Crônicas do Cotidiano: as estrelas e a ‘roda vida’
Por: Walmir de Albuquerque Barbosa*
18 de novembro de 2025Que bom retomarmos a nossa conversa ao pé do ouvido, franca e direta como sempre foi, para
dialogarmos com o mundo, esse passageiro de uma imensa Roda Gigante a contemplar o infinito,
encher os olhos fitando as paisagens ou agonizando sobre os escombros do cotidiano, quando lhe é
hostil. Pensei muito para iniciar a nossa prosa com encantamento e comecei pelas constelações e
estrelas que marcam presença com o seu brilho, começando pela Procyon, a mais brilhante da
Constelação de Cão Menor, minha preferida, e cheguei às Estrelas da Ursa, constelação que patrocina
o nome de uma das obras-primas do cineasta Luchino Visconti, “Vagas Estrelas da Ursa” (1965),
baseado no poema “Le Ricordanze”, de Giocomo Leopardi (1798-1837). Todos dois italianos,
debruçados sobre os dramas universais dos seres humanos vitimados pelos horrores da vida, da
sociedade e das guerras, em tempos diferentes. Leopardi está falando da derrocada da burguesia
italiana na era pós napoleônica; Visconti, usando o cinema, trata da geração burguesa do pós fascismo
e do pós nazismo, eufórica com o “falso renascimento” e mergulhada na luxúria, nas drogas, na
insanidade e no fracasso dos que se entregam às futilidades da vida, sem perceber as desigualdades
materiais causadas pelos mais ricos. Com esse paralelo, constatei que estava, portanto, diante de um
tema recorrente: o desprezo dos poderosos para com os mais fracos, o ideário fascista e nazista,
trazido até nós, pela extrema direita, evocando até uma limpeza étnica.
Eis que, bem perto de nós, Chico Buarque de Holanda, na mesma época de Visconti, nos
apresenta o poema em forma de letra e música, intitulado “Roda Viva” (1967), coisa nossa, que
começa assim: “Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou morreu/ A gente estancou de
repente/ Ou foi o mundo então que cresceu/ A gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mandar/
Mas eis que chega a roda-viva/E carrega o destino pra lá”. Apresentada no Festival da Música
Brasileira, fazia parte do Musical que seria encenado no ano seguinte no Teatro Oficina em São Paulo
e, numa das apresentações, militantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), invadiu o
Teatro, destruiu os cenários, bateu nos artistas e em todos que ousaram defendê-los e repetiu o feito
mais tarde em Porto Alegre, fazendo com que a exibição da peça fosse suspensa em todo o país.
Chegávamos, naquele momento, ao auge da Ditadura Militar, apoiada cinicamente, pela imprensa,
pelos empresários ricos, pela quase totalidade da Igreja Católica e pela classe média, sempre dispostos
a defender “os bons costumes” em público e cobrir com um diáfano véu suas hipocrisias. Ao lembrar
Leopardi, Visconti e Chico e tomá-los como registro de momentos diferentes da história, podemos
acreditar que esta se repete constantemente, que raios caem duas vezes no mesmo lugar e as elites
não param de exercitar a sua malignidade, a sua indiferença e a sua iniquidade em relação aos que
dela não fazem parte. Assim, estamos, novamente, frente a coisas parecidas e escancaradas aos olhos
de todos nos telões e telinhas da manipulação das consciências.
Ao assistir as análises e previsões dos economistas, a “opinião abalizada” dos “comentaristas
políticos”, ventríloquos dessa gente que manda em tudo, caio em profunda tristeza. Dizem em alto e
bom tom, tratando da economia e da vida cotidiana dos brasileiros: que a economia está aquecida
porque as políticas públicas levaram o país a uma situação de pleno emprego e, portanto, é preciso
aumentar o desemprego; é necessário cortar gastos reduzindo o Salário Mínimo e os Programas
Sociais; elevar os juros para evitar inflação, mesmo que isso encha os bolsos dos rentistas. Quem,
antes desses bons indicadores de melhoria das condições de vida dos mais pobres, presenciou Igrejas
Católicas lotadas de desempregados em Novenas clamando pelo Auxílio de São José, patrono dos
trabalhadores, e as Igrejas Evangélicas, semanalmente, promovendo Culto Dedicado à Benção das
Carteiras Profissionais, onde desempregados pediam “Em nome de Jesus” oportunidades de
emprego, fica horrorizado. “Ora (direis) ouvir estrelas!”, dizia Bilac, mas ao ouvi-las, descubro que
o cinismo humano não tem limites, não se esgota em si mesmo, precisa do sofrimento dos humildes,
do desamor. Razão pela qual, a luta tem que continuar!