Contato com agrotóxicos em flores está provocando desaparecimento de abelhas
Por: Arthemisa Gadelha*
14 de setembro de 2025
MANAUS (AM) – A ameaça ao futuro das abelhas vem chamando a atenção de cientistas em todo o mundo. A Agência Espacial Norte-Americana (NASA) também se debruça sobre o problema e descobriu que o contato com agrotóxicos presentes nas flores é um dos principais fatores para o desaparecimento desses insetos fundamentais para a polinização.
Segundo o biólogo Márcio Luiz de Oliveira, com doutorado em entomologia, curador da coleção de invertebrados do Inpa, com experiência em ecologia e conservação de abelhas, em entrevista exclusiva ao Blog da Gadelha, quando a abelha pousa na flor e tem contato com o pólen contaminado, a substância ataca diretamente o sistema nervoso central do inseto, provocando desorientação. Esse efeito explica por que muitas colônias estavam definhando sem que fossem encontradas as abelhas mortas dentro das colmeias. “A abelha desorientada não conseguia nem voltar para a colmeia”, explica o biólogo.
A polinização pode ocorrer de três formas principais: pelo vento, pela água da chuva ou por animais, como pássaros e insetos, sendo os insetos os mais importantes nesse processo.

As plantas gramíneas, como o trigo, o arroz, o centeio, se reproduzem principalmente com o auxílio do vento, que transporta o pólen de uma planta para outra. Esse fenômeno é tão intenso em algumas regiões da Europa que provoca a chamada febre do feno, uma alergia causada pela grande quantidade de pólen no ar. Em locais mais secos, onde há pouca chuva, é comum observar verdadeiras “nuvens de pólen” carregadas pelo vento.
No entanto, quando falamos de frutas e culturas mais delicadas, o vento não desempenha papel significativo. Nesse caso, são os insetos, especialmente as abelhas que assumem a função vital de transportar o pólen até a estrutura reprodutiva das plantas. Além das abelhas, outros animais como borboletas, beija-flores, algumas moscas e até morcegos também participam do processo de polinização, embora em menor escala.
Amazônia em risco
Embora o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) ainda não realize estudos específicos sobre o desaparecimento das abelhas, o pesquisador Márcio Luiz de Oliveira, faz o alerta, ele ressalta que se não houver políticas públicas massivas, com campanhas educativas voltadas à sociedade e aos agricultores, em apenas cinco anos, até 2030, a Amazônia poderá sentir o impacto direto da diminuição desses insetos.
O reflexo seria sentido principalmente na produção de frutos amazônicos como açaí, cupuaçu, pupunha, entre outros, que dependem da polinização para manter a reprodução e o equilíbrio ambiental.

O Brasil, no entanto, enfrenta outro desafio: a dificuldade de planejamento e antecipação de cenários ambientais. “Em 2030, provavelmente já teremos alguns dados negativos quanto ao desaparecimento da população de abelhas na Amazônia”, alerta o Dr. Márcio.
Impacto já visível no Brasil
O fenômeno, no entanto, já é acompanhado em estados como Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo. No Centro-Oeste, por exemplo, é comum observar aviões pulverizando agrotóxicos sobre plantações. A prática, além de eliminar pragas agrícolas, tem efeito devastador sobre abelhas, borboletas e outros insetos polinizadores.
No Sul do Amazonas, região que concentra grandes plantações, ainda não há registros oficiais da diminuição da população de abelhas, mas pesquisadores alertam que o risco existe caso o avanço do uso de agrotóxicos e do desmatamento não seja controlado. As queimadas recorrentes na região e a fumaça liberada também são prejudiciais à vida desses insetos, enfraquecendo colônias e comprometendo a polinização.
“É importante entender que os ventos fazem esse trabalho com o trigo, o arroz e outras culturas, mas as abelhas são essenciais para a manutenção de alimentos como os frutos”, reforçou o pesquisador Márcio Luiz de Oliveira.
Pesquisas sobre os genes das abelhas
Outra preocupação mencionada pelo pesquisador é o impacto dos defensivos agrícolas sobre os genes das abelhas. Um estudo de doutorado defendido no Programa de Pós-graduação em Zootecnia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, campus de Botucatu (SP), mostrou que a exposição a agrotóxicos pode afetar a regulação de milhares de genes desses insetos.
A pesquisadora Isabella Cristina de Castro Lippi, autora da tese “Efeito de dose letal e subletal do imidaclopride no transcriptoma de abelhas Apis mellifera africanizada”, verificou que os agrotóxicos, frequentemente encontrados pelas abelhas durante seus voos, afetam diretamente a expressão genética.
“Quando os genes das abelhas sofrem alterações na expressão, várias funções importantes para o organismo podem ser comprometidas, como imunidade, nutrição, metabolismo, comportamento, visão e até a capacidade de voo. Isso é relevante não só para a saúde das abelhas, mas também para todos nós, já que as abelhas são essenciais para a produção de alimentos, como frutas, verduras e castanhas, além de terem papel fundamental na preservação dos ecossistemas”, afirmou a pesquisadora em entrevista ao Jornal da Unesp.
Quais as alternativas?
Especialistas apontam algumas medidas que podem ajudar a reduzir os impactos e proteger as abelhas:
- Diminuir o uso de inseticidas nas lavouras.
- Desenvolver produtos químicos mais específicos, que ataquem apenas as pragas, sem afetar os insetos polinizadores.
- Rever práticas agrícolas diante de acordos internacionais: o Brasil está em fase de fechamento de um grande acordo comercial com a Europa, e o mercado europeu é extremamente rigoroso em relação à presença de resíduos de agrotóxicos. Para atender às exigências, o país terá de repensar seu modelo de produção.
- Proteger as áreas de mata nativa, que funcionam como abrigo natural para abelhas e outros insetos.
- Investir no controle biológico, utilizando insetos para combater pragas, garantindo assim o equilíbrio da plantação sem contaminar o alimento e o meio ambiente.
Futuro: abelhas-robôs?
Diante da gravidade do problema, alguns países já buscam alternativas tecnológicas. A China, por exemplo, desenvolve estudos com abelhas-robôs para realizar o trabalho de polinização. A ideia pode soar como ficção científica, mas já está em fase de testes e mostra o quanto a ciência busca soluções emergenciais para evitar um colapso ambiental e alimentar.
“Nós fizemos um estudo com açaí, camu-camu e guaraná, mostrando a importância das abelhas na produção desses frutos. O desaparecimento de espécies, a diminuição das populações e as alterações genéticas são tudo o que a gente não quer”, concluiu o Dr. Márcio Luiz de Oliveira.