Covid-19 ‘cruza’ Pará com permissão de viajantes e empresas de transporte

Banheiro compartilhado, tecnobrega no último volume e redário apinhado de gente fazem parte. (Divulgação/ Folha de S. Paulo)

Rômulo D’Castro – Da Revista Cenarium

ALTAMIRA (PA) – Em uma das regiões mais extensas do País, visitar a família só mesmo nas férias. E, com o preço de voos nas alturas (R$ 1.700, em média, Altamira-Santarém-Altamira), as opções mais viáveis são ônibus e barcos. 

Foi assim que, mais uma vez, atravessei meu lindo Estado para rever parentes e amigos. Mas essa não é uma história sobre mim, e sim, sobre o que eu vi durante o percurso. 

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Pela Transamazônica: Altamira a Santarém 

Uma jovem carrega um bebê de menos de um ano. Perto de mãe e filha, um homem espirra e limpa o nariz com a mão. Ninguém usa máscara. 

O rapaz veste a farda de uma empresa de transporte e, após limpar o nariz com a mão, sem higienizar com álcool em gel ou com água e sabão, indicados para controle do vírus da Covid-19, passa a descarregar encomendas do ônibus.

Levando em consideração que o funcionário possa estar contaminado com a Covid-19, ou com a chamada gripe comum, o vírus certamente irá circular longe e poderá infectar mais pessoas. 

O veículo partiu de Altamira, Sudoeste do Pará, com destino a Santarém, no Oeste, em um percurso de mais de 13 horas e 500 quilômetros pela BR-30, a rodovia Transamazônica. 

Entre os passageiros que embarcaram em Altamira e os que subiram em Brasil Novo, Medicilândia e Uruará, três dos municípios às margens da BR, entre a partida e o destino, contamos mais de 30 viajantes. 

Em cada parada, com o fluxo de passageiros, familiares e moradores locais, foram mais de 100 pessoas contabilizadas. Em meio a essa movimentada rotina, apenas 9 usavam máscaras: o autor desta matéria, o motorista do ônibus, duas senhoras, dois adolescentes, um homem adulto e duas jovens. 

Não se mantém orientação sobre a importância do uso do equipamento, preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde que a Covid-19 foi classificada como pandemia. 

Também não se disponibiliza álcool em gel, ou se faz qualquer interferência da equipe que conduz a viagem. Mesmo com cartazes dentro do ônibus e nas paradas exigindo o uso de máscara, medidas mínimas de conscientização não existem. 

Por rios: Santarém a Oriximiná

Depois de uma longa viagem pela estrada até Santarém, o próximo destino é sagrado: Oriximiná, município às margens do rio Trombetas e onde me criei. 

Toda vez que retorno ao município vem à cabeça o frescor de uma infância difícil, porém gostosa. Mas, nessa viagem em especial, o que a mim surpreendeu não foi como a região continua linda e como os rios se cruzam numa espécie de ritual. 

O meio de locomoção para o trecho Santarém-Oriximiná é uma balsa de grande porte, com capacidade para centenas de pessoas, além de servir de transporte para veículos e mercadorias que alimentam o mercado regional. 

Já de cara constatamos o que muito temos visto desde o início da pandemia. Grande parte de trabalhadores do Porto e passageiros não usa máscaras, incluindo funcionários da balsa que transporta até Oriximiná. 

Assim como foi pela estrada, em nenhum momento do percurso de rio foram oferecidos álcool, máscara ou afins. E um detalhe ainda mais preocupante: muitos passageiros com tosse e espirros constantes circulavam livremente entre os que não apresentavam tais sintomas. 

Você pode estar pensando “o cara tá reclamando, mas não fez nada”. Não, de fato não fiz nada. 

Enquanto jornalista a observar aquele frenesi urbano, tentei formas de abordar alguns passageiros a fim de entender, a partir deles próprios, o porquê de inquestionável irresponsabilidade diante do óbvio.

É notório o escárnio de quem prega o “não” mesmo depois de dois anos de pandemia. Em alguns casos, preferi não avançar com medo – confissão verdadeira – de ser achincalhado ou mesmo de levar uma surra, como já ocorreu com colegas país brasileiros e de outras nações.

E é, ainda, impressionante como os papeis se inverteram. Num País onde o que deveria ser luta por cuidados coletivos e vacina para todos, ocupam-se ‘diálogos’ com uma campanha infundável de antivacina, anticiência, uma campanha famigerada pela morte. Neste mesmo cenário, quem usa máscara, pede por vacina e que mais pessoas sejam salvas é visto como ser estranho. Notei isso ao tentar abordar alguns passageiros para meus apontamentos. As caras dão recado direto: “vá à merda”.

Por isso foi difícil. Tive razoável sucesso em apenas apenas quatro casos. Em dois deles, o argumento se repetiu: “não adianta usar máscara porque não resolve”, e “máscara não livra ninguém da Covid”.

Um terceiro passageiro disse que não estava de máscara porque ele é quem “toma as próprias decisões e não pode ser forçado a nada”. O passageiro também disse não estar vacinado e que não vai se imunizar. 

Uma quarta pessoa, a única mulher do grupo consultado, a única com máscara, e a única a se posicionar diferente dos demais que ouvi, mostrou-se indignada. “Se não tivesse vacina as pessoas estariam reclamando”.

Segundo pesquisas a nível mundial, entre os motivos mais comuns para a resistência a medidas simples e cientificamente eficazes, estão ideologias políticas, falta de confiança na ciência e influência religiosa. Essa última tem sido responsável por significativa parcela dos que pregam o negacionismo.

Os reflexos são sentidos com mais de frequência em cidades longe dos grandes centros urbanos, como em Porto de Moz e Senador José Porfírio, no interior do Pará, onde, no caso de Senador, menos de 30% da população se imunizou, menos da metade de pessoas que se declararam ligadas a atividades religiosas.

“Eu vi no município em que moro um absurdo. O pastor falando pra uma igreja inteira não se vacinar e não usar máscara. Isso é prova de que não entende a palavra que prega”, lamenta a jovem que conversou com o site. 

A culpa não é do Cabral

O Pará sofre para controlar a pandemia e parte considerável da culpa é, sem medo de errar na análise, da população. 

Com menos de 60%, considerando todas as doses de imunizantes contra a Covid-19, da população imunizada, o Estado enfrenta, ainda, uma severa campanha antivacina, com direito à disseminação de notícias falsas e campanhas que tentam colocar em xeque as vacinas pelas quais pesquisadores do mundo todo lutaram para fabricar em tempo recorde.  

Força-tarefa de “fachada”

No fim do ano passado, o governo do Pará anunciou uma série de medidas contra a Covid-19 num esquema que funcionaria como força-tarefa contra descumpridores de decretos da pandemia. 

Depois de uma pirotecnia, com direito à coletiva transmitida na TV e comboio de viaturas das polícias, Secretaria de Meio Ambiente, Secretaria de Segurança Pública e anúncio firme de multa para quem não obedecesse as regras, o que se vê é a frouxidão em um Estado que deveria endurecer – de fato e já – as regras a fim de controlar a pandemia. 

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