Covid-19: medida para exigir prescrição na vacinação é inconstitucional, dizem especialistas

Imunização infantil não terá exigência de receituário médico. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS — Catapora, rubéola, caxumba, varicela e sarampo são algumas das doenças adquiridas pelo ser humano durante a vida, especialmente, na infância. Todas essas enfermidades são prevenidas com a vacina conhecida como tetra viral ou tetravalente viral. Se não fosse o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que em seu artigo 14 prevê a obrigatoriedade da imunização da população infantil nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, defendem especialistas, muitas crianças cresceriam com sequelas. Em meio a isso, há um grande entrave do governo Bolsonaro quanto a liberação de vacinas para crianças. Os imunizantes, contudo, são contra a Covid-19.

Em 16 de dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina da Pfizer contra Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade, permitindo o início do uso do imunizante no Brasil para esta faixa etária. Na semana passada, contudo, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou que a vacinação para esse grupo, cuja imunização já começou em países como os Estados Unidos, Argentina e China, será feita somente para quem apresentar prescrição médica e um “termo de consentimento livre declarado”. Para especialistas consultados pela REVISTA CENARIUM, essa atitude do governo federal é inconstitucional, pois a saúde desse público é um bem coletivo e individual.

PUBLICIDADE
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, conversa com jornalistas no ministério da Saúde (Antonio Cruz/Agência Brasil)

“O artigo 14 do ECA fala da questão da obrigatoriedade da vacinação de crianças, por ocasião da indicação das autoridades sanitárias, e já houve um indicativo da Anvisa da importância da vacinação naquela faixa etária pré-determinada. Essa tentativa de jogar a responsabilidade foge da perspectiva da própria Constituição Federal que, quando fala da criança e do adolescente, fala de um dever coletivo. Quer dizer, o bem-estar da criança e do adolescente não é um dever apenas dos pais, mas do Estado e da sociedade como um todo”, declarou o advogado e professor em Manaus Juan Pablo, mestre em Direito Ambiental e doutorando na Universidade de Coimbra.

Para o advogado, no momento em que um ministro da Saúde ou um presidente da República politiza determinada questão de saúde pública e contraria as recomendações das autoridades sanitárias, há uma violação não somente do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas da Constituição Federal. O especialista lembra que o Brasil sempre foi um exemplo ao ser relacionado à vacinação em massa e lamentou a postura do ministério da Saúde e do presidente Bolsonaro que reforça essa perspectiva.

“Nós só somos adultos saudáveis graças ao amplo processo de vacinação relacionado a uma série de mazelas. Isso nunca foi problema e dá para citar inúmeros casos: a rubéola, sarampo, paralisia infantil e por aí vai. Basta você conhecer uma pessoa que não teve a oportunidade de ser vacinado na infância, que foi acometido com uma doença como essa e tem algum tipo de sequela até hoje, que você vê as consequências desse tipo de perspectiva negacionista”, enfatizou Juan Pablo.

Definição

Após a declaração de Queiroga sobre a prescrição médica para imunizar crianças, ao menos 13 Estados informaram que não seguirão a indicação do ministro, segundo a CNN Brasil, são eles: Paraíba, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Espírito Santo, Pará, Acre, Paraná e Goiás. Rio Grande do Norte, Amazonas, Tocantins, Distrito Federal e Roraima disseram que ainda irão decidir.

Crueldade e isanidade

A demora sobre a liberação da vacina para crianças de 5 a 11 anos tem gerado insatisfação por autoridades sanitárias do País. Para o epidemiologista Jesem Orellana, pesquisador da Fundação Oswald Cruz Amazônia (Fiocruz Amazônia), deixar esse público sem a imunização é crueldade com elas e com seus entes queridos, além de uma espécie de tortura psicológica.

“Ministro: crianças de 5-11 é ‘onde se identifica menos óbitos em decorrência da Covid-19’. Ou: azar das que morrem, casos graves e contágios evitáveis. Deixar as crianças sem vacina é crueldade com elas e com seus entes queridos, uma espécie de tortura psicológica. Um Brasil sem futuro”, afirmou Orellana, em uma publicação no Twitter, lembrando da fala do ministro sobre os dados da imunização infantil.

O médico infectologista Nelson Barbosa afirma que “prescrever a vacina contra Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos” é um ato insano do ministro Marcelo Queiroga. O especialista lembra que os gestores de saúde têm por obrigação vacinar o público infantil contra doenças imunopreveníveis, ou seja, enfermidades que podem ser prevenidas com a vacinação, como a Covid-19, cujos casos graves são pouco recorrentes em imunizados.

“O Estatuto da Criança, no seu artigo 14, é cristalino ao falar que os gestores têm por obrigação vacinar as crianças das doenças imunopreveníveis e a Covid é uma que tem a vacinação. E os estudos já mostraram que a vacina da Pfizer é boa. Nos Estados Unidos, mais de sete milhões de crianças já se vacinaram e, mesmo assim, mais de 800 crianças estão adoecendo por dia. Será que o Marcelo Queiroga quer que isso aconteça no Brasil? Com esse ato insano que ele está tendo?”, questionou Barbosa.

Hospitalizadas nos EUA

Na última sexta-feira, 24, o jornal americano The Washington Post estampou a realidade em que hospitais pediátricos dos Estados Unidos têm enfrentado: salas lotadas de crianças infectadas com Covid-19. As unidades hospitalares do País, que vem sendo assolado pela variante Ômicron, receberam, na semana passada, uma média 800 crianças com o vírus por dia. Segundo o tabloide, nenhuma delas estavam imunizadas contra o coronarívus.

Crianças esperam por testes de coronavírus do lado de fora de uma escola primária no noroeste de Washington, alguns dias antes do Natal. (Jacquelyn Martin / AP)

Mesmo que estudos sugerindo que a variante Ômicron tem enviado menos pessoas ao hospital, autoridades de saúde pública estão em alerta máximo sobre público infantil não vacinado. Para o epidemiologista Jesem Orellana, os aumentos seguidos nos indicadores de internações em crianças não vacinadas é mais do que esperado e mostra porque os EUA tem tanta dificuldade de controlar a epidemia, pois apesar de ser um dos líderes na produção mundial dos imunizantes, a adesão da população está muito aquém do esperado.

“No Brasil, a situação também é desfavorável entre as crianças e marcada por ingerências diretas do presidente Bolsonaro e do Ministério da Saúde que ao invés de acelerar a aquisição e distribuição de vacinas junto a crianças de 5-11 anos, busca colocar empecilhos para tal, com absurdos como a suposta necessidade de prescrição médica ou autorização documentada dos pais”, pontuou Orellana, à REVISTA CENARIUM.

Jesem Orellana salienta que a variante Ômicron deveria ser mais uma razão crucial para acelerar a vacinação de crianças da faixa etária entre 5 a 11 anos no Brasil. “Mas como temos visto desde o início da pandemia, o Brasil não tem tomado uma posição de vanguarda em termos sanitários e sim de descarada negligência, infelizmente”, lamentou.

Em suma, finaliza o especialista, quanto mais brasileiros vacinados com esquema completo, sobretudo crianças de 5 a 11 anos que estão totalmente sem a proteção desses imunizantes, haverá menos disseminação viral, menos internações e óbitos. “Isto sim nos aproximaria do controle da epidemia no País”, concluiu o epidemiologista.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.