Como está licenciamento da BR-319, pivô da confusão de senadores com Marina
Por: Ana Cláudia Leocádio
29 de maio de 2025
BRASÍLIA (DF) – Pivô da confusão de senadores do Amazonas com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, no Senado, na última terça-feira, 27, o processo de licenciamento para o trecho do meio da BR-319 (Manaus-Porto Velho) vai para o terceiro ano, desde que recebeu a Licença Prévia (LP), sem que o Ministério dos Transportes apresente o pedido de Licença de Instalação (LI), etapa que autorizaria o início das obras.

Segundo informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) enviadas à CENARIUM, “o processo de licenciamento ambiental da BR-319 – especificamente no trecho do meio da rodovia – segue em tramitação regular”. O órgão afirmou que aguarda requerimento da LI por parte do empreendedor, assim como o projetivo executivo das obras e o Plano Básico Ambiental (PBA) para eventual autorização da pavimentação.
“Até o momento, tais documentos ainda não foram protocolados. Somente após a apresentação completa dessa documentação será possível iniciar a análise técnica para eventual autorização das obras de pavimentação, acompanhada do Projeto Executivo, Plano Básico Ambiental e atendimento a outras condicionantes determinadas na licença vigente”, diz a nota do Ibama.
Ainda de acordo com a autarquia, todas as exigências para o licenciamento seguem critérios técnicos e legais estabelecidos em Termo de Referência previamente disponibilizado ao empreendedor, e o processo observa “rigorosamente” os princípios da legalidade, precaução e proteção ambiental. O Ibama ressaltou que reuniões técnicas podem ser realizadas conforme solicitação ou necessidade, mas não há, até o momento, nova atualização sobre avanços no pedido de LI.
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Trecho do Meio
O Trecho do Meio da BR-319 sem pavimentação, e que aguarda o licenciamento para início das obras, tem 406 quilômetros e está localizado entre os quilômetros 250 e 656 da rodovia, que liga Manaus a Porto Velho, capital de Rondônia. Inaugurada em 1972 pelo governo federal, ela foi fechada, definitivamente, para o tráfego contínuo, em 1988. Hoje, suas partes trafegáveis estão localizadas nos extremos próximos às capitais.
Com os debates para a repavimentação, a partir de 2005, a autorização para início das obras sofreu altos e baixos, com decisões judiciais que determinaram, inclusive, a realização de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para a continuidade das obras. E, desde então, houve sucessivas tentativas de retomada dos trabalhos, em 2008, 2011 e em 2021, sem avanços concretos.
Em julho de 2022, o Ibama concedeu a Licença Prévia (LP), que destravou o processo para seguir à próxima etapa, de apresentação da Licença de Instalação pelo empreendedor, que, no caso, é o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério dos Transportes (MT).
Após pressão política das bancadas parlamentares do Norte, o governo federal instituiu, em novembro de 2023, o Grupo de Trabalho da BR-319, que reuniu diversos órgãos para apresentar sugestões e soluções.
O relatório, divulgado pelo Ministério dos Transportes em junho de 2024, concluiu pela viabilidade da repavimentação da rodovia e apontou algumas providências para atender às condicionantes socioambientais exigidas para obter as licenças. O ministério ficou de preparar um plano de governança para a rodovia, desde então.
Ministério informa providências
Em nota enviada à CENARIUM, a assessoria de comunicação do Ministério dos Transportes informou que “atendendo às determinações contidas no relatório do Grupo de Trabalho da BR-319, o MT promoveu uma série de reuniões bilaterais e articulações interministeriais e intersetoriais com o objetivo de alinhar as ações governamentais às condicionantes ambientais estabelecidas na Licença Prévia do empreendimento”.
“Foram realizados encontros técnicos com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Ministério das Cidades (MCID), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), Agência Nacional de Águas (ANA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF)”, ressaltou a nota.
Dentre as tratativas, o ministério destaca os diálogos mantidos com o MMA, que resultaram na concepção de um Plano de Governança Territorial. “O objetivo é fortalecer a atuação do Estado na promoção do desenvolvimento sustentável no entorno da BR-319, mediante a elaboração de um diagnóstico preciso e a implementação de ações estruturadas em quatro eixos estratégicos”, informou, elencando as ações: ordenamento territorial; monitoramento e controle ambiental; fomento a atividades produtivas sustentáveis; e implementação de Parcerias Público-Privadas (PPP).
“Paralelamente a isso, o Dnit concentra esforços no sentido de concluir os estudos complementares solicitados pelos órgãos competentes, assegurando a necessária fundamentação técnica para as próximas fases de implementação”, reforçou o ministério.
O órgão apontou, ainda, que é “importante ressaltar que, para garantir as condições necessárias para a operacionalização dessa rodovia, é necessário o envolvimento de diversos atores da administração pública para contribuir com os desafios enfrentados nessa região”. Isso envolve, por exemplo, o compromisso dos governos estaduais e municipais para assegurar a governança pretendida.
Em entrevista à CENARIUM, no dia 21 de maio, após audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado (CI), o ministro dos Transportes, Renan Filho, disse que as questões ambientais estão bem avançadas para pedir a LI. O que falta agora é ouvir as comunidades indígenas localizadas no entorno da rodovia. Pela legislação, obras de infraestrutura não podem avançar sem o consentimento dos indígenas afetados.
Para as bancadas do Amazonas, Rondônia e Roraima no Senado, a estrada é de suma importância para a logística da região e para levar desenvolvimento aos moradores desses estados.
Ataques a Marina
Após ser confrontada pelo senador Omar Aziz (PSD/AM), que a responsabiliza pelo atraso na liberação das obras da BR-319 e pelo atraso do desenvolvimento do Brasil, a ministra Marina Silva abandonou a audiência pública por se sentir desrespeitada por outro parlamentar amazonense, Plínio Valério (PSDB/AM). Ele disse que a respeitava como mulher e não como ministra e foi instado a se desculpar, mas ele se recusou.

Antes do episódio, Marina Silva chegou a responder aos questionamentos de Omar Aziz e disse que passou 15 anos fora do governo federal e ninguém conseguiu realizar as obras, pois é mais fácil encontrar um “bode expiatório”.
“Vossa Excelência foi uma pessoa que teve a oportunidade, no seu Estado, de estar nos dois lados, e muitas coisas concretas, com certeza, fugiram ao alcance da sua mão. Mas uma coisa é concreta, concretíssima: o debate da BR-319 virou um debate em cima de um bode expiatório. Esse bode expiatório chama-se Marina Silva, porque é concretíssimo que eu saí do Governo em 2008. De 2008 para 2023, são quantos anos? Quantos anos? Quinze anos”, respondeu Marina Silva a Omar Aziz, que foi governador do Amazonas de 2011 a 2014, quando se desincompatibilizou para concorrer ao Senado, onde está no segundo mandato.
Na avaliação da ministra, responsabilizá-la pelo não asfaltamento da estrada serve para “esconder a incompetência daqueles que fazem promessas e não as cumprem”. De acordo com Marina, todas as questões estão sendo concretizadas agora pelo ministro Renan Filho, que inclusive deu continuidade às obras nos trechos das extremidades, que passaram anos sem asfalto. Ela se refere ao Bloco C, entre os km 198 e 250, que Renan aguarda o fim do período chuvoso para começar os trabalhos.
A expectativa de Omar, segundo revelou durante a sessão, é a sanção do projeto que institui a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovada pelo Senado e que aguarda deliberação da Câmara. Uma emenda do senador Eduardo Braga (MDB) assegura isenção de licenciamento ambiental para rodovias já pavimentadas, como a BR-319.
“Essa obra que a gente tanto pede, já fez tantos apelos e que tem um compromisso do presidente Lula de fazer… Vou deixar muito claro aqui: não é compromisso da senhora, não é compromisso do Ministério do Meio Ambiente; é compromisso do presidente de asfaltar a BR-319. Ela vai ser asfaltada agora porque obras que já tinham sido asfaltadas, através dessa nova lei, podem ser asfaltadas sem precisar de licenciamento nenhum”, disse Omar Aziz a Marina Silva.
Ameaça à Amazônia
A repavimentação do trecho do meio da BR-319 é enfrentada por organizações ambientais e científicas, que consideram as obras um potente vetor de desmatamento na área mais preservada da floresta amazônica, capaz de levá-la ao chamado ponto de não retorno, estágio difícil ou impossível de reverter para o estado anterior ou restaurar o equilíbrio original.
Em julho de 2024, o Observatório do Clima chegou a conseguir uma liminar na Justiça Federal derrubando a Licença Prévia concedida pelo Ibama, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu revertê-la.
Entre os potenciais riscos do asfaltamento da BR-319 está a indução ao desmatamento, ação suficiente para alterar o clima global de maneira irreversível. Além das emissões das gigantescas quantidades de carbono armazenado nas árvores e no solo da floresta, a derrubada inviabilizaria a formação dos “rios voadores” que transportam água para diversas regiões do Brasil.
Na época, a organização comemorou a decisão. “Não há governança na região capaz de controlar o desmatamento gerado pelo asfaltamento do trecho do meio da BR-319”, afirmou Nauê Bernardo, especialista em litígio estratégico do Observatório do Clima e um dos autores da ação civil pública que resultou na liminar.