Crônicas do Cotidiano: A liberdade de imprensa e a simplificação da realidade

A simplificação da realidade é uma visão de senso comum que não se confunde com bom senso; aparece como maneira de ajudar a entender as coisas complexas do mundo em que vivemos ou como um modo de ocultar aspectos importantes de uma problemática. Recusar tocar nos pontos mais sensíveis dos fatos pode ser, também, omissão, fraude, tentativa de “encobrir o sol com a peneira”, como se costuma dizer. A função principal do jornalismo é elucidar os fatos e, na forma de notícia, entregá-los aos que dela façam uso. Para tanto, precisa observá-los, interpretá-los, descrevê-los de forma clara e objetiva para obter a sua compreensão, a mais próxima possível do que verdadeiramente são. É aí que começa o problema, pois, para que tal ocorra, o profissional do jornalismo precisa valer-se de conhecimentos teóricos, dos métodos de investigação para levantar e correlacionar dados e dominar o uso da linguagem buscando a comunicação com os destinatários. Quando ligado a uma empresa jornalística, atende, ainda, às normas internas e às recomendações que delas emanam, dando conta dos interesses e poderes que a instituição representa na sociedade. Assim sendo, já não podemos mais falar em imparcialidade total do jornalista. Quando sujeito a uma instituição pública, precisa obedecer aos ditames que regem à administração pública e fica obrigado a guardar sigilo nos casos determinados em lei, o que torna, nesses casos, mais difícil compatibilizar tais obrigações com a liberdade de pensamento e de expressão, mesmo tratando-se da coisa pública. Razão pela qual a assessoria de imprensa em órgãos públicos é vista pelos críticos como incompatível com a profissão de jornalista, no sentido estrito.

O caso Julian Assange, jornalista, ativista e criador do site WikiLeaks que galvanizou as atenções do mundo, é emblemático por ter ocorrido no âmbito da internet, onde a pessoa física, o profissional e a pessoa jurídica são inseparáveis. Acusações de estupro contra ele, feitas pela Suécia,  abrem a oportunidade de eventual prisão e extradição para responder por acusações de crime contra a Lei da Espionagem, nos Estados Unidos da América. O seu exílio na Embaixada do Equador, em Londres, expôs para o mundo a sua ação como jornalista que saiu do padrão usual da imprensa liberal capitalista para abraçar, na internet, a plenitude do dever de informar, de avaliar, segundo sua consciência e o seu ofício, aquilo que deve ser publicizado para desmascarar os governos que espionam e impõem segredos às informações de interesse público a tudo aquilo que lhes interessa esconder e tornar arma letal para dominar os povos, mesmo aparentando, paradoxalmente, ser  paladino da “liberdade de expressão” no mundo, garantia dada pela Primeira Emenda de sua Constituição. Ao tornar público os documentos da espionagem americana no mundo, caiu numa cilada: a crença absoluta na liberdade de imprensa burguesa, sem se dar conta de que os interesse do Império são maiores que a “Primeira Emenda”. A perseguição aos jornalistas é tão velha quanto a sua prática profissional consentida; e o medo dos que os perseguem é o de que se cumpra com ele e com a resistência por ele alimentada com a “verdade que dói”, o que foi escrito lá no Manifesto Comunista (1848): “tudo que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com os outros homens”.

O acordo para tirar Assange da cadeia, julgá-lo e indultá-lo após reconhecer-se culpado por   infringir a lei de sigilo sobre fatos escabrosos contra a humanidade (como um novo Galileu), envolveu um movimento organizado de profissionais do jornalismo, políticos, intelectuais e governos do mundo todo, da opinião pública em geral. Todos pressionando o “Império Americano”. Ao mesmo tempo, foi uma Vitória de Pirro do jornalismo, embora tenha sido a única maneira do ser humano livrar-se, como disse, de uma pena maior e mais cruel. Novamente, os poderosos disseram aos jornalistas do mundo inteiro que a verdade é relativa, passa pelas lentes do poder e dos donos dos meios de produção e da mídia, o que significa dizer: ainda não aprendemos a encarar sem ilusões as nossas relações com os que não renunciam à barbárie, à arrogância e à mentira!

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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