Criador do Búfalo-Bumbá, Mestre Damasceno deixa legado de resistência e cultura marajoara
Por: Fabyo Cruz
26 de agosto de 2025
BELÉM (PA) – A cultura popular do Pará perdeu nesta terça-feira, 26, um de seus maiores expoentes. Criador do búfalo-bumbá, Damasceno Gregório dos Santos, o Mestre Damasceno, morreu aos 71 anos, em Belém, no Dia Municipal do Carimbó. O artista marajoara estava internado desde junho para tratar de um câncer em estágio avançado, que já havia atingido pulmão, fígado e rins. Nos últimos dias, enfrentava complicações de pneumonia e insuficiência renal.

Nascido em 1954, na Comunidade Quilombola do Salvá, em Salvaterra, Damasceno construiu uma trajetória de mais de cinco décadas dedicada à valorização das tradições culturais do Marajó. Neto de indígena e descendente de homem negro escravizado, transformou em arte a memória de seus ancestrais. Mesmo após perder a visão aos 19 anos, reinventou sua vida pela música, poesia oral e festas populares.
O governo do Pará decretou luto oficial pela morte de Mestre Damasceno. Nas redes sociais, o chefe do poder Executivo, Helder Barbalho, fez uma publicação sobre a perda do artista paraense.
“É com grande tristeza que recebemos a notícia da morte do querido Mestre Damasceno. Foi uma honra poder homenageá-lo em vida na Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes deste ano. Seu legado na cultura paraense é imensurável e seguirá tocando gerações. Meus sentimentos aos fãs, amigos e familiares. Que Deus os conforte neste momento de dor. Decreto luto oficial pela morte do @damascenomestre”, disse o governador.
Búfalo-bumbá de Salvaterra
Damasceno criou o Búfalo-bumbá de Salvaterra, um festival cultural popular da ilha do Marajó, que celebra a história e a cultura local por meio da dança, música e teatro. Ele é uma variação do tradicional Bumba Meu Boi, mas com uma identidade e simbologia próprias, enraizadas na realidade marajoara.
A principal diferença e característica marcante do Búfalo-bumbá é a substituição do boi pelo búfalo, um animal que se tornou um ícone da ilha do Marajó. A introdução do búfalo na ilha, no início do século 20, transformou a economia e a paisagem local, e o animal se adaptou tão bem que hoje sua população supera a de habitantes. A figura do búfalo no festival representa essa forte ligação com a terra e a história da região.
Outros legados
Damasceno tornou-se referência no carimbó, nas toadas e na preservação da oralidade marajoara. Também fundou, em 2013, o Conjunto de Carimbó Nativos Marajoara, que já lançou quatro álbuns com o estilo “pau e corda” característico da região.
Com mais de 400 composições autorais e seis álbuns gravados, Mestre Damasceno também levou o Marajó ao cenário nacional. Em 2023, participou do enredo do Paraíso do Tuiuti, no Rio de Janeiro, e em 2025 teve um samba-enredo de sua autoria — “A mina é cocoriô!” — escolhido pela Grande Rio, que homenageou o Pará no carnaval carioca.

O reconhecimento ao artista veio em vida. Em maio deste ano, recebeu a Ordem do Mérito Cultural, a mais alta honraria concedida pelo Ministério da Cultura. Em agosto, foi homenageado na 28ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes, em Belém, que lançou a obra “Mestre Damasceno e as Cantorias do Marajó”, dedicada ao público infantojuvenil. Ele também ocupava uma cadeira na Academia Marajoara de Letras, destinada à Tradição e Poesia Oral.
Ao longo da carreira, acumulou prêmios como o Mestre da Cultura Popular do Estado do Pará (2015) e o reconhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2017, como mestre do carimbó. Também foi responsável por iniciativas como o Cortejo Carimbúfalo e o Festival de Boi-Bumbá de Salvaterra, que ampliaram a presença da cultura quilombola e amazônica em espaços públicos.