Comunidades quilombolas lutam por território às vésperas da COP30


Por: Cenarium*

27 de outubro de 2025
Comunidades quilombolas lutam por território às vésperas da COP30
Protesto de membros de comunidades quilombolas (Joédson Alves/Agência Brasil)

BARCARENA (PA) – O Ministério Público Federal (MPF) está travando uma batalha judicial e administrativa para assegurar o direito ao território de cinco comunidades quilombolas em Barcarena (PA) — São Lourenço, São João, Cupuaçu, Burajuba e Sítio Conceição — que aguardam a regularização fundiária pelo Incra desde 2016.

A disputa ganhou força às vésperas da COP30, que será realizada em Belém, e busca reparar uma ilegalidade na doação de terras da União ao município, que ameaça a existência e o modo de vida das famílias quilombolas.

Doação ilegal e invasões em territórios tradicionais

A União doou ao município de Barcarena uma área de 7,7 milhões de metros quadrados, sem considerar que os terrenos se sobrepunham a territórios tradicionalmente ocupados por comunidades quilombolas. Com a posse da área, a prefeitura iniciou um Projeto de Regularização Fundiária Urbana (Reurb), destinando lotes e anunciando a entrega de 400 títulos de propriedade para terceiros.

Área que abrange os territórios quilombolas citados na ação do MPF (Reprodução/MPF)

Segundo o procurador da República Rafael Martins da Silva, responsável pelo caso, “o MPF considera que essa doação foi ilegal, e o principal motivo da ilegalidade dessa doação foi ter ignorado que vocês existiam aqui.”

A moradora Maria Luciene Santos Pinheiro, do Território Quilombola de Sítio Cupuaçu/Boa Vista, relatou ao MPF que a situação tem afetado profundamente o sustento das famílias: “As famílias vêm sofrendo invasões desde 2017, intensificadas durante a pandemia. A terra foi devastada, e os barracos foram destruídos. Estamos perdendo terra ano a ano. Hoje, vivemos confinados em pequenos espaços.”

Ela explicou ainda que, sem o título definitivo, as comunidades não conseguem acessar projetos de geração de renda e são obrigadas a comprar alimentos que antes produziam.

Racismo ambiental e negação de direitos

Para o quilombola Roberto Chipp, liderança da comunidade do Território Quilombola Sítio Conceição, o cenário vai além da disputa fundiária. “As famílias precisam ser reconhecidas e respeitadas em seus direitos, que vêm de sua ancestralidade e pertencimento étnico”, afirmou.

Ele denunciou que os quilombolas sofrem racismo ambiental, convivendo com falta de terra fértil, poluição do ar e da água e doenças relacionadas a empreendimentos instalados sem consulta às comunidades. “A falta de título é usada pela prefeitura para negar a existência da comunidade”, destacou.

Em fevereiro de 2024, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra a União, o município de Barcarena e o Incra, com apoio da Associação da Comunidade Quilombola de São Sebastião de Burajuba. O objetivo é anular o contrato de doação da União, obrigar o Incra a concluir a demarcação e titulação dos territórios e impedir obras ou intervenções sem a Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) prevista na Convenção 169 da OIT.

Avanços judiciais e ligação com a justiça climática

A Justiça Federal atendeu aos pedidos do MPF, determinando que o Incra realize a demarcação dos territórios e proibindo a retirada de moradores e novas ocupações nas áreas quilombolas. Também ficou acordado que o município fará um levantamento dos títulos emitidos e calculará os custos para reverter a doação, incluindo possíveis indenizações.

Durante visita às comunidades, o procurador Rafael Martins da Silva afirmou que o caso de Barcarena dialoga diretamente com as discussões da COP30. “A luta pela regularização fundiária em Barcarena é um exemplo claro de como a justiça social e a justiça climática estão interligadas. As comunidades quilombolas são guardiãs históricas desses territórios. Proteger seus modos de vida e garantir sua permanência na terra é uma das estratégias mais eficazes de conservação ambiental e de combate ao desmatamento.”

Ele reforçou que a defesa dos direitos territoriais é também uma ação concreta contra a crise climática. “Enquanto o mundo se prepara para discutir o futuro do planeta na Conferência do Clima, aqui em nossa casa, na Amazônia, esta atuação demonstra, na prática, que não haverá solução para a crise climática sem o respeito aos direitos e ao protagonismo dos povos tradicionais. Garantir seus territórios é uma ação climática concreta.”

A atuação integra a campanha “MPF: Guardião do Futuro, Protetor de Direitos”, que até o dia 9 de novembro, véspera da COP30, publicará 50 matérias sobre a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos.

(*) Com informações da Assessoria do MPF

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