Conheça Fábio Ortiz, o artista que deu traços e cores ao Memorial Indígena de Manaus

O mural possui quatro imagens grafitadas inspiradas em livros e documentos históricos. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Manaus ganhou nesta segunda-feira, 19, mais um registro histórico e artístico. Na data em que se comemora o Dia dos Povos Indígenas, a cidade passa a contar com a Aldeia da Memória Indígena de Manaus, um memorial que foi feito em grafismo pelo artista manauara Fábio Ortiz, de 27 anos. O mural de 34 metros fica localizado na Praça Dom Pedro II, Centro Histórico da cidade, e possui quatro imagens grafitadas inspiradas em livros e documentos históricos.

“Essa obra feita no muro se trata de uma homenagem aos índios, principalmente os Manaós. É maravilhoso ajudar a contar história por meio da arte, nesse tempo que tive aqui pintando, vendo a melhor forma de imprimir essa arte, recebi o apoio e muito carinho de quem passava. Até pedido em casamento eu fui (tons de risos). É lindo de se ver as pessoas valorizando, parando para tirar foto. Fico muito grato”, comemora o artista.

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Além de praticar a arte por meio do grafismo, Ortiz – nome artístico assinado por ele, é técnico em agropecuária e cursa o terceiro período do curso de agronomia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Filho de pais ribeirinhos do município de Manacapuru, distante 93 quilômetros de Manaus, ele se divide entre a agronomia e a arte desde o ano de 2016, quando teve seu primeiro contato com a técnica do grafite.

“Meu primeiro rabisco foi em 2016 na minha parede. Eu tinha medo de pintar nas ruas, mas, a partir da primeira imagem que postei nas redes sociais, veio primeiro cliente e mais outro e outro, e nunca mais parei”, conta o grafiteiro.

Apesar do primeiro contato com as latas de spray ter sido apenas há 5 anos, o jovem agrônomo revela que sempre foi bom em desenhar, mesmo nunca se empenhando em desenvolver o talento durante a infância, ele sabia que tinha o dom para desenhos e pinturas.

Fábio Ortíz tem 27 anos e grafita desde 2016 (Reprodução/Ricardo Oliveira)

Sobre o mural

Ortiz conta que a ideia e o convite para executar a obra veio de uma decisão da Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult) junto ao presidente do Conselho Muncipal de Cultura, Tenório Telles. A pintura levou em média oito dias para ser finalizada e contou com uma ajuda inicial do amigo Lincoln Aranha para acelerar o processo de raspagem da parede e preparação para receber os desenhos.

Em meio aos registros, Ortiz ilustrou, por exemplo, o mapa das calhas dos rios onde havia e ainda há a expressiva presença indígena no Amazonas. “Em um dos desenhos, por exemplo, eu retratei a primeira imagem que se teve de Manaus, o cemitério indígena e as urnas onde seus corpos eram depositados em 1542”, explica.

Mesmo não sendo o primeiro contato representando contextos indígenas, Fábio considera o trabalho um marco na carreira como grafiteiro. Para o poeta e presidente do Concultura Tenório Telles, o trabalho de Ortiz ajuda a recompor o processo de constituição identitária da população.

“A arte e o simbolismo da vida são fundamentais para significar nossa existência. O mural, concebido pelo artista Fábio Ortiz, é uma metáfora desse propósito de se trabalhar para resgatar a memória soterrada de nossa cidade e da sua ancestralidade. O passado e o presente se encontram para desvelar esse tempo interrompido pelo silêncio e pela incompreensão. O mais significativo é que essa história permeada pelo sagrado, volta pelo olhar e sensibilidade dos artistas populares de Manaus. Essa experiência ajuda a recompor nosso processo de constituição identitária. Com essas iniciativas, fundadas na memória e no diálogo com o passado, a população de Manaus volta a se encontrar com sua face histórica e indígena”, ressalta Tenório.

Inspiração e Amigos

Como todo bom artista, Fábio possui referências que auxilia na criação do seu trabalho. A dupla polonesa, conhecida pelo nome de Etam Cru, é uma das inspirações do muralista. Os artistas poloneses transformam prédios da Europa em obras de arte a céu aberto com cores e uma pitada de humor.

Outro talento que inspira Ortiz é o britânico Banksy. Um artista veterano de rua que manifesta nas telas e muros arte em tons de críticas sociais e políticas. “Gosto do trabalho deles e trago isso para minha criação. Meu diferencial é a riqueza de detalhes, procuro preencher toda parede ou tela que seja. Me dedico até exaustão, me importo demais com o resultado final”, pontua.

Mas Fábio também prestigia e é prestigiado por colegas artistas locais, a artista plástica Rosa dos Anjos, um dos nomes consagrados das artes plásticas no Estado do Amazonas. “Conheci o Fábio em exposição, muito simples e humilde querendo mostrar seu trabalho. Eu vi o potencial dele e o chamei para fazer um trabalho de releitura de uma foto do fotógrafo Renato Soares. Depois foi apresentado por mim na Secretaria de Cultura, foi ganhando espaço e eu fico muito feliz em ver o desempenho e o talento dele sendo valorizado. Hoje para mim, o Fábio é o maior grafiteiro, artista visual e muralista do Estado do Amazonas”, declara Rosa.

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A artista plástica e amigos dando apoio ao trabalho de Ortíz (Reprodução/Rosa dos Anjos)

Pandemia, rua e desafios

A vida para quem vive de arte nunca é fácil, quando se trata da região norte as dificuldades aumentam, seja por situação da logística, seja por falta de mais incentivo e valorização, dentre inúmeros percalços enfrentados por quem escolhe fazer da arte seu ganha-pão.

Além da instabilidade financeira, os artistas que precisam ir para as ruas executar seu trabalho enfrentam também o medo e a insegurança da exposição e do desconhecido. “Eu tinha medo de pintar nas ruas, fui aos poucos sabendo lhe dar com isso. Houve muitos momentos de altos e baixos, ano passado eu quis até desistir desse ramo”, revela o artista das ruas.

Rosa dos Anjos foi uma amiga que acompanhou o desânimo e quase desistência do então iniciante artista. “Eu percebi que ele estava desistindo, por conta das dificuldades, realmente é um meio bem difícil e no final vale a pena. Com incentivo dos órgãos públicos, ajudando o artista a caminhar com as próprias pernas, a gente prova que arte é sustentável, eu vivo dela e não poderia deixar o Fábio enterrar o talento dele”, relembra Rosa.

Contrariando a realidade da maioria, que atualmente, por conta da pandemia, passa por um momento difícil em diversos âmbitos da vida, a carreira de Fábio deu uma guinada. De acordo com ele mesmo, em um momento econômico delicado para todos, trabalho nunca lhe faltou.

“Nessa pandemia não faltou trabalho para mim, mas em relação a esse trabalho nesse período caótico, eu me senti contemplado. Em meio a outros artistas talentosos, foi eu o selecionado para fazer uma linda homenagem dessas”, exclama o artista.

Vale a pena

O artista aproveita para deixar um recado aos que desejam viver da arte de rua. “Não desista! Tudo se resolve com pequenos detalhes que podem levar muito ou pouco tempo, mas você não pode desistir nunca! O mundo é dos fortes, e sempre existirá obstáculos no caminho. Tenha CORAGEM, porque sem ela você nunca fará nada nesse mundo”, finaliza.

Confira abaixo alguns trabalhos de Fábio Ortiz:

Arte em reprodução inspirada no trabalho do artista brasileiro Kobra em mural no Japão (Reprodução/Ortíz)
Arte feita em estabelecimento comercial da cidade (Reprodução/Ortiz)
Fachada de uma lanchonete da cidade (Reprodução/Ortiz)
Muro de uma residência com pintura estilo “Good Vibes” (Reprodução/Ortiz)
Mais uma arte feita para embelezar estabelecimentos comerciais da cidade de Manaus (Reprodução/Ortiz)

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