Conferência das Mulheres Indígenas termina com anúncio de homologação de TIs
Por: Ana Cláudia Leocádio
07 de agosto de 2025
BRASÍLIA (DF) – O encerramento da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, na noite desta quarta-feira, 6, foi marcado pelo anúncio da homologação de três Terras Indígenas (TIs), localizadas no Estado do Ceará, e pela formação de um Grupo de Trabalho (GT) para transformar em política pública as 50 propostas prioritárias aprovadas durante as discussões no evento, que reuniu cerca de cinco mil mulheres durante a IV Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília.
Foram homologadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva as TIs Pitaguary, Lagoa Encantada e Tremembé de Queimadas. Com isso, chegam a 16 os territórios homologados desde que Lula assumiu o terceiro mandato e desde a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Segundo a ministra da pasta, esse ato foi possível porque o governador do Ceará deu suporte para a demarcação dos territórios e se comprometeu a apoiar mais cinco GTs para realizarem os estudos. As portarias foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU) nesta quinta-feira, 7.

De acordo com a presidente da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), Jozileia Kaingang, essa primeira Conferência reuniu mulheres de mais de 100 povos, representantes de todos os biomas, que colaboraram na apresentação de propostas, das quais 50 foram eleitas como prioritárias para entregar ao governo federal, para que se tornem políticas públicas voltadas para as mulheres indígenas.
Estruturada em cinco eixos, a carta final elenca as dez propostas para cada um deles: direito e gestão territorial; emergência climática; políticas públicas e violência de gênero; saúde; e educação e saberes ancestrais para o bem-viver.
“Nosso corpo é território. Nosso território é sagrado. Seguiremos organizadas, mobilizadas e em luta por justiça, bem-viver e pela continuidade da vida no planeta. Seguiremos contando com o Estado brasileiro para que estas propostas sejam assumidas como compromissos urgentes e inegociáveis. Que sejam acolhidas, financiadas e implementadas com a devida responsabilidade e em diálogo permanente com nossas organizações”, afirmou Jozileia ao ler a carta.

Fruto de uma parceria entre o MPI e Ministério das Mulheres (MMulheres), além da portaria conjunta que institui o GT para tornar realidade as propostas das mulheres indígenas, foi anunciada a criação de dois prêmios: “Nega Pataxó”, voltado para fortalecer a autonomia da participação política da proteção integral das mulheres indígenas em todo o País; e o “Mré Gavião”, em homenagem ao fotógrafo da aldeia Krijoherê pertencente povo Gavião, que premiará comunicadores e comunicadoras indígenas.
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, se emocionou com os anúncios das Terras Indígenas homologadas e com a assinatura, junto ao presidente Lula, do decreto de reestruturação da autarquia. A medida prevê melhorias nas condições de trabalho, infraestrutura e recomposição de pessoal, atendendo a demandas históricas dos povos indígenas. Segundo Wapichana, o próximo desafio será ampliar o orçamento da Funai. “Nosso compromisso agora é trabalhar para que tudo o que foi construído aqui se torne realidade”, afirmou.
A IV Marcha das Mulheres Indígenas encerra-se nesta quinta-feira, com uma caminhada até o Congresso Nacional, onde um grupo delas foi recebido para uma sessão solene, realizada no plenário da Câmara dos Deputados, organizada pela Bancada do Cocar.
Necessidade de eleger indígenas
A ministra do MPI, Sonia Guajajara, comemorou o encerramento da Conferência porque foi muito questionada sobre o porquê de realizar esse tipo de encontro apenas para as mulheres indígenas. Para ela, demorou cinco séculos para que isso acontecesse, para que as indígenas fossem ouvidas.
Guajajara e a deputada Célia Xacriabá (Psol-MG), que preside a Comissão da Mulher da Câmara dos Deputados, fizeram um apelo às mulheres que procurem eleger candidatas dos povos originários nas próximas eleições, para que as políticas indigenistas possam avançar.
Outro ponto enfatizado, durante o encerramento, foi a questão do apoio à gestão territorial dos povos indígenas, com a provação do projeto que institui por lei a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), com garantia de recursos orçamentários para sua implementação com participação efetiva de mulheres indígenas.

O encerramento, previsto para as 17h, só começou por volta das 21h, porque as ministras Sonia e Márcia Lopes, do MMulheres, estavam em audiência com o presidente Lula, para homologação das TIs e assinatura do decreto da Funai. Enquanto isso, durante a tarde e início da noite, a mulheres que esperavam na plenária principal do acampamento receberam a visita de artistas como Milton Cunha e da cantora Daniela Mercury, que fez uma pequena apresentação. A atriz Alessandra Negrini também participou da cerimônia de encerramento.
Demandas por empoderamento e saúde
Indígenas das etnias Wai Wai, Kaxuyana, Kahyana e Tunayana, cujos territórios estão localizados nas calhas dos rios Cachorro, Trombetas e Turini, no Pará, comemoram as experiências que levarão de volta para casa, nessa 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas.
Rosineide Saripu, tesoureira da Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana (Aikatuk), disse que tudo é novo para ela, mas positivo. “Foi bom trazer as parentes para ver a luta das outras. Ver como as mulheres se organizam. Elas têm coragem, falam lá na frente. A gente vai levar isso para o nosso território e incentivar as mulheres”, disse.
Para Rosineide, o maior desafio é superar as palavras de desincentivo dos homens nas aldeias, que as colocam em descrédito, além da violência para impedi-las de participar de atividades de liderança. “Eu fico triste, me dá vontade de desistir, porque a gente vive lutando atrás de apoio para as nossas propostas e eles falam que não adianta. Mas quando eu penso nos meus filhos, eu decido continuar”, ressaltou. A proposta levada por ela à Conferência foi pela capacitação e empoderamento feminino para o fortalecimento nas bases e enfrentamento das mudanças climáticas.
A conselheira Maria José Kaxuyana, que atua na área de saúde, afirma que é preciso melhorias nas aldeias, porque além de atendimento especializado, faltam até remédios, que os indígenas não têm condições de comprar. Aliado a isso, conflitos internos entre lideranças criam problemas na definição dos responsáveis técnicos pela Casai do Território. Com base nessa experiência, Maria levou várias propostas, como combate ao racismo, valorização dos saberes de parteiras, raizeiras e xamãs no tratamento, assim como curso para os técnicos para manejo de hemorragias pós-parto, que afeta as mulheres.

Estudante de enfermagem, Vanderlúcia Tupari, do povo de mesmo nome em Rondônia, afirma que a maior demanda deles é por melhoria no atendimento à saúde e à educação. Na saúde, ela diz que é preciso de profissionais capacitados e oferecer atendimentos especializados, que hoje só estão disponíveis em cidades maiores, como Cacoal e Porto Velho, capital do Estado.
Na educação, além de professores mais preparados, a infraestrutura precisa melhorar porque a escola não tem salas suficientes para atender a todos os alunos, isso sem contar que o ensino ainda é seriado. Tupari disse que a Conferência foi uma oportunidade para apresentar essas demandas e espera que haja alguma ação concreta depois.
Onde ficam as TIs
Conforme informações do MPI, a Terra Indígena Pitaguary, habitada pelo povo Pitaguary, abrange os municípios de Maracanaú, Pacatuba e Maranguape, no Ceará. O território foi declarado em dezembro de 2006, com portaria assinada no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A área total do território é de 1.731 hectares, onde vivem 2.940 indígenas, de acordo com o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A TI Lagoa Encantada está localizada no município de Aquiraz (CE) e é habitada pelo povo Jenipapo-Kanindé. O território foi declarado em fevereiro de 2011, com portaria assinada durante o primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff. A TI tem área total de 1.732 hectares, onde vivem 340 indígenas.
A TI Tremembé de Queimadas, por sua vez, está situada no município de Acaraú (CE) e é habitada pelo povo Tremembé. A TI teve sua portaria declaratória assinada também no primeiro mandato da ex-presidenta Dilma, em abril de 2013. Com área total de 775 hectares, tem população estimada em 290 indígenas pelo IBGE.
Leia a “Carta pela vida e pelos corpos-territórios”: