Crise climática avança mais rápido do que ações para contê-la, diz relatório
Por: Fred Santana*
02 de novembro de 2025
MANAUS (AM) – A crise climática está avançando em um ritmo mais acelerado do que as ações implementadas para contê-la. É o que revela o relatório “10 New Insights in Climate Science 2025/2026“, divulgado esta semana por um consórcio internacional de cientistas liderado pela The Earth League, Future Earth e o World Climate Research Programme (WCRP).
O documento, lançado às vésperas da COP30, que será realizada em Belém (PA), reúne os achados científicos mais recentes sobre a intensificação do aquecimento global e seus impactos.
O estudo, elaborado com base em contribuições de mais de 150 especialistas de diversos países, afirma que o desequilíbrio energético da Terra — diferença entre a energia solar absorvida e a refletida de volta ao espaço — aumentou de forma inédita, um sinal claro de que o aquecimento global pode estar se acelerando.
“A Organização Meteorológica Mundial confirmou que 2024 foi o ano mais quente já registrado, com temperaturas médias atingindo 1,55 °C acima dos níveis pré-industriais”, explica Mercedes Bustamante, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das coordenadoras do estudo.
“Esse aquecimento contínuo tem alimentado ondas de calor, secas, incêndios florestais, tempestades e inundações com mais frequência e intensidade, resultando em perdas humanas e econômicas severas”, alerta Mercedes.

Esse fenômeno é agravado por nuvens menos refletivas sobre os oceanos e pela redução da cobertura de gelo, o que faz com que o planeta absorva mais calor do que antes. “O notável aumento no desequilíbrio energético da Terra sugere que o aquecimento global está se intensificando além das projeções anteriores”, apontam os pesquisadores no documento.
Os cientistas também destacam que a queda nas emissões de aerossóis industriais, que antes ajudavam a refletir parte da radiação solar, contribui para o aquecimento. “As reduções nas emissões de enxofre do transporte marítimo e da indústria têm provocado menor reflexão da luz solar, ampliando o aquecimento global”, diz o texto. Segundo o consórcio, essa combinação de fatores pode estar levando a uma aceleração do aquecimento, com implicações significativas para as próximas décadas.
Oceanos e florestas perdem força como barreiras naturais
Os oceanos, que absorvem cerca de 90% do excesso de calor da atmosfera, também estão sofrendo com o ritmo acelerado da crise. O relatório afirma que o aquecimento da superfície dos mares vem batendo recordes sucessivos desde abril de 2023, atingindo, em 2024, 0,6 °C acima da média entre 1981 e 2019 e cerca de 0,9 °C acima dos níveis pré-industriais.
Essas condições extremas estão diretamente relacionadas ao aumento das ondas de calor marinhas, que se tornaram mais frequentes, intensas e persistentes. “As ondas de calor marinhas estão causando impactos ecológicos severos e, em alguns casos, irreversíveis”, alertam os cientistas.

Sumidouros de carbono afetados
As mudanças do clima do planeta já estariam afetando inclusive os chamados sumidouros de carbono, que são sistemas naturais (como as florestas e os mares) ou artificiais que absorvem mais dióxido de carbono da atmosfera do que libera. O aquecimento da superfície oceânica reduz a capacidade dos mares de absorver dióxido de carbono, enfraquecendo seu papel como sumidouro natural de carbono.
Além dos oceanos, as florestas e solos também estão perdendo eficiência no sequestro de carbono. Segundo o estudo, o sumidouro terrestre global caiu para 2,3 gigatoneladas de carbono em 2023, bem abaixo da média de 3,2 gigatoneladas anuais observada na última década.
Essa redução é atribuída ao avanço dos incêndios florestais em regiões boreais e à degradação de ecossistemas antes considerados estáveis. “O enfraquecimento dos sumidouros naturais implica um orçamento de carbono remanescente ainda menor do que o estimado anteriormente”, alerta o documento.
O relatório reforça que o derretimento do permafrost — solo permanentemente congelado no Ártico — já está liberando mais carbono do que retendo. “Quando consideramos não apenas o CO₂, mas também o metano e o óxido nitroso, a região pode já ser uma fonte líquida de carbono para a atmosfera”, destacam os autores.
Metas climáticas continuam insuficientes
Apesar dos alertas, as respostas políticas continuam distantes da escala necessária para conter a crise. “Mesmo que todas as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) atuais fossem integralmente implementadas, as emissões globais cairiam apenas 5,9% até 2030 em comparação a 2019”, afirma o relatório. O número é muito inferior à redução de 28% necessária para manter o aquecimento abaixo de 2 °C, ou dos 42% exigidos para limitar a 1,5 °C.
O texto também critica a lentidão dos países em atualizar suas metas. “Até outubro de 2025, apenas 62 nações, responsáveis por 31% das emissões globais, haviam submetido novas NDCs”, destacam os cientistas. Essa falta de ambição é considerada um dos principais desafios para a COP30, em Belém, que deverá ser um marco para a implementação efetiva dos compromissos climáticos.
O consórcio propõe medidas urgentes, como “a criação de indicadores padronizados de progresso, o fortalecimento da conservação florestal e o monitoramento da transição para além dos combustíveis fósseis”. Também defende “o reconhecimento formal das estratégias de remoção de dióxido de carbono como complemento essencial à redução direta das emissões”, de modo a possibilitar emissões líquidas negativas no futuro.
O relatório conclui com um tom de urgência. “É preciso criar indicadores de progresso padronizados, monitorar a transição para além dos combustíveis fósseis, fortalecer a conservação e restauração florestal e proteger a biodiversidade e os sumidouros de carbono”, afirma Mercedes Bustamante.