Comissão do Senado analisa relatório de diligência sobre garimpo ilegal no Amazonas


Por: Ana Cláudia Leocádio

21 de outubro de 2025
Comissão do Senado analisa relatório de diligência sobre garimpo ilegal no Amazonas
Relatório foi elaborado após diligências no sul do Amazonas (Reprodução PF e Senado | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

BRASÍLIA (DF) – A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) analisa, nessa quarta-feira, 22, o relatório da diligência externa realizada nos dias 25 e 26 de setembro, nos municípios de Humaitá e Manicoré, no sul do Amazonas, após a Operação Boiúna, que destruiu 277 dragas de garimpo ilegal na região, incluindo no Estado de Rondônia. Liderada pelos senadores Damares Alves (Republicanos-DF) e Plínio Valério (PSDB-AM), a diligência conclui, sem apresentar evidências robustas, que 50% das famílias da região dependem diretamente das balsas de pequeno porte para extração mineral para sobreviver e que até mesmo indígenas tiveram equipamentos destruídos.

O relatório não utiliza a palavra “draga” nem “garimpo ilegal” para caracterizar a atividade irregular na região. Os garimpeiros são chamados de “extrativistas minerais familiares” e o aparato para extrair o minério das águas do Rio Madeira é chamado de pequenas balsas, que também serviriam de moradia para essas pessoas.

O senadores Plínio Valério e Damares Alves desembarcam no sul do Amazonas (Reprodução)

Conforme o relatório assinado pela presidente da CDH, Damares Alves, a operação, conduzida pela Polícia Federal (PF) para combater o garimpo ilegal utilizou explosivos de grande poder destrutivo, resultando em uso desproporcional da força e graves impactos sociais e humanitários nas comunidades ribeirinhas, que perderam moradias e meios de subsistência. Também critica a forma de inutilização do material apreendido, com uso de explosivos, que acaba contaminando as águas e causando a morte de peixes e outros seres que habitam os rios.

O documento também detalha as visitas da comitiva, os depoimentos de autoridades e moradores, e conclui que houve violações de direitos fundamentais, incluindo o direito à vida e à dignidade, e recomenda medidas como a regulação do “extrativismo familiar” e a responsabilização dos agentes públicos envolvidos na operação. Damares e Plínio Valério visitaram Humaitá no dia 25 de setembro e, Manicoré, no dia 26.

Em Humaitá, diz o relatório, os impactos da operação afetaram a segurança da população, a economia local, a educação, que resultou em “uma grave crise humanitária e psicológica”. A diligência constatou que as ações repressivas se concentraram na destruição de balsas e flutuantes localizados no porto, em frente à prefeitura da cidade, uma área central de grande fluxo de pessoas. Segundo o relatório, o impacto econômico foi na arrecadação da cidade, oriunda majoritariamente do comércio, que perdeu clientes pela falta de recursos da população, que não tem mais sua fonte de renda garantida.

Representantes de comissão do Senado em reunião com pessoas do sul do Amazonas após ação da PF (Reprodução)

Em Manicoré, segundo o documento, a operação impactou diretamente a renda das famílias de baixa renda, causando uma queda de até 70% nas vendas do comércio e resultando em dezenas de demissões, conforme relataram moradores e autoridades aos senadores. Também causou indignação nos moradores, porque as explosões ocorreram no dia dos festejos da padroeira da cidade, Nossa Senhora das Dores, o que levou à suspensão das comemorações pela igreja.

“Para a vasta maioria dos extrativistas familiares de Manicoré, o garimpo de ouro não é uma escolha, mas uma necessidade premente de sobrevivência, sendo que ‘cerca de 50% das famílias do município de Manicoré e outras áreas adjacentes’ dependem diretamente das balsas de pequeno porte”, diz trecho do relatório. Segundo o texto, há um “sentimento de discriminação trabalhista e a garantia do direito de trabalharem honestamente e com dignidade”.

Nos dois municípios foram relatados pânico da população, com danos psicológicos, e a suspensão das aulas por duas semanas que afetou cerca de 10 mil estudantes.

Rio Madeira, no sul do Amazonas, após operação da PF contra garimpo ilegal na região (Reprodução)

Outro ponto do texto chama atenção para a atividade de garimpo pelos indígenas, sem qualquer prova que sustente a informação. Com base nos relatos de representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) durante a diligência, foi relatado que parte dos indígenas da região também tem o costume de trabalhar com pequenos flutuantes de extração de minério para garantir o sustento da família e da comunidade. Não foram citados os nomes das comunidades. Segundo a denúncia, as bombas foram lançadas sobre as pequenas balsas e embarcações dos indígenas nas proximidades de seus territórios.

Após constatar inúmeras violações de direitos humanos na Operação Boiúna, a senadora Damares sugere uma série de encaminhamentos destinados aos Poderes Executivo, Legislativo e a órgãos de controle, visando impedir novas violações e buscar a reparação e regulamentação da atividade.

Motivo da operação Boiúna

Conforme detalha o documento da CDH, a Operação Boiúna, executada entre os dias 10 e 24 de setembro de 2025, ocorreu com o objetivo declarado de combater a mineração ilegal de ouro no leito do Rio Madeira. A ação foi realizada pela Polícia Federal, sob a coordenação do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia (CCPI), e contou com o apoio de diversas instituições, como a Força Nacional de Segurança Pública e a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho e Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam).

A base legal para a realização da Operação Boiúna foi a Recomendação 17, de 14 de agosto de 2025, do Ministério Público Federal (MPF), assinada pelo Procurador da República André Luiz Porreca Ferreira Cunha. Ele deu dez dias para que os órgãos responsáveis promovessem, com urgência, a descaracterização, destruição ou inutilização de todas as balsas, dragas e demais instrumentos utilizados na extração ilegal de minérios na área compreendida entre os municípios de Calama, em Rondônia, e Novo Aripuanã, no Amazonas.

Operação da Polícia Federal no Sul do Amazonas (Reprodução/Polícia Federal)

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) alegou que a operação visava impedir a continuidade dos danos socioambientais, cessar os lucros decorrentes da atividade ilegal e possibilitar a implementação de medidas sociais e ambientais junto às comunidades ribeirinhas. Na época, o ministério divulgou que foram destruídas 277 dragas e causou um prejuízo de R$ 38 milhões à atividade ilegal.

A diligência também destacou que a operação teve como base estudos realizados por monitoramento remoto iniciado em janeiro de 2025, por um pesquisador do Greenpeace Brasil, que permitiu identificar centenas de dragas garimpeiras no Rio Madeira, o que ensejou a recomendação do MPF.

O que diz a legislação

Embora os objetivos oficiais e a base legal da operação criticada se refiram à “mineração ilegal” e “extração ilegal”, o relatório da Comissão foca nas violações de direitos humanos ao constatar que a maioria dos atingidos foram pequenos extrativistas minerais, em regime de economia familiar, que trabalham em pequenas balsas (“balsinhas”) para subsistência.

Além disso, o relatório destaca que a atividade garimpeira possui previsão constitucional, cabendo ao Estado favorecer sua organização em cooperativas e propor políticas públicas e medidas administrativas para “a superação das causas estruturais de exploração predatória ilegal”.

Vista aérea de Humaitá, no sul do Amazonas (Reprodução)

A atividade garimpeira é regida pelo Código Nacional de Mineração e pela Lei 7.805, de 18 de julho de 1989, que alterou o Decreto-Lei 227, de 28 de fevereiro de 1967, e estabeleceu o regime de permissão de lavra garimpeira no Brasil. Para obter a licença para garimpagem, a chamada Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), é preciso encaminhar os pedidos à Agência Nacional de Mineração (ANM).

O relatório da diligência da CDH não apresenta um trecho que confirme diretamente se os extrativistas, como são denominados, possuíam licença (autorização ou concessão) específica para operar na região. O que há são depoimentos dos moradores, representantes de cooperativas de garimpo e autoridades dos dois municípios, que defendem a legalização da atividade, considerada vital para subsistência dos habitantes da região.

Um levantamento do Portal da Transparência do Ouro, divulgado em junho de 2024, mostrou que havia 1.943 títulos para mineração de ouro validados pela ANM no Brasil, mas apenas 185, o que correspondia a 9,5%, estavam em conformidade com os critérios legais da atividade.

Dados de um relatório divulgado, em abril deste ano, pelo portal Climate Policy Iniciative, mostra que, atualmente, 92% da área garimpada legal ou ilegalmente no Brasil se concentra na Amazônia.

Leia mais: Após pânico no Rio Madeira, DPE-AM pede fim de explosivos em operação contra garimpo
Editado por Jadson Lima

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO
Visão Geral de Privacidade

Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.