Coordenado por jornalistas de SP e PR, projeto ‘Amazonas – Mentira tem preço!’ vai combater fake news

O projeto 'Mentira tem Preço' luta contra a indústria de histórias enganosas e distorcidas, em especial as que afetam povos tradicionais e o meio ambiente (Reprodução/ Internet)

Nauzila Campos – Da Revista Cenarium

MANAUS – A produção de notícias falsas (fake news) está a todo vapor na última década; e não para, nem por um instante. Tornou-se significativamente lucrativo mobilizar multidões em direção a crenças inexistentes ou, no mínimo, distorcidas. Estratégias eletivas, difamatórias e até mesmo contra grandes símbolos amazônicos – como o meio ambiente e os povos tradicionais – fazem parte da disseminação das fake news.

Pensando na proteção da Amazônia não só em relação à floresta, mas também ao que pensam sobre ela, o projeto ‘Amazonas – Mentira tem preço’ coloca em ação medidas de combate às notícias falsas no Estado. A principal arma é a verdade.

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O projeto conta com a coordenação das jornalistas Thais Lazzeri, de São Paulo, e Katia Brambatti, do Paraná – além da assessoria fundamental do nortista Bruno Tadeu, também.

“O [projeto] ‘Amazonas – Mentira tem preço’ nasce para investigar, combater e desmobilizar a indústria de mentiras que impulsiona o desmatamento, a exploração predatória em povos indígenas e trabalha contra o meio ambiente e os direitos dos povos, comunidades tradicionais e a população do Amazonas. Essa mesma indústria cria uma falsa percepção de desenvolvimento que nunca chegou para o Estado, e que, na verdade, só acelera a desigualdade em um dos países mais desiguais do mundo”, declarou a jornalista Thais Lazzeri, de São Paulo, coordenadora geral do projeto.

A jornalista investigativa Katia Brembatti também faz parte da iniciativa. Do Sudeste, a preocupação com a Amazônia e com a veracidade das informações distribuídas sobre a temática uniu forças. “No ano passado, surgiu a oportunidade de fazer um projeto mais voltado pra Amazônia. Eu já tinha feito um relatório internacional sobre desinformação, além de matérias sobre Manaus, com relatório de transparência da Covid e da questão carcerária. Um acúmulo de coisas, uma experiência com meio ambiente e desinformação, uma busca por me aproximar das questões amazônicas. Então surgiu o convite pra participar desse projeto por meio da coordenação dessas reportagens”, conta Katia.

A paranaense também explica o foco do projeto. “É importante que não só os brasileiros mas também os outros lugares do mundo estejam atentos ao que está acontecendo na Amazônia Brasileira e também na de outros países. E esse projeto vem pra mostrar que dentro do Brasil há uma rede de desinformação que tenta minimizar esse contexto”.

Com uso do jornalismo investigativo e apoio da sabedoria de comunidades tradicionais, o projeto, de iniciativa da InfoAmazonia (de Thais Lazzeri), descobriu e divulgou, por exemplo, que a manipulação em grupos de WhatsApp é estratégia para enfraquecer a luta indígena. É por meio dessas reportagens que os integrantes do projeto esclarecem de dentro do Norte para o resto do Brasil a realidade amazônica.

Na situação citada acima, quando milhares de indígenas acamparam em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília – setembro de 2021, por protesto contra o ‘marco temporal’ -, o cacique Agnelo Xavante, de 52 anos, vindo da Terra Indígena Etewawe, localizada no Estado do Mato Grosso, parou todo o movimento após receber pelo celular um vídeo falso.

“O vídeo chegou em muitos grupos de WhatsApp. Aquilo doeu na gente. Você sabe o que são 320 aldeias Xavantes irritadas? Isso nunca tinha acontecido. Eu, guerreiro do povo Xavante, não podia ouvir e ficar calado”, bradou o cacique, de microfone em punho, falando quase 6 mil indígenas.

Não à toa, o conteúdo do vídeo não é disponibilizado na reportagem do projeto. A ideia é barrar o impulsionamento de mentiras e divulgar somente fatos concretos. Mas o vídeo, que circulou nas redes sociais durante setembro do ano passado, atingia diretamente a integridade das organizações indígenas que estavam representando etnias de todo o Brasil. O interesse lucrativo desse disparo de fake news era claro: com o prosseguimento do marco temporal no STF, dezenas de terras indígenas teriam o selo da justiça para invasão, tornando-se vulneráveis ao garimpo e interesses do agronegócio.

O jornalista atuante no Amazonas e nascido no Pará, Bruno Tadeu, faz parte do projeto como assessor de imprensa e disseminador das reportagens. Ele explica com mais detalhes o que o site, logo na página inicial, resume: ‘Parece verdade, mas não é. Tem quem ganhe dinheiro mentindo’.

“O carro-chefe do projeto são as produções jornalísticas investigativas. Falar sobre o uso de financiamento tanto de portais de notícia quanto de disparos em redes sociais de conteúdos que ou são negacionistas em relação à Amazônia meio ambiente, desmatamento… Ou são usados de forma que atenue esse assunto, a realidade. Aí entra num mérito também do comprometimento ambiental das nossas instituições e dos políticos, com matérias questionando a atuação dos parlamentares tanto no âmbito estadual quanto federal.”

O projeto é resultado do trabalho de muitas mãos. “O trabalho envolveu identificar pautas, atores sociais, fontes relevantes que pudessem falar sobre Amazônia… tentar entender, a partir de estudos e pesquisas (que estão sendo feitas em universidades e institutos), sobre o que tá acontecendo na Amazônia, e mostrar essa perspectiva da desinformação. Porque muito se fala do conteúdo que tá circulando. Mas pouco se fala quem está propondo esse conteúdo ou quem está fazendo esse conteúdo desinformativo circular”, conclui a jornalista investigativa Katia Brembatti.

Serviços plurais pela Amazônia

Bruno já adianta um pouco do que está sendo apurado e será publicado em breve. E o projeto não vai poupar quem for responsável pelas omissões no cuidado com a Amazônia. “Vai ter material criticando a atuação de alguns portais de notícias em relação às pautas ambientais, em que se há uma grande omissão em relação a esse assunto do ponto de vista local. Um dos materiais que ainda vai sair tem toda uma reflexão em torno disso. Nossas instituições e grupos políticos, eles atuam para minimizar a destruição do nosso bioma?”.

O projeto ‘Mentira tem preço’ não se limita às reportagens. Disseminação de conhecimento, como oficinas de apuração e materiais voltados à juventude (incentivo à emissão de título de eleitor, por exemplo) também fazem parte da iniciativa. E a intenção não é apenas criticar e apontar omissões em portais de notícia, mas promover reflexões e divulgar bons exemplos de veículos que atuam comprometidos com a Amazônia.

Notícias falsas matam

Reportagens já mostraram relatórios do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que apontam 2020 como o ano marcado pelo alto número de mortes de indígenas, em consequência do enfrentamento precário à pandemia no Brasil. Como a desinformação por meio de notícias falsas foi o selo da gestão presidencial, o documento da Apib chega a afirmar que “O Governo Federal é o principal agente transmissor do vírus entre os povos indígenas”.

Representantes indígenas contaram ao projeto o quanto a disseminação de fake news influencia até os povos mais tradicionais.

“As fake news diziam que a vacina era do diabo, que vem com um chip implantado, de um tudo que era para que as pessoas não tomassem. E tivemos resistência dentro do território: em uma calha [área no rio] onde há mais de mil pessoas só 160 quiseram tomar a vacina naquele momento”, contou o presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), no Amazonas, Marivaldo Baré, para o ‘Mentira não tem preço’.

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