Comunidade ribeirinha do Amazonas recorre a banhos e benzimento contra a Covid-19 e outras doenças

Aos 13 anos Ercolino Dessana, como é conhecido na região, decidiu que atuaria como benzedor e curandeiro (Divulgação/ Instituto Socioambiental)

Luciana Bezerra — Da Revista Cenarium

MANAUS — Em plena pandemia de Coronavírus — que já deixou um rastro de mais de 139 mil óbitos e mais de quatro milhões de infectados, no Brasil, segundo informações dos veículos de imprensa, divulgadas nessa quarta-feira, 23 —, as práticas integrativas como, a medicina alternativa utilizada por curandeiros e pajés nas aldeias indígenas do Amazonas ganhou destaque, principalmente nas comunidades isoladas, onde a Saúde Pública, é precária. 

Em São Gabriel da Cachoeira (a 865 quilômetros de Manaus), quando a Covid-19 chegou na região, os moradores lotaram a varanda da casa do benzedor da cidade, o índígena Ercolino Jorge Araújo Alves, de 60 anos, da etnia Dessana.

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De acordo com o benzedor, antes mesmo da doença atingir o município, ele havia sonhado que algo ruim se aproximava do planeta. “Sonhei que uma espécie de areia caía do ar e soterrava as pessoas. O sonho não foi todo ruim porque o meu avô aparecia nele, mostrando uma água que poderia ser usada no combate dessa areia e água, para mim, significa benzimento”, lembra Ercolino durante entrevista à REVISTA CENARIUM.

Foi por meio dos antigos conhecimentos indígenas dos seus antepassados que Ercolino se amparou para fazer seus benzimentos na população. “As pessoas diziam que estavam rezando para eu não adoecer e ajudá-las com a doença”, ressalta o benzedor Dessana que, inclusive, chegou a atuar junto com médicos no atendimento a pacientes, no município.

“Primeiro o médico estranhou a minha presença. Depois viu que estava dando resultado”, relembra o curandeiro Dessana.

As Unidades de Atendimento Primário Indígena (Uapis) são estruturas implementadas no território indígena para atender casos leves e moderados da Covid-19, oferecendo suporte de oxigênio e evitando remoções.

Carmem Alves com moradoras da cidade (Raquel Uendi/ Instituto Socioambiental)

Mulher de Ercolino, Carmem Figueiredo Alves, da etnia Wanano, é responsável por preparar os chás de ervas e plantas medicinais da Amazônia que são benzidos e servidos no decorrer dos atendimentos. Durante o período mais crítico da pandemia, na região, ressalta o curandeiro, a mulher demonstrava bastante preocupação quando via a casa cheia. “Não tinha para onde fugir. Todos os integrantes da família tiveram a Covid-19, mas ninguém apresentou quadro grave”, pontua Ercolino.

Os dois primeiros casos de infecção pelo Coronavírus no município foram confirmados no final de abril. E, mesmo antes da chegada da doença, os moradores já trocavam informações sobre quais plantas usar e como prepará-las contra a Covid-19. O uso de chás, defumações e banhos foi reforçado dentro das casas. Essas práticas não dispensam os benzimentos, assinala Ercolino.

Início de tudo

Ercolino decidiu que queria ser benzedor aos 13 anos e foi buscar ajuda por meio dos familiares para aprender todas as técnicas milenares de seus antepassados, formando-se seis anos depois. Seu avô foi um grande pajé, na região.

O curandeiro indígena passou muito tempo experimentando as misturas das ervas e plantas medicinais da Amazônia para posteriormente, tratar as enfermidades de quem o procurava com alguma queixa. “Passei muito tempo usando o paricá, uma mistura feita com casca de árvore [normalmente da árvore paricá] semelhante ao rapé e que tem o poder de abrir a mente”.

Sobre o município

São Gabriel da Cachoeira tem em torno de 45 mil habitantes, sendo 97% indígenas. É a maior concentração de indígena do País. Aproximadamente 27 mil pessoas vivem fora do núcleo urbano, em comunidades às margens do Rio Negro e afluentes. O município foi fortemente atingido pela Covid-19: até 23 de setembro eram 4.230 casos com 56 mortes. Mas os indígenas consideram que o número de mortes não foi maior devido ao uso de práticas tradicionais. 

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