CPI poderá apurar denúncias de espionagem a indígenas pelo Governo do Pará
Por: Fabyo Cruz
21 de agosto de 2025
BELÉM (PA) – Denúncias de espionagem de indígenas, parlamentares e trabalhadores da educação pelo Governo do Pará motivaram a deputada estadual Lívia Duarte (Psol), parlamentar que faz oposição à gestão Helder Barbalho (MDB), a propor, na terça-feira, 19, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), para apurar o uso de agentes do Programa de Proteção de Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) para monitorar manifestantes durante a ocupação da sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), no início de 2025.
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Agentes do programa teriam sido utilizados para acompanhar, em tempo real, os movimentos de indígenas, trabalhadores da educação e lideranças de movimentos sociais, segundo reportagem do portal Jota. A denúncia diz que parte do monitoramento ocorreu dentro de ônibus e barcos que transportavam os manifestantes, incluindo representantes dos povos Arapiun, Munduruku e Borari, que se deslocavam de cidades do interior do Estado para Belém em 14 de janeiro.
Na ocasião, as lideranças articulavam apoio de outros movimentos críticos à gestão estadual e debatiam estratégias de protesto contra mudanças promovidas pelo governo na educação das aldeias, durante a gestão de Rossieli Soares como secretário da Seduc. A mobilização ganhou força após Barbalho sancionar a Lei 10.820/2024, que, segundo os manifestantes, desmontou o sistema de educação indígena ao revogar dispositivos centrais da carreira do magistério e legislações que garantiam o funcionamento do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e sua modalidade indígena (Somei).

Os agentes do PPDDH, formalmente vinculados ao programa de proteção a defensores ameaçados, atuaram como “colaboradores” do serviço de inteligência estadual. As informações coletadas foram repassadas diretamente ao secretário de Segurança Pública, Uálame Machado, e usadas para produzir pelo menos dois relatórios sigilosos detalhando lideranças, aliados, intenções e formas de financiamento da ocupação. Em vídeo anexado ao processo, o delegado Carlos André Viana, chefe do Setor de Inteligência e Análise Criminal (Siac), afirmou que o monitoramento foi contínuo e envolveu colaboração infiltrada no próprio movimento indígena.

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CPI
A CPI proposta quer investigar a extensão do monitoramento, as possíveis violações de direitos constitucionais e o desvio de finalidade do PPDDH, buscando maior transparência sobre o acompanhamento de movimentos sociais e a proteção de defensores de direitos humanos no Estado. A expectativa é que a comissão possa esclarecer os fatos relacionados à ocupação da Seduc e estabelecer limites legais para a atuação de serviços de inteligência sobre ativistas e comunidades vulneráveis.
Em pronunciamento na Alepa, a deputada Lívia Duarte classificou a ação como “crime de Estado”. “Tive acesso aos relatórios do serviço de inteligência do Governo do Pará que, durante a ocupação da Seduc, usou do PPDDH para espionar defensores de direitos humanos. O governador Helder Barbalho precisa dar explicações sobre essa ação autoritária, antiética e persecutória”, afirmou. Ela também anunciou que reforçará o pedido de envolvimento do Ministério Público Federal (MPF), que já investiga o caso, inclusive por suposto uso de “fake news” contra indígenas.
O episódio ocorre em meio a um cenário de crescente violência contra defensores de direitos humanos no Pará. De acordo com o relatório “Na Linha de Frente – Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil”, das organizações Justiça Global e Terra de Direitos, o Estado registrou 103 casos entre 2023 e 2024, correspondendo a 21% do total nacional.
Para a deputada, as ações do Governo do Pará remetem a práticas similares já observadas em âmbito federal durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando “fake news” e espionagem da Abin foram usadas para monitorar movimentos sociais e lideranças políticas. “Não podemos admitir que atos tão grotescos e desrespeitosos à democracia sejam naturalizados. O Pará não tem dono, a luta do povo não tem dono!”, afirmou Lívia Duarte.
O que diz o Governo do Pará
A CENARIUM entrou em contato com o Governo do Pará para obter esclarecimentos sobre as denúncias de espionagem. À reportagem, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) disse que os “colaboradores mencionados em operações de vigilância são pessoas da comunidade diversas que não integram o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos“.
“Os agentes da SIAC são profissionais da atividade de inteligência devidamente capacitados e obedientes da doutrina de inteligência que atuam diretamente em muitas atribuições de produção de conhecimento em segurança pública, a exemplo de crime organizado, crimes violentos contra a pessoa, crimes contra vulneráveis, crimes ambientais, e dentre elas está incluso o acompanhamento aos defensores de direitos humanos”, diz trecho da nota.