‘COP das Florestas, se ainda houver floresta’, afirma Lívia Duarte sobre COP30


Por: Fabyo Cruz

08 de dezembro de 2024
‘COP das Florestas, se ainda houver floresta’, afirma Lívia Duarte sobre COP30
Lívia Duarte, primeira deputada autodeclarada preta eleita no Pará (Marcos Barbosa)

BELÉM (PA) – A chegada da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) ao Pará, que será realizada em novembro de 2025, na capital Belém, é cercada de expectativas, sobretudo pelo poder público, além de críticas, principalmente pelas lideranças de comunidades tradicionais.

Enquanto o governo estadual apresenta o evento como a “COP das Florestas”, líderes como Lívia Duarte (Psol), primeira deputada estadual autodeclarada preta eleita no Estado, destacam as contradições do discurso. À CENARIUM, a deputada pontua: “Ela pode ser a COP das Florestas, se ainda houver floresta”.

O questionamento faz alusão às queimadas no Pará, que atingiram níveis preocupantes em 2024. O Estado, por diversas vezes, figurou no topo dos Estados brasileiros com os maiores percentuais de focos de incêndio.

Psicóloga, militante feminista e mãe de dois filhos, Lívia Duarte não poupa palavras para criticar a gestão ambiental e social do governador paraense Helder Barbalho (MDB) frente à crise ambiental. Para ela, há um paradoxo no discurso governamental.

“O Pará quer ser o palco da ‘COP das Florestas’, mas estamos em um processo acelerado de extinção de espécies, desmatamento e queimadas. Como vamos falar de preservação se a prática é outra? Alguns dizem que eu não quero que a COP vá para Belém porque sou oposição, porém, isso é uma mentira. Eu quero que venha, o que nós não estamos precisando é que seja só um grande evento. Construir um espaço, por exemplo, como o Parque da Cidade, com milhões de reais e só. Não é esse o legado que precisamos. A COP deve ser o início de mudanças concretas que atendam a realidade das cidades amazônicas”, declarou.

Na Alepa, Lívia enfrenta uma maioria parlamentar alinhada ao governo (Marcos Barbosa)

Recentemente, ao lado da vereadora Vivi Reis (Psol), Lívia levou denúncias ao Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) sobre as queimadas e a poluição do ar, que têm assolado municípios como Santarém, cidade localizada a 697 quilômetros de Belém. A parlamentar explica que o trâmite no MP-PA envolve investigar e oferecer a denúncia formal, porém, o objetivo sempre é evitar que a situação chegue a esse ponto.

“Antes disso, oficiamos diversas secretarias municipais e a estadual de Meio Ambiente, buscando soluções diretas. Contudo, muitas vezes enfrentamos resistência por parte do poder público e da mídia tradicional, que frequentemente ignora pautas que confrontam interesses dominantes. As queimadas quase sempre têm a ver com quem está dominando, com quem tem dinheiro, com intenção. E o pior: quem sofre é o povo. Santarém, antes chamada de paraíso amazônico, por conta de Alter do Chão, agora se destaca negativamente pelo ar irrespirável e pela degradação ambiental”, afirmou.

Lívia Duarte ressaltou que as queimadas têm raízes estruturais: desmatamento, interesses econômicos e negligência ambiental. Ela lembra que a situação de Santarém ganhou repercussão na imprensa nacional pouco mais de um mês após o início da crise na região. “Pela primeira vez, essa realidade de Santarém foi noticiada em rede nacional, no Jornal Nacional”, disse.

Fogo atinge floresta de várzea em Santarém, no Oeste do Pará (Reprodução/Luiz Fernando Rocha Miranda)

Caso não haja avanço no MP do Pará, ela diz que irá recorrer ao Ministério Público Federal (AM). Entretanto, para a parlamentar, a última instância é a consciência popular.

“Nossa exigência é uma resposta concreta, pois a mera formação de comitês não é mais suficiente. Seguimos acompanhando os desdobramentos no MP do Pará e, se necessário, recorreremos ao MPF. No entanto, não acho que o MP é a última instância. Acho que, inclusive, em alguns casos no Brasil foi uma frustração a gente acreditar que podia ser. Eu acho que a última instância sempre é consciência popular”, declarou a deputada.

Créditos de carbono

Outro ponto central levantado por Lívia é a participação das populações tradicionais e indígenas, frequentemente ignoradas nas negociações. Ela também lembrou da polêmica envolvendo o governador Helder Barbalho por conta da venda de créditos de carbono que – de acordo com lideranças indígenas, como Alessandra Munduruku – foi feita sem a devida consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais, violando direitos fundamentais e ignorando a participação das comunidades que são diretamente impactadas pelas políticas ambientais.

“Minha atuação também é marcada pelo apoio às populações tradicionais, como os povos indígenas e quilombolas que sofrem com as consequências das mudanças climáticas e do avanço de projetos que ignoram os seus direitos. Na COP29, participei de discussões com lideranças como Alessandra Munduruku e movimentos sociais que questionaram a venda de créditos de carbono sem consulta às comunidades afetadas”, disse a parlamentar.

A deputada também critica a lógica do mercado de carbono, que vê como uma “nova roupa do capitalismo para continuar explorando”. Para ela, em vez de compensações financeiras que legitimam emissões de poluentes, é preciso discutir alternativas reais para frear a destruição ambiental.

Educação no campo

A deputada destaca a relação entre questões ambientais e problemas sociais, como o acesso precário à educação nas zonas rurais. “Não existe criança na escola em Santarém que não vá ficar doente com o meio ambiente desse jeito. Tudo está integrado”, explica. Lívia acredita que a transformação virá, acima de tudo, da pressão popular. Ela cita a recente mobilização contra a extinção do Sistema Modular de Ensino (Some), que levou o governo estadual a recuar pela primeira vez em anos.

“Durante as manifestações contra essa proposta – de substituir as aulas presenciais do Some pelo ensino a distância em comunidades tradicionais isoladas, que geralmente têm dificuldades de acesso à internet e até mesmo à energia elétrica -, vi professores que foram alunos do Some lutando para preservá-lo como a única oportunidade de educação em suas comunidades. Esse foi um exemplo de resistência popular que forçou o governo a recuar, uma vitória do movimento social”, disse Lívia Duarte.

Apesar desse avanço, Lívia alerta que é preciso permanecer vigilante, já que a agenda pode ser retomada a qualquer momento. A luta pela educação do campo permanece central no mandato dela, especialmente considerando o fechamento de diversas escolas rurais nos últimos anos, o que agravou a exclusão educacional nessas áreas.

Desafio parlamentar

Na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), onde enfrenta uma maioria parlamentar alinhada ao governo, ela reconhece as dificuldades de aprovar medidas, mas ressalta que a pressão popular tem sido essencial para conquistar apoios pontuais, até mesmo de deputados da base governista. Essa experiência reforça a convicção da deputada de que a mobilização da sociedade é sempre a última e mais poderosa instância de resistência.

Minha trajetória é de resistência, não de reclamação. Enfrento ameaças e dificuldades, mas sigo comprometida com as causas sociais e ambientais. Até o último dia do meu mandato, e mesmo depois dele, continuarei lutando ao lado da sociedade civil para transformar o Pará em um Estado mais justo, inclusivo e sustentável”, concluiu.

Leia também: Nos últimos dois meses, Pará lidera registros de incêndios florestais
Assista a entrevista completa:
Editado por Jadson Lima
Revisado por Gustavo Gilona

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