Crítica teatral – O arco-íris coloriu Eurípides


Por: Jorge Bandeira

18 de novembro de 2025

Vocês pediram e nós atendemos!

É um jorro de humor desregrado e sem nenhum compromisso com a seriedade machista deste mundo provincial, é o melhor dos mundos, trazer riso num teatro sisudo, que de tão sisudo fica agressivo e irado, mas não é isso que temos aqui. A espontaneidade deste teatro, de um barroquismo inconveniente, causa algo de bom ao espectador, mas somente àquele que sabe da liberdade como pedra de toque.

Esta resenha crítica aproveita o que o próprio grupo divulgou para refletir, sem seriedade, por favor, sobre o que esta Medeia trouxe aos palcos amazonenses.

A tragédia mais icônica do teatro grego ganhou uma cara nova, debochada e hilária! Medeia nas Sombras da Comédia, da Cia Kinttal 24 de Teatro, é tudo isso e muito mais, inclusive com desdobramento com uma parte 2, criando uma espécie de Maldição do riso labdácida, onde a genealogia de Medeia, sua família, está fadada, aqui, a rir de tal forma incontrolável que as pregas ficam soltas.

Já disseram por ai: “Uma explosão de humor que transforma a tragédia em pura diversão” e também “Uma experiência completamente fora do esperado”.

Este fora do esperado é o que garante a alegria total deste espetáculo, em suas duas partes, e claro, um elenco que soube dosar o grotesco com o humor, vertente da qual fazia tempo que não via nos palcos locais. Tudo diverte, tudo parece ser deliciosamente espontâneo e desafiador. O público parece embarcar no trágico pela gargalhada fatal, os falsos finais de cena que engendram continuidades absurdas, num texto sem titubeios, direto, e com preciosos imprevistos de hilariedade absoluta. É diversão do início ao fim. Para quem deseja transfigurar o rosto com um sorriso avassalador, este é o Teatro.

Se você ainda não assistiu, essa é a sua chance! Venha viver essa sátira ousada, polêmica e atual, que mistura paródias, improvisos, referências da cultura pop, novelas e memes em um espetáculo único.

A polêmica aqui é puro entretenimento e regozijo, e é fácil perceber que a tradição da baixa comédia, sem conotação pejorativa aqui, está no palco, enviesada com o humor contemporânea regado à stand ups e atuações seguras de atores e atrizes entregues, sem frescura e pudores, ao jogo insano desta tragédia que ri, aliás, que fortaleza de equipe que conseguiu extrair da mais alta comédia da Antiguidade Clássica grega uma avalanche de momentos hilários, imperdível teatro desta trupe totalmente colossal.

A primeira parte da Medeia do Kinttal 24 perpassa um fio de singularidade com a tragédia original de Eurípedes, mas fica por aí, depois é pura subversão e Império do improviso e da segurança em levar ao palco o que o grupo sabe fazer de melhor, fazer o público rir. No começo parece que as coisas estão monótonas, mas quando os corpos esquentam parece até que foi puxado o fio condutor de Ariadne e as personagens ficam mais soltas ainda, demonstrando uma atenção total ao desenrolar da trama do humor, na linha inconteste de grupos de referência no Brasil, como o Porta dos Fundos e Os Melhores do Mundo.

O Kinttal 24 foi no ponto nevrálgico, cirúrgico. Não se quer aqui reverenciar absolutamente nada, apenas o Teatro e o riso devem imperar. Abaixo, o dia em que o crítico assistiu esta Medeia, e de lá saiu satisfeito, pois rir ainda é o melhor remédio.

Ah, eu poderia me deter em cada um do elenco, mas estrategicamente vou esperar para assistir mais vezes estas Medeias que devem regressar aos palcos, como dever de ofício, pois a cada apresentação a leveza das atuações, jocosamente naturais, será um trunfo aos atuantes.

A forma natural das atuações, mescladas aos grotescos de alguns personagens, especialmente no ato 2, é um equilíbrio necessário. A cada apresentação o melhor do humor será alcançado, e o tempo de cada personagem, seus trejeitos, ganharão força cênica, mais do que já conseguiram. As congratulações do crítico vão para todos da Cia Kinttal 24, e para a técnica, que conseguiu, sem estar no palco, ser iluminada pelo humor do espetáculo.

O grotesco aqui virou cômico, subvertendo, outra vez, o drama romântico, e aqui especialmente o trágico, harmonizando opostos, a convivência do feio com o belo, levando o bizarro e o ridículo ao público.

O riso fácil do besteirol, essencialmente humor brasileiro, de teor vulgar, direto e escrachado, faz de Medeia uma função totalmente deste riso incontido, quase televisiva, de apelo popular, onde o exagero e a repetição, palavras de impacto previsíveis, com bordões e o humor chulo, repleto de tipos caricaturais e vulgares, facilmente identificados pela visão de estereótipos, é a principal tônica da encenação. Se o besteirol é um fenômeno cênico tipicamente brasileiro, Medeia atos 1 e 2, é um fenômeno tipicamente da Cia Kinttal 24. Resta prosseguir este legado.

Quem já assistiu sabe o sucesso que é…e quem ainda não foi, não pode perder essa oportunidade!

(*)Jorge Bandeira, diretor da Cia Teatro Éden, historiador e pós graduado em História Social da Amazônia. Foi o primeiro conselheiro de cultura de Manaus na cadeira de Teatro, foi presidente da Federação de Teatro do Amazonas - FETAM, curador de eventos culturais no Amazonas e outros estados Brasil. Membro da Associação Internacional de Críticos Teatrais. Gerencia o sebo, livraria e loja de discos O Alienígena da Amazônia, no Centro de Manaus. Mediador em festivais de Teatro no Amazonas e outros estados brasileiros. Professor decano curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

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