas dizem que esperam que os dados mostrem que a abordagem é segura. “Como aprendemos em 18 meses com a Covid-19, nunca diga nunca, mas é realmente difícil racionalizar qualquer novo risco associado ao que é realmente uma abordagem imunológica básica, experimentada e testada”, disse Daniel Altmann, imunologista do Imperial College London. 

Onde isso está sendo feito? 

As autoridades de saúde de vários países estão permitindo algum grau de combinação. O Reino Unido começou a permitir a mistura de vacinas desde os primeiros dias da sua vacinação. 

Líderes de Alemanha, Canadá, Suécia, França, Espanha e Itália disseram que as pessoas que receberam uma dose da vacina AstraZeneca, associada a um raro distúrbio de coagulação do sangue, podem receber uma vacina diferente para a segunda dose. 

Em resposta ao atraso nas entregas da vacina AstraZeneca, a Coreia do Sul anunciou na semana passada que os profissionais de saúde que receberam a primeira dose dessa vacina poderiam receber a da Pfizer como segunda dose. 

O painel consultivo de vacinas do Canadá também disse que as vacinas Pfizer e Moderna podem ser usadas alternadamente. 

O Food and Drug Administration (FDA, órgão semelhante a Anvisa) dos EUA tem sido mais conservadora. A agência diz que as pessoas que receberam uma dose da vacina Pfizer ou Moderna podem receber uma segunda dose da outra em “situações excepcionais”, como quando a vacina original não está disponível. 

“Não consigo imaginar que o FDA. permitirá esse tipo de estratégia de combinação sem avaliar adequadamente os dados dos ensaios clínicos”, disse Moore. 

Por que Angela Merkel recebeu duas doses? 

A Alemanha protege ferozmente a privacidade médica, até mesmo a de seus líderes, mas o porta-voz de Merkel, Steffen Seibert, sugeriu que sua opção de vacina foi em parte sobre dar o exemplo. 

Relatos isolados de coagulação levaram muitos países europeus a suspender o uso da vacina AstraZeneca em março. A maioria deles, incluindo a Alemanha, retomou seu uso algumas semanas depois, após uma análise do regulador de medicamentos da União Europeia.

Mas quando Merkel foi vacinada com a AstraZeneca em abril, muitas pessoas permaneceram profundamente céticas, retardando a campanha de vacinação. “Com sua primeira dose da AstraZeneca, a chanceler possivelmente conseguiu encorajar muitas pessoas a se vacinarem com ela”, disse Seibert a jornalistas na quarta-feira.

A comissão de vacinas da Alemanha recomendou em abril que qualquer pessoa com menos de 60 anos que tivesse recebido a primeira injeção de AstraZeneca deveria fazer o acompanhamento com a Pfizer ou Moderna. Os reguladores relaxaram esse conselho neste mês, mas Merkel, de 66 anos, tomou a vacina Moderna alguns dias atrás. “Talvez ela também possa aliviar as pessoas de suas preocupações sobre a chamada ‘vacinação cruzada’, recebendo para si mesma”, disse Seibert.

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