Crise climática avança mais rápido do que ações para contê-la, diz relatório


Por: Fred Santana*

02 de novembro de 2025
Crise climática avança mais rápido do que ações para contê-la, diz relatório
Seca no Lago do Aleixo, em Manaus, no Amazonas (10.out.23 - Ricardo Oliveira/Cenarium)

MANAUS (AM) – A crise climática está avançando em um ritmo mais acelerado do que as ações implementadas para contê-la. É o que revela o relatório “10 New Insights in Climate Science 2025/2026“, divulgado esta semana por um consórcio internacional de cientistas liderado pela The Earth League, Future Earth e o World Climate Research Programme (WCRP).

O documento, lançado às vésperas da COP30, que será realizada em Belém (PA), reúne os achados científicos mais recentes sobre a intensificação do aquecimento global e seus impactos.

O estudo, elaborado com base em contribuições de mais de 150 especialistas de diversos países, afirma que o desequilíbrio energético da Terra — diferença entre a energia solar absorvida e a refletida de volta ao espaço — aumentou de forma inédita, um sinal claro de que o aquecimento global pode estar se acelerando.

“A Organização Meteorológica Mundial confirmou que 2024 foi o ano mais quente já registrado, com temperaturas médias atingindo 1,55 °C acima dos níveis pré-industriais”, explica Mercedes Bustamante, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das coordenadoras do estudo.

“Esse aquecimento contínuo tem alimentado ondas de calor, secas, incêndios florestais, tempestades e inundações com mais frequência e intensidade, resultando em perdas humanas e econômicas severas”, alerta Mercedes.

A pesquisadora Mercedes Bustamante é uma das coordenadoras do estudo (Valter Campanato/Agência Brasil)

Esse fenômeno é agravado por nuvens menos refletivas sobre os oceanos e pela redução da cobertura de gelo, o que faz com que o planeta absorva mais calor do que antes. “O notável aumento no desequilíbrio energético da Terra sugere que o aquecimento global está se intensificando além das projeções anteriores”, apontam os pesquisadores no documento.

Os cientistas também destacam que a queda nas emissões de aerossóis industriais, que antes ajudavam a refletir parte da radiação solar, contribui para o aquecimento. “As reduções nas emissões de enxofre do transporte marítimo e da indústria têm provocado menor reflexão da luz solar, ampliando o aquecimento global”, diz o texto. Segundo o consórcio, essa combinação de fatores pode estar levando a uma aceleração do aquecimento, com implicações significativas para as próximas décadas.

Oceanos e florestas perdem força como barreiras naturais

Os oceanos, que absorvem cerca de 90% do excesso de calor da atmosfera, também estão sofrendo com o ritmo acelerado da crise. O relatório afirma que o aquecimento da superfície dos mares vem batendo recordes sucessivos desde abril de 2023, atingindo, em 2024, 0,6 °C acima da média entre 1981 e 2019 e cerca de 0,9 °C acima dos níveis pré-industriais.

Essas condições extremas estão diretamente relacionadas ao aumento das ondas de calor marinhas, que se tornaram mais frequentes, intensas e persistentes. “As ondas de calor marinhas estão causando impactos ecológicos severos e, em alguns casos, irreversíveis”, alertam os cientistas.

Oceanos também estão sofrendo com o ritmo acelerado da crise (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Sumidouros de carbono afetados

As mudanças do clima do planeta já estariam afetando inclusive os chamados sumidouros de carbono, que são sistemas naturais (como as florestas e os mares) ou artificiais que absorvem mais dióxido de carbono da atmosfera do que libera. O aquecimento da superfície oceânica reduz a capacidade dos mares de absorver dióxido de carbono, enfraquecendo seu papel como sumidouro natural de carbono.

Além dos oceanos, as florestas e solos também estão perdendo eficiência no sequestro de carbono. Segundo o estudo, o sumidouro terrestre global caiu para 2,3 gigatoneladas de carbono em 2023, bem abaixo da média de 3,2 gigatoneladas anuais observada na última década.

Essa redução é atribuída ao avanço dos incêndios florestais em regiões boreais e à degradação de ecossistemas antes considerados estáveis. “O enfraquecimento dos sumidouros naturais implica um orçamento de carbono remanescente ainda menor do que o estimado anteriormente”, alerta o documento.

O relatório reforça que o derretimento do permafrost — solo permanentemente congelado no Ártico — já está liberando mais carbono do que retendo. “Quando consideramos não apenas o CO₂, mas também o metano e o óxido nitroso, a região pode já ser uma fonte líquida de carbono para a atmosfera”, destacam os autores.

Metas climáticas continuam insuficientes

Apesar dos alertas, as respostas políticas continuam distantes da escala necessária para conter a crise. “Mesmo que todas as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) atuais fossem integralmente implementadas, as emissões globais cairiam apenas 5,9% até 2030 em comparação a 2019”, afirma o relatório. O número é muito inferior à redução de 28% necessária para manter o aquecimento abaixo de 2 °C, ou dos 42% exigidos para limitar a 1,5 °C.

O texto também critica a lentidão dos países em atualizar suas metas. “Até outubro de 2025, apenas 62 nações, responsáveis por 31% das emissões globais, haviam submetido novas NDCs”, destacam os cientistas. Essa falta de ambição é considerada um dos principais desafios para a COP30, em Belém, que deverá ser um marco para a implementação efetiva dos compromissos climáticos.

O consórcio propõe medidas urgentes, como “a criação de indicadores padronizados de progresso, o fortalecimento da conservação florestal e o monitoramento da transição para além dos combustíveis fósseis”. Também defende “o reconhecimento formal das estratégias de remoção de dióxido de carbono como complemento essencial à redução direta das emissões”, de modo a possibilitar emissões líquidas negativas no futuro.

O relatório conclui com um tom de urgência. “É preciso criar indicadores de progresso padronizados, monitorar a transição para além dos combustíveis fósseis, fortalecer a conservação e restauração florestal e proteger a biodiversidade e os sumidouros de carbono”, afirma Mercedes Bustamante.

Leia também: Super-ricos emitem em um dia carbono que metade da humanidade gera em um ano
(*) Com informações da Agência Bori

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