COP30 lança declaração global para combater fake news sobre clima


Por: Fred Santana

13 de novembro de 2025
COP30 lança declaração global para combater fake news sobre clima
Participantes do evento da Iniciativa Global para a Integridade da Informação sobre a Mudança do Clima na COP30 (Zô Guimarães/UN Climate Change)

BELÉM (PA) – Pela primeira vez na história das Conferências das Partes (COPs), o tema da integridade da informação sobre mudanças climáticas ganha destaque central nas negociações internacionais. A “Declaração sobre Integridade da Informação Climática”, lançada durante a COP30, em Belém, nessa quarta-feira, 12, reúne países, agências da ONU e organizações civis em um compromisso global para enfrentar a desinformação que ameaça o combate à crise climática.

O documento foi elaborado pelo Comitê Diretor da Iniciativa Global pela Integridade da Informação sobre Mudanças Climáticas, co-presidida pela Unesco, o Brasil e as Nações Unidas. Ele convoca governos, empresas, universidades e a sociedade civil a promoverem ambientes informacionais saudáveis, transparentes e baseados em evidências científicas, como fundamento para a ação climática efetiva.

Cooperação técnica e prioridade ao Sul Global

Em entrevista exclusiva à CENARIUM, Guilherme Canela, diretor da Divisão de Inclusão Digital, Políticas e Transformação Digital da Unesco, explicou que a iniciativa busca fortalecer capacidades técnicas e regulatórias em países em desenvolvimento, sem abrir mão de princípios fundamentais.

O diretor da Divisão de Inclusão Digital, Políticas e Transformação Digital da Unesco, Guilherme Canela (Reprodução/UN News)

“A Unesco é a agência das Nações Unidas para temas de acesso à informação pública, liberdade de expressão, segurança de jornalistas, etc. Nós temos dito aos nossos 194 Estados-membros que estamos abertos à cooperação técnica, à formação de pessoal e de reguladores, e à discussão de governança do ecossistema digital, sempre com um princípio não negociável: não se negocia a proteção da liberdade de expressão e do acesso à informação pública”, afirmou Canela.

Segundo ele, o fundo criado pela Iniciativa Global tem prioridade para os atores do Sul Global, por conta da falta de financiamento para pesquisas e jornalismo investigativo sobre o tema. “Já anunciamos os dez primeiros beneficiários, todos do Sul Global, desenvolvendo projetos na região. Essa é uma das prioridades do fundo”, completou.

Informação confiável como pilar climático

A Declaração de Belém destaca que a crise climática exige não só ação política, mas também a mobilização de toda a sociedade, com base em informações consistentes, confiáveis e baseadas em evidências científicas. Ela também reconhece os riscos que a desinformação, o negacionismo e os ataques a jornalistas e cientistas representam para o avanço das políticas ambientais.

Canela ressaltou a importância do tema ter sido alçado a um dos pilares centrais da COP 30. “Essa é a primeira COP na história em que a integridade da informação é um dos eixos orientadores das negociações. Esse assunto não vai embora com essa COP. É importante que essa não seja a primeira e a última na qual esse tema foi colocado como pilar importante”, destacou.

O diretor enfatizou ainda que a comunicação estratégica é essencial para reverter o abismo entre o conhecimento sobre a crise e as ações efetivas. “As pesquisas mostram que 89% das pessoas acreditam que temos um problema de mudanças climáticas, mas esse número não se traduz em ação efetiva. Precisamos melhorar a conversa sobre isso. Provavelmente, os volumes de desinformação estão influenciando essa falta de ação, apesar do entendimento de que há um problema”, avaliou.

Compromissos e próximos passos

A Declaração pede aos governos que criem políticas de transparência e segurança para jornalistas, cientistas e defensores ambientais, e que assegurem o acesso público a dados climáticos. Também incentiva o setor privado a adotar práticas publicitárias responsáveis e transparentes, e convida financiadores e universidades a apoiarem projetos de integridade informacional, especialmente em países em desenvolvimento.

Declaração pede aos governos que criem políticas de transparência e segurança para jornalistas (Reprodução/Pixabay)

“A prioridade do fundo e das ações da Iniciativa é que os países do Sul Global tenham as condições para liderar a construção de ecossistemas digitais democráticos e resilientes. Isso é essencial para enfrentar tanto a desinformação quanto a crise climática”, concluiu Canela.

Desinformação climática mina a ação global

A urgência expressa na Declaração sobre Integridade da Informação Climática, lançada na COP30, encontra eco na ciência. Estudos recentes mostram que o combate à desinformação é tão essencial quanto o corte de emissões para enfrentar a crise climática.

Um deles, publicado em 2024 na PubMed, intitulado “Disinformation as an obstructionist strategy in climate change mitigation: a review of the scientific literature for a systemic understanding of the phenomenon”, revela que a desinformação sobre o clima opera como uma estratégia organizada de obstrução das políticas ambientais.

A pesquisa revisa 75 artigos publicados entre 2019 e 2023 e demonstra que campanhas coordenadas, muitas vezes financiadas por interesses econômicos ligados a combustíveis fósseis, manipulam o debate público e enfraquecem o apoio a ações climáticas urgentes.

Seca no Lago do Aleixo, em Manaus; estiagem severa fez lago chegar ao extremo da seca (Ricardo Oliveira/26.set.2023/CENARIUM)

Essa realidade é ainda mais crítica no Sul Global, onde faltam recursos para monitorar e reagir às campanhas de desinformação. O estudo “Dinâmicas da Desinformação Climática em Publicações de Facebook e Instagram no Brasil”, publicado em 2025 na revista Comunicação e Sociedade, mostra como, no contexto brasileiro, as narrativas desinformativas não negam diretamente a crise climática, mas a diluem.

Segundo as autoras, o discurso se desloca da negação para a descredibilização de soluções, questionando políticas de transição energética ou minimizando impactos ambientais. Essa forma mais sutil de manipulação digital reforça o que a nova Declaração da COP 30 busca enfrentar: um ecossistema informacional fragilizado, onde a dúvida se torna instrumento político e ameaça a capacidade global de agir diante da emergência climática.

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Editado por Adrisa De Góes

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