Crise no governo federal e as cortinas de fumaça no Brasil
09 de setembro de 2024
Cidade em meio à fumaça (Foto: João Paulo Guimarães)
João Paulo Guimarães – Especial para Cenarium**
BELÉM (PA) – Nos últimos dias, o escândalo envolvendo o ministro Silvio Almeida e as denúncias de assédio vazadas pela ONG americana Me Too, que envolveram Anielle Franco, uma das principais vozes de liderança no governo, tomou de assalto a pauta política e mediática do País. O episódio, que culminou na exoneração de Almeida, é um choque para o governo federal, tanto pelas suas implicações internas quanto pela forma como desvia o foco de crises muito mais urgentes, como as queimadas que continuam a devastar o Brasil.
A saída de Almeida, acusado de assédio sexual não apenas contra Anielle, mas também contra outras mulheres, expõe uma ferida profunda em uma gestão que deveria prezar por ética e respeito, especialmente quando se trata de direitos humanos e igualdade racial. O governo, que já enfrenta desafios gigantescos na condução do País, vê-se agora engolfado em uma tempestade de intrigas e escândalos, que mais parece cena de novela do que a rotina de um governo preocupado em resolver problemas estruturais.
Criança brinca em rua, em meio à fumaça (Foto: João Paulo Guimarães)
Enquanto isso, fora dos palácios do poder, o Brasil arde. As queimadas destroem florestas, fauna, e colocam em risco a vida de milhões de pessoas, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste. No entanto, em vez de os principais veículos de imprensa dedicarem seu tempo e esforços para cobrir essa verdadeira calamidade, a história que ganha as manchetes é o escândalo envolvendo Almeida e Anielle. Como se o fogo político fosse mais importante do que o fogo real, que transforma nossas florestas em cinzas e devasta o meio ambiente de forma irreversível.
Não é de hoje que as fofocas e escândalos sexuais têm mais apelo para o público brasileiro do que as tragédias ambientais. Assim como a audiência de um reality show explode quando alguém é flagrado em um triângulo amoroso ou em uma briga escandalosa, o drama entre os ministros está mobilizando mais atenção do que o impacto das queimadas. E, da mesma forma, as grandes redes de notícias seguem essa onda em vez de alertar a população. Dedicam páginas e minutos valiosos ao escândalo, como se o futuro das florestas fosse um detalhe menor na agenda do País.
Mulher caminhando em meio à fumaça (Foto: João Paulo Guimarães)
O povo, que muitas vezes prefere se entreter com a desgraça alheia do que encarar os desafios reais, se vê imerso nesse enredo. Enquanto as árvores caem e as cinzas se espalham, os diálogos nas redes sociais e nas conversas de bar giram em torno de quem está certo ou errado no drama político. O ciclo de notícias cria um círculo vicioso: a crise do governo vira espetáculo, e o espetáculo toma o lugar da discussão necessária sobre o colapso ambiental que já está em curso.
Assim como sabemos quem é o culpado na situação entre Silvio Almeida e Anielle Franco, também sabemos quem são os responsáveis pelas queimadas que destroem o País. O agronegócio predatório, a falta de fiscalização e o desmonte das políticas ambientais estão claros como o dia, assim como as ações de Almeida. No entanto, parece que estamos mais dispostos a punir quem protagoniza um escândalo sexual do que quem contribui para a destruição da nossa maior riqueza natural.
O que precisamos agora é de um olhar focado nas consequências. Assim como Silvio Almeida deve enfrentar as devidas punições pelo que fez, os responsáveis pela destruição de nossas florestas também precisam ser responsabilizados. O Brasil não pode se afogar em fumaça – seja a fumaça das queimadas, seja a fumaça tóxica das intrigas políticas. Ambos os culpados estão diante de nós, e o tempo de agir é agora. Caso contrário, quando as cinzas finalmente baixarem, será tarde demais para reverter o estrago.
(*) João Paulo Guimarães é paraense, ativista socioambiental formado em Publicidade e Propaganda e jornalista. Atua como fotodocumentalista e fotojornalista freelancer para a agência AFP. Também é repórter freelancer para as agências Repórter Brasil, Mongabay, A Pública, Projeto Colabora e Intercept Brasil.
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