Crise deve empurrar mais 1 milhão de brasileiros para a fila do desemprego

Pessoas mostram Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) (Ana Rayssa/CB/D.A Press)
Com informações do Infoglobo

BRASÍLIA — Nelton Laurindo Pinto, de 30 anos, procura emprego com carteira assinada há quatro anos. Sem conseguir uma oportunidade, o morador da Cidade Estrutural, comunidade localizada a 20 quilômetros da Praça dos Três Poderes, em Brasília, vinha recorrendo a pequenos serviços, em obras, para garantir o sustento da mulher e dos dois filhos, de 2 e 3 anos. Mas até isso ficou difícil.

“Eu mando currículo para empresas, para todo lado, procuro na internet, mas nunca me chamaram. Nunca trabalhei com carteira assinada. Vou em obra porque é o recurso que sobra, mas, agora, deu uma parada”, conta.

Neste ano eleitoral, a lenta recuperação do mercado de trabalho, com inflação e juros altos, deve dominar os debates. Tiago Tristão, economista da Absolute Investimentos, estima que ao fim de 2022 serão 13,4 milhões de pessoas desempregadas, 1 milhão a mais que no fim do ano passado, mesmo com a expectativa da geração líquida de 400 mil vagas, neste ano. Ou seja, a geração de vagas não vai acompanhar o aumento da procura por trabalho.

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“O desemprego não vai cair de 12% para 8% em um ou dois anos. Vamos conviver com taxa de desemprego elevada por alguns anos. Quem assumir o governo, do ponto de vista da narrativa econômica, não tem problema, porque se a economia voltar ao potencial, ao longo do tempo, tem quatro anos para uma recuperação. O problema é para quem está no governo agora”, diz Tristão.

Uma situação que não deve se alterar, na próxima década, na avaliação de Lucas Assis, analista da Tendências Consultoria. Ele diz que a taxa de desemprego deve ficar em dois dígitos, nos próximos dez anos, apesar de prever para dezembro um número de desempregados menor do que Tristão: 12,7 milhões.

“A incerteza gerada pelo ciclo eleitoral doméstico limita o dinamismo econômico e gera consequências para a retomada do emprego. O cenário para 2022 está bastante deteriorado e é desafiador, com destaque negativo para a queda do rendimento médio dos trabalhadores”, explica Assis, lembrando que os impactos poderão ser duradouros. “Isso gera uma perda de capital humano muito grande, afetando a produtividade”.

Taxa pode chegar a 13%

Nelton Pinto não é o único desempregado na casa em que vive com a família e divide com outros parentes. Sua cunhada, Maria Marta Santiago da Cruz, de 22 anos, está há dois anos sem trabalhar. O marido dela, vidraceiro, é o único na casa com carteira assinada. Maria Marta, que já trabalhou com reciclagem, em restaurantes e como doméstica, também busca um trabalho formal. Candidatou-se a uma vaga de auxiliar de cozinha, sem sucesso.

“Agora é procurar, mas desanima demais, ainda mais quando a gente chega no lugar e o pessoal diz que não tem mais vaga, que acabou. Mas não pode perder a esperança”, diz a jovem, que tem dois filhos.

A taxa no fim dos governos

A economia estagnada — o mercado projeta crescimento de apenas 0,30% do Produto Interno Bruto (PIB), este ano — vai afetar a decisão dos eleitores, dizem especialistas. Bancos e consultorias estimam que o desemprego pode fechar 2022 entre 11,8% e 13%, acima dos registrados em outros anos eleitorais.

Na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, a Pesquisa Mensal do Emprego (PME), do IBGE, hoje extinta, mostrava taxa de desemprego, em dezembro, de 6,32%. Em 2002, quando o PT ganhou as eleições do PSDB, o índice, ainda medido pela PME, mas com nova metodologia, que captava melhor o desemprego, era de 10,5%.

Índice em ano eleitoral

Quando o País reelegeu Lula, em 2006, a taxa de desocupação era de 8,4%. E, na eleição de 2010, quando o petista conseguiu fazer de Dilma Rousseff a sua sucessora, o índice estava em 5,3%.

Em 2014, a crise econômica que, então começava ainda, não havia se refletido no mercado de trabalho quando das eleições. Na época, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua mostrou que a taxa de desemprego fechou o ano em 6,6%, uma das menores da série, e Dilma foi reeleita.

Desde então, com dois anos de recessão (2015 e 2016) e a pandemia, esse indicador só aumentou. Na última eleição, em 2018, a taxa média de desemprego, no ano, ficou em 12,3%. O indicador fechou o ano em 11,7%.

O problema é mais grave para os jovens, que, sem experiência, têm mais dificuldade para entrar no mercado de trabalho em crise, o que compromete a sua renda futura:

“A vida do jovem é difícil, principalmente, para quem está entrando no mercado no momento de recessão. Estudos mostram que, quando se entra no mercado num momento em que a economia está mais dinâmica e gerando mais oportunidade, mais rapidamente as pessoas são realocadas em postos mais produtivos. Na depressão, as oportunidades são menores, e as chances de realocação, mais difíceis. Além disso, a renda, ao longo do ciclo de vida laboral, tende a ser menor”, aponta Tristão.

Baixa qualificação e informalidade

 O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, avalia que a recuperação vigorosa de 2021 não vai se repetir este ano. O mercado de trabalho, diz, continuará precário, sustentado por ocupações que exigem baixa qualificação e informais, com o agravante da inflação, que corrói a renda do trabalhador. Esta já caiu 11%, frente ao ano passado.

“São dois pontos que geram insatisfação: para quem está procurando, é não achar o emprego de qualidade; e para todo mundo, é a inflação corroendo a renda, mesmo de quem está empregado e no mercado formal”, diz Vale.

A reversão desse quadro depende do aquecimento da atividade econômica. O que não deve acontecer, de acordo com as projeções da MB para o PIB deste ano, que são de estagnação.

“Vai demorar para chegar a uma taxa de desemprego de um dígito. Para isso acontecer, vamos precisar de taxas de crescimento da economia mais expressivas. O crescimento que temos tido, entre 1% e 2%, não vai ser suficiente”, ressalta Vale.

Tema já está na campanha

Antes mesmo de a campanha eleitoral oficialmente começar, o tema já vem ganhando espaço nas discussões pré-eleitorais. A revogação de parte da reforma trabalhista, na Espanha, trouxe o debate sobre a reforma trabalhista aprovada no Brasil, em 2017.

Mudanças foram defendidas pelo ex-presidente Lula, pré-candidato pelo PT, e por Ciro Gomes, pré-candidato pelo PDT. Já Bolsonaro usa os 2,7 milhões de vagas com carteiras geradas, no ano passado, para afirmar que o mercado melhorou.

A ação mais bem-sucedida do governo, nessa área, foi o programa de manutenção do emprego e renda (BEm), que permitiu a suspensão de contratos de trabalho e a redução de jornada e salários durante a pandemia, o que protegeu milhões de empregos. Já a Carteira Verde e Amarela, promessa de campanha que flexibilizaria direitos trabalhistas para incentivar a contratação de jovens, foi barrada no Congresso.

A última ação do governo para tentar fomentar a geração de vagas foi a criação de um programa de serviço social voluntário, sem vínculo empregatício e com o pagamento de meio salário mínimo, autorizado pela medida provisória (MP) 1.099. O programa oferece cursos de qualificação para jovens entre 18 e 29 anos e para pessoas acima de 50 anos que estejam desempregadas há mais de dois anos.

O projeto depende da adesão de municípios, que serão os responsáveis pelos custos e pela implementação. O movimento sindical defende a derrubada da MP, sob o argumento de que ela torna mais precária a relação de trabalho.

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