Conheça Isma e Vita, as amigas e cantoras refletem sobre sexualização e transfobia
01 de abril de 2021
Elas investem na produção do primeiro EP de músicas que dialogam com a comunidade LGBTQIA+(Reprodução/Eli Bezerra)
Com Informações do Portal Alma Preta
Irmãs de Pau é o nome do projeto de duas travestis negras, que aproveitaram o isolamento causado pela pandemia para se unir e pensar em músicas que dialogam com a comunidade LGBTQIA+. Composta por Isma Almeida e Vita Pereira, a proposta musical nasceu no primeiro semestre de 2020 a partir da amizade das duas, que se conheceram durante uma ocupação estudantil em 2014, em uma escola da zona Oeste de São Paulo.
Com o fim do ensino médio, Isma e Vita mantiveram contato e começaram a se montar apenas para ocasiões especiais, ainda que de forma mais discreta, principalmente perto de conhecidos.
“Viemos de famílias que no início não entendiam muito o que somos, pois em São Paulo éramos travestis somente nas estações e às vezes dentro dos trens e metrôs, locais em que nos trocávamos e nos vestíamos aquilo que sonhávamos ser”, relembra Vita.
Para Isma, a sexualização do corpo negro, foco das composições da dupla, é grande e a transfobia é acentuada nessas pessoas, pois ela acredita que a sociedade enxerga corpos negros apenas como objetos, não como indivíduo que desejam constituir família e possuem objetivos a longo prazo.
Isma acredita que para as travestis negras é negado o sentimento de acolhimento e é importante levantar essas questões na música para que a violência possa ser identificada pelo público. Apesar desse preconceito, racial e de gênero, a artista afirma que travestis são “dignas de amor e afeto”.
“A imagem da travesti negra na sociedade está muito atrelada às migalhas de afeto. Ao sigilo. Ao corpo preto exótico. A receber apenas a hipersexualização dos corpos, da nossa genitália. Bem como a mulher negra, a travesti é considerada ‘a quente’ ou ‘a fogosa que aceita tudo’. O movimento ativista das travestis negras intersecciona muito com outras pautas, por isso é importante falar isso na comunidade trans e também no movimento negro”, pondera.
Isma, à esquerda, e Vita, à direita (Reprodução/Eli Bezerra)
Estreia nos palcos
As Irmãs de Pau realizaram o primeiro show da carreira na edição de 2021 do Festival Bixanagô – Empoderamento e Estética Negra. O evento, com mais de 11 milhões de visualizações, contou com a apresentação de “Travequeiro”, single do inédito EP “Dotadas” da dupla.
Segundo Isma, o festival significou uma grande oportunidade para a carreira delas, ao mesmo tempo que traz esperança para artistas independentes. Já Vita acredita que estrear ao lado de nomes como Rico Dalasam, Tássia Reis, Urias, Alice Guél e outros cantores traz visibilidade ao projeto e fortalece a rede de apoio dentro da militância.
“Começar ao lado dessas pessoas foi muito importante, pois elas são referências para o nosso trabalho, ao mesmo tempo que também significa o crescimento da militância”, avalia.
Perspectiva de futuro
A dupla espera conseguir manter o engajamento em suas redes sociais daqui para frente, para que isso colabore para a divulgação do EP. Vita explica que o nome do álbum de estreia é propositalmente provocativo e serve para trazer a reflexão sobre a hipersexualização feita pela sociedade que associa o nome ao órgão genital.
“Somos dotadas sim, mas de inteligência, inclusive acadêmica. Isma está se formando em Pedagogia e eu já sou pedagoga. Somos dotadas de conhecimentos sobre o cinema, teatro, e o EP vai trazer à tona o nosso desejo de produção dos nossos próprios desejos, de construir outras narrativas e nos colocar em outros lugares”, analisa a cantora.
Isma considera desafiador ser uma travesti negra que vive de arte no Brasil, principalmente pela questão das oportunidades. Ela conta que as redes de apoio são a válvula de escape nas restrições que o mercado artístico impõe às pessoas negras e transexuais. Além disso, a artista sugere que as pessoas fortaleçam as travestis negras, apoiando seus trabalhos e colocando em prática o conceito de comunidade para dar voz a esse grupo.
“Existem muitas manas na cena, basta darmos ouvidos, pois temos muito que aprender com todas. Não precisa se limitar a apenas uma travesti preferida. O rolê tem que ser coletivo, pois cada uma tem algo específico para falar e que merece ser ouvido”, finaliza.
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