CPI da Covid: relatório final pede indiciamento de Bolsonaro por nove crimes

O relatório final da CPI da Covid pede o indiciamento de Jair Bolsonaro (Sem partido) por crime contra a humanidade, entre outros (Arte: Ygor Fabio Barbosa)

Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – O senador Renan Calheiros (MDB-AL) realizou a leitura, na manhã desta quarta-feira, 20, do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid com mais de mil páginas. O documento pede o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), atribuindo nove crimes ao chefe do Executivo, na condução da pandemia da Covid-19. Especialistas ouvidos pela CENARIUM afirmam que os crimes são resultados de uma ‘rede da maldade e da morte’. 

Com total de 1.180 páginas, o relatório final da CPI é resultado de 520 pedidos de informação, 251 quebras de sigilo, 9 terabytes de arquivos a mais de seis meses de sessões. O documento confirma o “fracasso e a incapacidade do presidente brasileiro em lidar com a pandemia”, além de indicar a responsabilização de Jair Bolsonaro pelas mais de 600 mil vítimas, por meio do crime de “epidemia resultando em mortes”. 

As práticas criminosas atribuídas ao presidente vão de crimes comuns, crimes de responsabilidade a crimes contra a humanidade, previstos pelo Código Penal Brasileiro (CPB), Lei de Impeachment e pelo Estatuto de Roma. São eles:

  • Crime de epidemia resultando em morte (reclusão de 10 a 15 anos);
  • Infração a medidas sanitárias preventivas (detenção de um mês a um ano e multa);
  • Charlatanismo (detenção de três meses a um ano e multa);
  • Prevaricação (detenção de três meses a um ano e multa);
  • Emprego irregular da verba pública (detenção de um a três meses ou multa);
  • Incitação ao crime (detenção de três a seis meses ou multa);
  • Falsificação de documentos particulares (reclusão de um a cinco anos e multa);
  • Crime de responsabilidade;
  • Crimes contra a humanidade.

A indicação do crime de epidemia resultando em morte, tipificado no Artigo 267 do CPB, entrou no lugar do crime de “homicídio”, anteriormente atribuído ao chefe do Executivo. O mecanismo legal prevê punição para quem causar epidemia por meio da propagação de germes patogênicos, com pena aumentada em dobro, caso o resultado seja o óbito.

Durante a leitura do relatório final nesta quarta-feira, Renan Calheiros ressaltou que Bolsonaro propagou a ideia da “imunidade de rebanho” pela exposição dos brasileiros ao novo coronavírus. 

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O senador Renan Calheiros durante a leitura do relatório final da CPI nesta quarta-feira, 20. (Reprodução/Youtube)

“Essa estratégia levou o presidente Jair Bolsonaro, por um lado, a resistir obstinadamente à implementação de medidas não farmacológicas, tais como o uso de máscara de proteção e o distanciamento social”, destacou o senador.

O documento também servirá como fundamento para indiciar Bolsonaro (por crimes contra a humanidade, além dos outros crimes pontuados) e mais 65 pessoas, além de duas empresas: Precisa Medicamentos e VTCLOG, suspeitas de corrupção na venda de imunizantes e de fraudar contratos com o Ministério da Saúde. 

Punições

Os possíveis crimes comuns cometidos pelo presidente devem ser encaminhados à Procuradoria-Geral da República (PGR), onde pode haver instauração de inquérito ou o oferecimento da denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em relação ao crime de responsabilidade, caberia ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas), levantar o pedido de impeachment.

Já referente à punição por crimes contra a humanidade, cabe ao Tribunal Penal Internacional (TPI) responsabilizar as práticas previstas pelo Estatuto de Roma, mas, para isso, o relatório final deve ser enviado à Corte Internacional. Se uma investigação for aberta, a partir daí ocorre a denúncia e, caso aceita, o julgamento.

No entanto, o relatório final da CPI ainda será votado pelos demais membros da comissão na próxima terça-feira, 26. Além disso, como explica Carlos Santiago, uma comissão parlamentar de inquérito não tem papel de punir nem julgar ninguém, pois “trabalha com elementos técnicos e jurídicos”, além de permear o ambiente político.

“O próximo passo, muito importante, é do Ministério Público e da Procuradoria da República, que vão analisar os documentos, o relatório final e vão, ou não, pedir ações contra o presidente da República e os envolvidos nessa tragédia brasileira”, destacou o especialista.

“Rede de maldade e morte”

Na avaliação do cientista político Carlos Santiago, a CPI constatou uma “rede da maldade, da morte, articulada por inúmeros brasileiros, de governantes, empresários a líderes religiosos que causaram muito mal à sociedade”. “É um absurdo o maior dirigente deste País ter seu nome envolvido em crimes contra o seu povo, fato que terá repercussão internacional”, declarou. 

Ainda na avaliação do advogado, sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Bolsonaro adotou uma conduta negacionista repetidas vezes, por ter feito pouco caso com a pandemia mais severa dos últimos tempos, além de ter zombado da população.

“Acima de tudo, acredito que o presidente tem uma dívida de pedir perdão aos familiares que tiveram seus entes queridos vitimados, porque ele minimizou, ele riu, ele gargalhou: “eu não sou marica’, ‘eu não sou coveiro’, ‘vai procurar vacina com a tua mãe’, enfim (…)”, disse o especialista. 

Genocídio contra indígenas foi desconsiderado

Segundo o presidente da comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM), “a questão do genocídio está pacificada”, por isso foi retirada do relatório final. Ao todo, 162 etnias indígenas foram afetadas pelo contágio do vírus, com resultado de 1.218 mortes, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O Estado mais afetado foi o Amazonas, com 254 óbitos.

Brasil tem mais de 1.200 mortes de pessoas indígenas. (Reprodução/Internet)

O advogado, sociólogo e professor Helso Ribeiro diz que a omissão pode não ter sido considerada genocídio, mas que ficou próxima disso. “Eu acho que se assemelha, chega bem perto. Eu não sei se o Ministério Público iria aceitar. Talvez, o Tribunal Penal Internacional, caso isso seja levado a ele, ele pode ter esse entendimento”, avaliou. 

Ele diz ainda que nenhum outro governante fez tanta piada sobre a pandemia quanto fez Bolsonaro. “Eu te convido a fazer uma pesquisa nos 195 países filiados à ONU. Você não vai encontrar nenhum País que, em aproximadamente 12 meses de pandemia, teve quatro ministros da saúde diferentes”, disse. “Teve alguns que caminharam em um direcionamento negacionista, mas, ainda os que caminharam, eles não desdenharam da vida, não fingiram que estavam com falta de ar. Não, isso não se faz. Isso é cruel”, completou.

O cientista político Carlos Santiago lamenta ainda o fato de que “fica na história brasileira e mundial o absurdo de ter um governante que trabalha, segundo o pedido de indiciamento da CPI, contra a saúde pública e contra a vida de seu próprio povo”. Para ele, outros crimes poderiam ter sido recolhidos para indiciamento, como o próprio crime de genocídio.

“Mas não significa que ele vai deixar de responder por isso. Outras instituições fora do Congresso Nacional já estão propondo ações junto ao Supremo Tribunal Federal e até cortes internacionais, levando em consideração esses crimes de homicídio e genocídio”, concluiu Santiago.

Leia a íntegra do relatório final da CPI da Covid:

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