‘Crianças precisam ler notícias’, diz criadora de jornal infantil e sobrevivente do ’11 de Setembro’

Estar bem informado faz parte de rever esses pré-conceitos, diz criadora de conteúdo (Reprodução/ Internet)

Com informações da Folhapress

SÃO PAULO – Aluno do quinto ano, João Vinicius, 10, não lia nem escrevia. Era indisciplinado e se recusava a tentar aprender. Até que chegou às suas mãos um tabloide colorido, com reportagens atuais escritas para crianças e adolescentes. Três meses depois de a professora ter passado a usar nas aulas edições desse jornal infantojuvenil, o garoto pediu para ler uma notícia em voz alta para a turma.

A alfabetização desse estudante de uma escola estadual de São Paulo é uma das histórias de transformação em torno do Joca, criado em 2011 por Stéphanie Habrich, 49, e que está presente em 326 colégios particulares e em 12 redes públicas de ensino do País.

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No livro “Uma Jornada com Propósito” (ed. Magia de Ler; R$ 48,90), a ser lançado no dia 17, a trajetória do jornal é narrada por sua fundadora. Sobrevivente dos atentados ao World Trade Center, onde trabalhava, deixou para trás a carreira como executiva de banco para criar o periódico.

Foram muitas as dificuldades até comemorar o papel do Joca na vida de João Vinicius e de outros leitores. Ela montou a Redação em casa, empacotou e distribuiu exemplares e quase chegou à falência. O rol de desconfianças foi da chance de um jornal impresso para crianças ter sucesso à capacidade de uma mulher para criá-lo e liderá-lo.

O livro mistura reflexões sobre o empreendedorismo a lembranças pessoais, desde a infância na Alemanha, onde nasceu, e a mudança para o Brasil na década de 1970. É também uma obra que milita pela alfabetização midiática, ou seja, para que crianças e jovens sejam ensinados a se relacionar com a mídia.

Pelo seu trabalho, Habrich recebe nesta sexta, 13, da Câmara Municipal de São Paulo, o título de cidadã paulistana.

PERGUNTA – Por que, apesar da avalanche de fake news e dos prejuízos evidentes dessa disseminação, ainda é escassa a mobilização de escolas para a alfabetização midiática?

STÉPHANIE HABRICH – É surpreendente que a educação midiática ainda não faça parte do currículo das escolas, neste momento em que a utilização do digital é o que impera. O público infantojuvenil tem hoje mais acesso do que nunca à informação e se utiliza das redes sociais para se divertir, produzir conteúdo e se informar, nem sempre por meio de plataformas ou fontes confiáveis.

Existe ainda a barreira da compreensão de que levar notícias para crianças e jovens, por meio do jornalismo profissional, além de ser uma necessidade para a formação desse público, é um direito que eles têm, previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Convenção Sobre os Direitos da Criança, da ONU.

P – Você conta que foi preciso investir nos professores para engajá-los na ideia de trabalhar com o Joca. Há falha na formação dos educadores para a alfabetização midiática?

SH – O que ocorre não é uma resistência, mas o desconhecimento de que o jornal pode ser um complemento ao material didático, em todas as disciplinas. Quando o educador percebe que o jornal aproxima a escola do mundo fora dela, entende que é uma ferramenta de informação e formação.

A alfabetização midiática exige uma formação continuada que contemple os novos aspectos da educação por meio das tecnologias de informação e das novas metodologias de ensino.

P – Entre os motivos do sucesso Joca, você lista o fato de ele ser impresso. É uma ideia oposta ao senso comum de que esse público só quer saber de meios digitais. Será sempre possível chamar a atenção das crianças com o “velho jornal”? Que benefícios isso traz em tempos de uso de tecnologia na infância?

SH – Minha experiência, com os nove anos do Joca, não me dá sinais de que a versão impressa será abandonada. Especialistas em psicologia relatam a diferença que existe entre a relação que a criança tem com vídeos e outros conteúdos digitais e a relação com o consumo de notícias e informação. Lidar com o jornal impresso, folheá-lo, nessa relação concreta – e não abstrata, como a dos meios digitais -, faz diferença para o envolvimento do leitor.

O que não deixa o Joca distante da necessidade de criar conteúdos em outros formatos. Por isso, temos site com atualizações diárias, podcasts, vídeos no YouTube e lives. Na pandemia, a situação obviamente impôs às crianças e aos adolescentes um mergulho ainda maior no digital. E o jornal, assim como outros materiais físicos, é um aliado no descanso do excesso de telas.

P – O livro menciona que a sua experiência com a maternidade foi inspiradora para escrever para crianças, mas que você se deparou com ideias machistas sobre a capacidade de uma mulher, com três filhos, liderar um projeto. Como o Joca atua para que as crianças e jovens pensem de forma diferente?

SH – Estar bem informado faz parte de rever esses pré-conceitos. No Joca, como trazemos atualidades, não faltam exemplos de liderança de mulheres, negros, pessoas de diversas classes sociais. Por meio das notícias, o leitor pode passar a enxergar com mais clareza os preconceitos e as formas de combatê-los. O contato com os fatos que giram em torno de temas como racismo e machismo também pode ser um ponto de partida para conversas em casa, entre pais e filhos.

P – Que impactos a pandemia do novo coronavírus tem na relação de crianças e adolescentes com a informação?

SH – A pandemia provou, mais uma vez, a importância de jovens e crianças compreenderem o que se passa na sua comunidade, no país e no mundo. Se não entendem, podem criar falsos medos e angústias.

O jornalismo profissional, com a prestação de serviço por meio da apuração bem feita, sai fortalecido. E o jornalismo infantojuvenil também. Recebemos muitas dúvidas de leitores sobre o vírus e as esclarecemos. Nós, como sociedade, temos o dever de envolver jovens e crianças nas atualidades. Bem informados, formam as próprias opiniões e se tornam cidadãos críticos e ativos. Lutam por seus direitos, cumprem seus deveres e têm ferramentas para construir um País melhor.

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